Pesquisas mostram tendência de queda na aprovação do governo Lula.Ricardo Stuckert / PR
Introdução e números
Recentes pesquisas divulgadas por diversos institutos colheram números que, com algumas diferenças, mostram uma tendência de queda na aprovação do Governo Lula, acompanhada de um aumento de desaprovação. Ainda que com variações metodológicas, esses dados encorajam a oposição e geram apreensão em parte do Governo e nos partidos da base.
Observemos alguns números relevantes da mais recente pesquisa Genial/Quaest (março de 2025), complementados pela pesquisa Radar/Febraban do mesmo mês. Segundo a Quaest, o governo Lula é aprovado por 41% dos entrevistados e desaprovado por 56%. No entanto, ao incluir a opção regular na análise, o cenário ganha outra nuance: 41% classificam o governo como negativo, 27% como positivo e 29% como regular. Esse grupo que opta pelo regular é composto, em grande parte, por eleitores ainda em disputa e que neste momento se mostram divididos: metade tende à avaliação positiva, metade à negativa.
A pesquisa Radar, que explora aspectos econômicos e expectativas individuais, também traz informações reveladoras. Nada menos que 72% dos entrevistados afirmam estar satisfeitos ou muito satisfeitos com a própria vida. Já na Quaest, quando se pergunta sobre as expectativas para a economia nos próximos 12 meses, 44% acreditam que vai melhorar, 34% que vai piorar e 19% que permanecerá igual. Essas perspectivas positivas são reforçadas pela Radar, que registra 45% com expectativa de melhora, 30% de piora e 23% de ficar igual.
Inclusive, a Radar traz mais dados a respeito dos sentimentos projetados pelos brasileiros para 2025: 77% expressam emoções positivas, contra 20% de sentimentos negativos. Entre os positivos, há clara predominância da esperança (35%), da alegria (20%) e da confiança (16%). Entre os negativos, prevalecem a desconfiança (7%), o medo (5%) e a tristeza (5%). Ainda segundo essa pesquisa, 75% acreditam que a vida pessoal e familiar vai melhorar. Quando comparado com o início de 2024, 41% dos entrevistados afirmaram que a vida já melhorou, 39% dizem que permanece igual e apenas 19% percebem piora.
Bem-vistos, os dados indicam uma cobrança crescente por resultados e, insiste, por comunicação mais eficaz. No entanto, o caminho para atender esses anseios não parece estar somente na insistência sobre o desempenho positivo da economia nos últimos dois anos. Mesmo com os indicadores econômicos positivos, há um descompasso evidente, entre esses fatores e sua percepção em geral. Nesse sentido, a circunstância faz lembrar de outro dado: 47% afirmam que consomem mais notícias negativas sobre o presidente Lula, enquanto 26% dizem não ter recebido qualquer notícia relevante. E mais: ao serem questionados sobre o impacto da maior exposição do presidente na mídia, 50% disseram que isso piorou sua imagem, contra 31% que afirmaram ter melhorado e 13% que não perceberam diferença.
Diante desse cenário, talvez seja hora de refletir com mais profundidade sobre as hipóteses que têm orientado o governo e sua conexão com os sentimentos da sociedade. O desafio, portanto, não está apenas na gestão de políticas públicas, mas também e talvez principalmente na reconstrução de uma ponte de confiança entre a narrativa governamental e a percepção pública.
Estrutural ou conjuntural?
O Partido dos Trabalhadores (PT) construiu, ao longo de sua trajetória, uma relação estável com a sociedade brasileira, dividida de maneira quase simétrica: um terço de apoio fiel, um terço de rejeição consolidada e um terço oscilante, em constante pêndulo. Correndo o risco de uma interpretação a quente, é possível afirmar que a oscilação negativa nas pesquisas decorre fundamentalmente no terço pendular e tem fatores estruturais e conjunturais. Portanto convivemos com os dois tipos de crise que se interligam, embora operem em dinâmicas distintas e se nutrem mutuamente. Óbvio, que há momentos que um ou outro aspecto (estrutural ou conjuntural) adentra no terço mais definido, ou seja, naquele que aprova ou naquele que rejeita Lula e o PT, no entanto passível de reversão.
Um aspecto da crise estrutural é a projetada relação do cidadão com as instituições do país. O PT foi criado e alimentado com uma visão de ruptura, inclusive despertando medo numa parte da sociedade. Ora, nos 25 anos deste século, o PT governou (e governa) por 16 anos. Esse tempo de governo e de responsabilidade institucional trouxe dois problemas para o partido e para Lula: uma certa fadiga de material e a adaptação ao establishment.
A dificuldade do PT em se atualizar diante do espírito do tempo (zeitgeist, para alemães) e ao investir boa parte de sua ação política no Judiciário, o partido tornou-se avalista da institucionalidade, para o bem e para mal, compartilhando de suas críticas. Em contrapartida, perdeu-se a tração da mobilização social, especialmente quando o PT passou a ser visto como parte do establishment. Claro que é preciso reconhecer que Lula derrotou (2022) e sucedeu um governo de direita, incivilizado, antipopular e golpista. Foram derrotados os negacionistas e aqueles que fecharam o país ao mundo. Assim, ao assumir e durante esses dois anos de mandato, Lula tem se obrigado a defender o Estado e suas instituições, a ciência e suas entidades nacionais e internacionais além de restabelecer a diplomacia como elo das relações internacionais.
Nessa condição, agrava e consolida a imagem do Presidente Lula e do PT como legítimos representantes do status quo presente e o derradeiro, mas não definitivo, fim da imagem de mudança. Assim, como parte grande da sociedade enxerga a origem das desigualdades e sua manutenção nas instituições (Executivo, Judiciário e Legislativo), que em benefício próprio patrocinam privilégios, é natural que uma parte da raiva popular endereçada ao establishment recaia sobre Lula e o PT. Trata-se de uma questão dificílima para o atual Governo e para o PT.
A fadiga é percebida na repetição de programas, na linguagem e na falta de criatividade em suas políticas públicas. Invariavelmente seus programas, a atuação política, o modo de se organizar e os discursos são conduzidos com um olhar no retrovisor, mirando aquilo que funcionou no passado. Aliás, o Presidente Lula e o Partido podem estar sendo vítimas do próprio legado: quanto mais avanços geraram para o povo, maiores se tornaram as expectativas e os sonhos. Nesse ponto, é visível a incapacidade de o governo responder a demanda desse novo tempo.
A crise conjuntural está refletida nas oscilações das pesquisas, todas gravitando em torno da inflação, custo de vida, segurança pública, saúde, educação, emprego e renda. São temas imediatos que, no entanto, se conectam com o cansaço estrutural e com as limitações de um modelo que precisa se reinventar.
Mais uma vez: se a economia apresenta indicadores positivos, por que a população não parece acompanhar esse quadro de otimismo? O cenário faz lembrar as últimas eleições nos Estados Unidos: a economia crescia, mas os democratas perderam a narrativa, como apontou James Carville (o mesmo que cunhou a frase é a economia, estúpido). O que se viu foi uma percepção negativa que contaminou, com uma virulência imparável, a opinião pública ao ponto do próprio Carville ter afirmado que percepção é tudo na política. Há um pouco de exagero nas palavras do estrategista democrata, mas não estaríamos vivendo algo parecido no Brasil?
O desemprego no Brasil tem apresentado um índice baixo: 6,9% em 2024. No entanto, as vagas geradas, em sua maioria, são de baixa qualificação e com salários abaixo da média nacional. Para os trabalhadores com nível superior há também boas ofertas de oportunidades, mas também com salários rebaixados. Esse é um fenômeno paradoxal do bom trabalho do Governo Federal/PT e suas consequências. A economia cresce e cria empregos, mas de salários ruins numa estrutura econômica desigual e fortemente no setor de serviços. Por outro lado, em 2000 o país tinha 6,8% de sua população com curso superior e em 2022 o número chegou em 18,4%. Por obvio, essa população (curso superior) cobra uma renda melhor para recompensar o esforço que fizeram para obter um diploma. Não conseguindo cria-se uma frustração. Infelizmente temos as duas pontas, baixa qualificação e superior, precarizados.
Na estrutura de emprego e renda no Brasil temos ainda aqueles que são dependentes de algum programa do Governo (bolsa família) e os trabalhadores da indústria que são mais qualificados, especializados e percebem um salário melhor em comparação a renda do país estando, no entanto, estagnados tanto em relação aos salários como em números de vagas. A expectativa de novas vagas na indústria é ilusória, pois nosso parque fabril definhou e a reindustrialização do país é tratada com prioridade, mas a política monetária de juros altos impede de ser implementada. Afinal, quem vai investir na produção se pode ganhar 15% ao ano de juros? Na parcela dependente, mas necessitada da ajuda governamental, mais de 20 milhões de famílias (bolsa família) recebem a sua parte, mas já consideram que esse benefício é uma política de Estado e que não se movem mais eleitoralmente em razão dela.
Portanto, a estrutura de empregos e de salários do país impõe uma realidade difícil para quem governa. Agrava à medida que a inflação e o custo de vida afetam principalmente os assalariados e empregados em geral. Isso combinado com as dificuldades de comunicação e sem representação organizada para expressar suas opiniões e suas reivindicações de forma ordinária e cotidiana, sobra o processo eleitoral e seu protesto.
O momento exige que o Governo Lula tome decisões estratégicas para reverter a incipiente, mas reversível, queda de popularidade e reconquistar a confiança da sociedade. O PT precisa perceber que não pode se acomodar com o passado e deve inovar suas propostas e ser criativo na sua participação no Governo, a fim de enfrentar os desafios postos. A eleição de 2026 será crucial para consolidar o projeto de Brasil, com democracia, igualdade soberania. Os desafios são de duas ordens: chacoalhar o PT e o Governo no sentido de atualizarem seus manuais. A tradição da esquerda de mobilização, organização e conscientização continuam sendo o caminho para conquistas. Entretanto precisa ser contemporânea e não precisam se vincular ao calendário eleitoral de 2 em 2 anos, por mais importante que ele seja. Os trabalhadores têm novas necessidades, por exemplo, tempo livre para a família. Por isso a importância da escala 6X1.
Conclusão
Parece obvio que o mundo – e o Brasil, claro! – sofrem mudanças estruturais e que ainda temos dificuldades de compreendê-las na dimensão e na profundidade necessárias. Por outro lado, temos, por evidência, fatores conjunturais tanto materiais (carestia, qualidade do emprego, segurança, saúde, educação, meio ambiente) como emocionais (medo, raiva, expectativas, frustrações, percepção das pessoas) que incidem sobre a vida e o humor das pessoas. Exatamente por isso que as razões da queda em popularidade têm elementos conjunturais e estruturais.
Contudo, uma leitura atenta pode animar o governo e o PT a reverter essa situação de queda. Pois, se 72% dos brasileiros estão muito satisfeitos ou satisfeitos com a vida; se para os próximos 12 meses 68% acham que vai melhorar (45%) ou ficar como está (23%); se 77% expressam sentimentos positivos em relação a vida pessoal e familiar como a esperança (35%); se 80% avaliam que nesse primeiro trimestre de 2025 sua vida melhorou (41%) ou ficou igual (39%), por que será que 56% acham que o Brasil está na direção errada? Ora, que paradoxo é esse? Lula governa o país a mais de dois anos!
Talvez parte das respostas esteja nas próprias pesquisas, pois em outras perguntas temos um quadro interessante. 47% só recebem notícias negativas do Presidente enquanto 26% não recebem nenhuma notícia e 50% respondem que o aumento de exposição do Presidente piorou sua imagem ao serem questionados sobre o impacto da maior presença do presidente na mídia. Conforma aqui um problema: quase a metade da população recebe informação negativa do Presidente enquanto 26% não recebe nenhuma informação. É logico, se as informações são negativas ou não chegam, a maior exposição do Presidente piora sua imagem.
O problema da comunicação do Governo é de fácil diagnostico e de difícil solução. Não se trata somente de não conseguir comunicar o que faz; parece que com uma parte da sociedade sequer há comunicação. E agrava a relação com o mundo digital, confirmando um consenso de que o governo é analógico para um mundo digitalizado. O próprio Presidente sofre nessa seara: estando a dois anos no Governo, Lula tem 13 milhões de seguidores enquanto o ex Presidente Bolsonaro, a mais de dois anos fora do governo, tem 26 milhões de seguidores. Será que não falta um pouco de ousadia no palácio?
Há, por outro lado, expectativas que podem fazer uma reversão nesse quadro, pois 71% acham que Lula não está cumprindo as promessas de campanha; 81% querem que Lula faça um governo diferente dos dois últimos anos e 59% (26 positivo e 29% regular) não consideram o governo ruim ou péssimo. Ora, e se mostrar o que já foi cumprido até aqui? E se reafirmar o que será cumprido nos 21 meses faltantes? E se fizer mudanças observáveis pela sociedade para o cumprimento do resto do mandato? E se produzir política que dialogue com esses 29% que acham regular o governo?
Creio que o desafio maior concentra na descoberta da principal contradição localizada nas pesquisas que é a expectativa com o país, a vida e a economia e as expectativas com o governo. Essa descoberta pode ser o caminho para uma vitória do governo em 2026. Resolver essa contradição é uma das condições para uma candidatura vitoriosa no próximo pleito. De novo vale lembrar que James Carville, após a derrota dos democratas para Trump e mesmo com muita gente advogando que a economia não é mais o motor propulsor de uma eleição ele insistiu era, é e sempre será a economia, estupido.
Para 2026 é uma exigência considerar o fator Trump. É possível que as ações erráticas de Trump prossigam durante todo esse próximo período até o próximo pleito. Por isso a ação e reação às medidas de Trump serão muito importantes. O Brasil não é o foco de Trump, mas será atingido porque provavelmente a economia mundial terá perdas com a guerra comercial. Todavia, o Brasil poderá se destacar promovendo políticas diplomáticas e comerciais com todo o mundo e eventualmente se beneficiar das grandes brechas que a guerra comercial irá produzir. Esse será um tema obrigatório e se o Brasil se sair bem, sua liderança será destacada (na crise de 2008 o mundo todo teve grandes perdas, inclusive o Brasil, mas Lula se destacou como líder que soube sustentar a resiliência do Brasil naquele período. Terminou seu segundo governo com aprovação recorde apenas 2 anos após o pior da crise). Há uma outra oportunidade aqui: ao organizar as negociações com os EUA e com os novos arranjos comerciais que aparecerão, o governo pode reatar suas relações internas e fazer forte aliança com grandes setores empresariais, hoje bastante distantes e críticos, em particular no agronegócio.