Ex-presidente afirma que Judiciário e Legislativo “extrapolam suas atribuições” e cita a necessidade uma reforma política
O ex-presidente da República José Sarney disse que o Brasil passa por um momento de “descoordenação entre os Poderes”. Segundo ele, a integração política “foi muito abalada” e é preciso haver uma reforma.
“A judicialização da política, de certo modo, deu ao Judiciário, um certo abalo de funções. Muitas vezes o Judiciário extrapola suas atribuições e o Congresso também está extrapolando, o que mostra uma descoordenação entre os Poderes”, afirmou em entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada nesta 4ª feira (16.abr.2025).
Sarney disse que o Congresso “sempre foi o coração da democracia”, mas “tem perdido muito peso” e “substância” nos últimos anos. Segundo o ex-presidente, o Legislativo está fragmentado, sendo composto “por partidos em que as adesões são mais por interesses pessoais do que por qualquer outra motivação”.
Essa realidade faz com que haja “um desgaste muito grande” no Legislativo. “Sem partido político forte, não há também democracia forte. Bem ou mal, é dentro dos partidos que se formam lideranças e nós temos partidos políticos recentes, formados no presidencialismo de coalizão”, declarou.
“O Congresso não funciona mais como instituição destinada a defender os seus programas, os programas dos partidos políticos. E a adesão a esses partidos não mais foi feita em base nem de ideologia, nem da formação partidária de grandes segmentos da sociedade, nem em programas de governo”, disse.
Essa “fraqueza dos partidos e do Congresso” fez com que o Judiciário sofresse um “abalo” de funções e houvesse a “politização da justiça e a judicialização da política”.
Sarney declarou: “Temos que fazer uma reforma política. Posso até não estar mais vivo, mas acredito que ela virá e que venha de uma maneira tranquila e não de uma maneira traumática. Em um sistema normal, de partidos fortes, não haveria isso”.
O ex-presidente afirmou ser preciso deixar o atual sistema político.
“Em vez de presidencialismo de coalizão, nós devemos fazer um parlamentarismo aliviado, como é o da França e como é o de Portugal, no qual o primeiro-ministro não pode ser destituído a qualquer momento”, disse.
Segundo Sarney, é necessário que seja feita também “a reforma do voto”, para “acabar com esse voto proporcional e adotar o sistema alemão”, em que há a combinação de votação distrital, onde se vota nos candidatos em cada distrito, e proporcional, na qual os eleitores votam nos partidos.
8 DE JANEIRO
Sarney falou sobre o 8 de Janeiro, em que as sedes dos Três Poderes foram invadidas. Ele disse que “houve uma manifestação de insatisfação” com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “partindo de dentro do governo daqueles que tinham perdido” o pleito.
“Mas não conheço o processo. Isso está sendo julgado pela Justiça, de maneira que eu não tenho dados para afirmar, senão aqueles publicados nos jornais, que realmente nós corremos um risco [de haver um golpe de Estado]. Mas eu pessoalmente conheço as Forças Armadas, sei do sentimento que passaram a ter depois do meu governo, de voltar aos quartéis e abandonar o militarismo, que é a agregação do poder político ao poder militar”, declarou.
Segundo o ex-presidente, as Forças Armadas “jamais teriam uma manifestação” contra as instituições.
“Eu tenho a convicção de que quem quiser jogar com as Forças Armadas para fazer qualquer aventura política, pode saber que não contará com eles. Eles serão mantenedores da democracia e da ordem constitucional”, disse.