Acompanhar os preços dos produtos básicos do supermercado ao longo do tempo é um serviço aos leitores e uma maneira de ficar de olho na economia nacional
Por Laura Hazard Owen*
Um saco de 1,3 quilo de mirtilos silvestres congelados da Wyman. Meio quilo de salmão. Uma dúzia de ovos marrons grandes.
Todo mês, estudantes da University of Southern Maine verificam os preços desses itens, e muito mais, em 4 supermercados no Estado: o Whole Foods em Portland, o Shaw’s em Bangor, o Walmart em Farmington e o Hannaford em Caribou.
Tudo isso em prol do Índice de Preços Públicos do Maine, uma iniciativa que a Rádio Pública do Maine lançou em parceria com a Universidade do Sul do Maine no início deste ano. O índice, que monitora os preços de aquecimento, gás e aluguel, além de alimentos, visa a ajudar o público da Rádio Pública do Maine a entender a inflação no Estado (e talvez também encontrar os menores preços de ovos).
Os eleitores nas eleições de 2024 nos EUA classificaram o custo de vida, a economia e a inflação como as questões mais importantes que enfrentaram, e Donald Trump (Partido Republicano) fez campanha pela redução dos preços dos alimentos. Depois da eleição, escrevi sobre como precisamos de um Wirecutter para os alimentos –e como os preços no supermercado representam uma oportunidade única para as organizações de notícias se conectarem com pessoas que, de outra forma, talvez não as lessem.
Desde que Trump assumiu a Presidência, os preços dos alimentos só aumentaram, e as tarifas anunciadas recentemente por Trump podem fazer com que os preços de alguns alimentos disparem.
Veículos de comunicação, grandes e pequenos, nacionais e locais, estão tentando ajudar os leitores a entender as consequências. Alguns, como CBS, CNN e Chicago Tribune, estão monitorando os preços dos alimentos em nível nacional, com base em dados do Escritório de Estatísticas do Trabalho dos EUA. Outros, como a WRAL News em Raleigh e a ABC 15 em Phoenix, também estão informando aos leitores quais lojas procurar para encontrar as melhores ofertas em leite e pão, brócolis e bacon.
E alguns veículos estão se aprofundando, fornecendo relatórios mais abrangentes e frequentes e firmando parcerias com empresas de pesquisa de mercado para obter os dados ou coletando-os eles mesmos. Aqui estão 3 iniciativas interessantes que observei nas últimas semanas.
The Boston Globe
O Boston Globe monitora os preços de itens básicos de supermercado, como papel higiênico, ovos e café moído, na região de Boston desde agosto passado. Ele também conta com um recurso útil que permite ver como diferentes categorias de alimentos em diferentes cidades mudam a cada semana e quanto elas mudaram no total desde 2019.

“Estávamos escrevendo repetidamente sobre o aumento dos preços e queríamos padronizar a maneira como coletávamos e compartilhávamos informações”, disse Yoohun Jung, editor de dados do Globe.
O Globe obtém seus dados de supermercado da empresa de pesquisa de mercado Datasembly, que coleta informações de preços semanalmente. O Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA, por outro lado, divulga dados de preços de alimentos mensalmente. As categorias do Datasembly também são mais específicas do que as do BLS e oferecem “acesso a informações sobre produtos específicos”, disse Kirkland An, desenvolvedor da Redação do Globe.
O acompanhamento dos dados ao longo do tempo também permitiu que a equipe do Globe estivesse ciente de mudanças ou tendências particularmente interessantes nos preços de determinados produtos, o que inspira histórias únicas como esta sobre os preços dos ovos de Boston.
Maine Public
Em 5 de dezembro de 2024, o Maine Public publicou uma solicitação em seus canais de mídia social:
O Maine Public recebeu mais de 400 respostas em apenas alguns dias. (Algumas eram bem específicas: “Que tal uma xícara de café normal de 500 ml no Dunkin [Donuts]; um saco de farinha branca King Arthur da Hannafords; e um pacote de sabão em pó Tide pods, aroma original, 57 unidades do Wal Mart?”) Organizados em uma planilha, “pudemos ver que as pessoas estavam mais preocupadas com itens de mercearia, moradia, serviços públicos e alguns custos com saúde”, disse Irwin Gratz, apresentador e produtor do “Maine Public’s Morning Edition”. “Destes, estávamos mais interessados naqueles que eram mais voláteis e [portanto] provavelmente serviriam como um indicador precoce de para onde os preços poderiam estar indo” –mercearia, gás e combustível para aquecimento e moradia, especialmente aluguel.
O Maine Public contou com a ajuda de Michael Cauvel, professor associado de economia da Universidade do Sul do Maine, e seus alunos para acompanhar os preços dos alimentos e interpretar os dados. O resultado é o Índice de Preços Públicos do Maine.
O Maine Public recebe os dados brutos dos alunos de Cauvel no final de cada mês e os conecta à divulgação do Índice de Preços ao Consumidor do Escritório de Estatísticas do Trabalho algumas semanas depois. Publica matérias referentes aos meses de fevereiro e março (“Os preços dos ovos pararam de subir no Maine, mas outros itens como carne, leite e brócolis ajudaram a elevar o índice em 1,3%”), e você pode esperar a próxima matéria em meados de maio.
The Washington Post
O Post está monitorando a variação dos preços dos alimentos desde a posse de Trump. Em vez de apresentar as variações nos preços de itens individuais, o jornal as agrega em grupos –como refeições de fast food, churrasco, café da manhã e BLTs.
“Ao longo da campanha, notamos como Trump escolheu exemplos específicos dos tipos de coisas pelas quais as pessoas estavam pagando mais: bacon, alface, tomate”, disse Philip Bump, colunista do Post. “Como ele enfatizou os aumentos de preços com tanta frequência e deu exemplos desses aumentos, parecia natural ficar de olho em como esses preços poderiam mudar durante sua presidência.”

“Nós incluímos ovos, abacates e iogurte grego não somente em homenagem à cultura millennial, mas com uma maneira de medir os potenciais efeitos das tarifas ou da gripe aviária”
O Post obtém seus dados da empresa de pesquisa de mercado Numerator, que prefere aos dados do Escritório de Estatísticas do Trabalho dos EUA por alguns motivos. Primeiramente, os dados do Numerator são divulgados diariamente, em vez de mensalmente, o que permite atualizações mais frequentes. Segundo, permite o rastreamento de “cestas” de itens predeterminadas: esta semana, por exemplo, é possível perceber que o preço de um café da manhã com ovos, torrada de abacate, iogurte grego, café e suco de laranja subiu 4% desde a posse de Trump e 53% desde janeiro de 2020.
Há outro motivo para não confiar no Bureau of Labor Statistics, afirmou a equipe. No início do projeto, em janeiro, eles estavam preocupados com a confiabilidade e a consistência dos dados federais; Trump frequentemente chama os dados econômicos federais de falsos. Em fevereiro, o Doge (Departamento de Eficiência Governamental dos EUA) de Elon Musk visou o BLS, levantando preocupações de que os dados do governo dos EUA pudessem se tornar não confiáveis ou serem manipulados.
A reação dos leitores do Post tem sido, em geral, positiva. “Um leitor comentou que este rastreador mostrou exatamente por que ele votou em Trump antes”, disse Youyou Zhou, repórter gráfico da seção de Opinião do Post, “e a dor contínua –causada pela inflação– que ele ainda sente”.
*Laura Hazard Owen é editora do Nieman Lab.
Texto traduzido por Aline Marcolino. Leia o original em inglês.
O Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos que o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports e publicar esse material no Poder360. Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.