Congresso em Foco

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A declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) de que vai pedir asilo político nos Estados Unidos por sofrer perseguição política de um regime de exceção no Brasil contrasta com os horrores da ditadura militar instaurada no país entre 1964 e 1985 e defendida por ele e seu pai. Enquanto o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro se escorou na prerrogativa de se licenciar do mandato, podendo voltar a exercê-lo quando bem entender, um total de 173 deputados não teve a mesma sorte durante os chamados anos de chumbo. Este foi o número de parlamentares cassados pela ditadura (veja a lista mais abaixo). Quase todos já faleceram.

Um deles, o paulista Rubens Paiva, foi sequestrado em sua própria casa e levado para os porões do Doi-Codi no Rio de Janeiro, em 1971, onde foi torturado e morto. Seus restos mortais nunca foram encontrados.O desaparecimento dele e a luta de sua esposa, Eunice Paiva, pelo reconhecimento de sua morte foram retratados em Ainda estou aqui, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional neste ano. Eduardo criticou a premiação, afirmando que o filme faz referência a uma “ditadura inexistente”, e chamou o diretor do filme, Walter Salles Jr., de “psicopata cínico”.

Direitos humanos e torturador

Eduardo Bolsonaro já circulou pela Câmara com camisa em homenagem ao torturador Brilhante Ustra

Eduardo Bolsonaro já circulou pela Câmara com camisa em homenagem ao torturador Brilhante UstraReprodução/Facebook/Eduardo Bolsonaro

O argumento usado agora pelo deputado para deixar o Brasil também contradiz outros pronunciamentos feitos por ele mesmo e por seu pai em defesa da ditadura militar. “Irei me licenciar sem remuneração para que eu possa me dedicar integralmente e buscar as devidas sanções aos violadores de direitos humanos”, afirmou o deputado paulista. A decisão de se licenciar do mandato e voltar a morar nos Estados Unidos foi classificada como “a mais difícil” de sua vida pelo parlamentar.

Na sessão da Câmara que aprovou o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em 16 de abril de 2016, Eduardo dedicou seu voto aos militares de 1964. “Hoje vocês começam a ter ideia do que os militares sofrem, caluniados desde 1985. Dizem que foi golpe, mas na verdade foi este Parlamento que cassou João Goulart no dia 2 de abril de 1964; está no Diário do Congresso Nacional. Para quem achar que a biblioteca não é local de tortura, é só ir lá e ver”, discursou.

Na mesma votação, Jair Bolsonaro dedicou o voto a favor do impeachment ao general Carlos Alberto Brilhante Ustra, primeiro militar brasileiro condenado por tortura na ditadura, a quem o então deputado chamou de “o pavor de Dilma Rousseff“. “Perderam em 64, perderam agora em 2016”, disse Bolsonaro. 

AI-5, cabo e soldado

As contradições de Eduardo não param por aí. Em 2019, no primeiro ano do governo de seu pai, o deputado sugeriu a possibilidade de edição de um novo AI-5, o ato institucional mais duro da ditadura, que acelerou as cassações de mais de 170 deputados, fechou o Congresso Nacional e fortaleceu a censura e as torturas de presos políticos.

“Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, via uma legislação aprovada por plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada”, afirmou.

Antes, ainda em 2018, ele já havia declarado publicamente como era fácil fechar o Supremo. “Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo”, afirmou.

“Grande dia”

Também em 2019, Eduardo ironizou o deputado Jean Wyllys (RJ), que renunciou ao mandato para o qual havia acabado de se reeleger, alegando perseguição política e risco de ser assassinado. “Grande dia”, comemorou Eduardo. “Vá com Deus”, completou seu irmão, o vereador Carlos Bolsonaro. Jean Wyllys era do Psol, mesmo partido de Marielle Franco, a colega de Carlos na Câmara do Rio de Janeiro assassinada em 14 de março de 2018.

Um dos argumentos usados por Eduardo para deixar o país desmoronou ainda ontem, quando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), seguindo recomendação da Procuradoria-Geral da República, rejeitou pedido do PT de apreensão do passaporte do parlamentar.

Pedido de asilo

“O Brasil não vive mais uma democracia. Não é possível que um parlamentar perca o passaporte devido ao que ele fala. Cadê a imunidade parlamentar?”, questionou Eduardo em entrevista à CNN Brasil. “Eu não vou me sujeitar a isso e ficar no cabresto de Alexandre de Moraes. Eu me licencio para representar os interesses dos meus eleitores, daqueles que votaram em mim”, disse o parlamentar.

“Não tenho voo de volta para o Brasil. Devo fazer o pedido de asilo político ao governo dos Estados Unidos”, afirmou o parlamentar à CNN Brasil. O pedido de asilo político é um mecanismo de proteção legal concedido por um país a estrangeiros que alegam ser perseguidos em sua nação de origem.

Previsão frustrada

O deputado do PL classificou a situação no país como “grave” e afirmou que outros ministros do STF que seguirem Alexandre de Moraes em decisões contra a liberdade de expressão poderão enfrentar sanções. “Eu digo mais: o ministro do STF que seguir Moraes nas decisões contra a liberdade de expressão vai correr o risco de sofrer as mesmas sanções”, declarou.

Pouco antes da decisão de Alexandre de Moraes, o parlamentar também disse temer represálias do Supremo, como o bloqueio de suas contas bancárias. “Ele deve pedir o cancelamento do meu passaporte, deve pedir o bloqueio da minha conta no Brasil e fazer um pedido de extradição. Isso não é normal em uma democracia”, afirmou. A previsão do deputado, no entanto, caiu por terra poucas horas depois.

Sacrifício e denúncia

Em visita ao Senado, Jair Bolsonaro lembrou que está com passaporte retido devido à investigação da tentativa de um golpe de Estado. “Confiscaram meu passaporte, mas meu pensamento está com Donald Trump, que seguirá abraçando o meu filho. Coisa rara no Brasil, [no meu governo] tivemos um presidente alinhado com democracias no mundo todo, inclusive a americana. Mas todo sacrifício é válido quando queremos um país forte, independente e livre”, declarou.

Na próxima semana a 1ª Turma do Supremo vai analisar a denúncia da PGR contra Bolsonaro e outros acusados de tentarem dar um golpe de Estado para impedir a posse do presidente Lula. No domingo, Bolsonaro promoveu um ato em defesa da anistia dos envolvidos nos atos golpistas em Copacabana. O público foi menor do que o reunido anteriormente pelo ex-presidente. Segundo a Polícia Militar do Rio, 400 mil pessoas passaram pelo local. De acordo com o Datafolha, foram 30 mil. E, conforme a Universidade de São Paulo (USP), apenas 18 mil.

Risco de fuga

Ainda nessa terça-feira, o PT pediu ao Supremo a imposição de medidas cautelares contra Bolsonaro, para tentar impedir sua fuga. Entre elas, a proibição de que ele deixe Brasília sem autorização judicial, o impedimento de que ele se aproxime de embaixadas estrangeiras e o emprego de monitoramento eletrônico do ex-presidente.

Único filho de Bolsonaro no Congresso no momento, o senador Flávio negou que o pai possa seguir os mesmos passos do seu irmão deputado. “Se Bolsonaro quisesse estar lá fora, ele [Bolsonaro] já estaria”, afirmou. Segundo ele, “Eduardo tomou uma atitude necessária ao deixar o Brasil. Ele sabe que aqui não tem democracia”, emendou.

Veja a lista dos deputados cassados na ditadura:

1. Abelardo de Araujo Jurema (PSD-PB)

2. Abrahão Fidelis de Moura (PSP-AL)

3. Adahil Barreto Cavalcanti (PTB-CE)

4. Adão Manoel Pereira Nunes (PSP-RJ)

5. Alberto Guerreiro Ramos (Coligação PTB-PSB-GB)

6. Aldemar Carvalho (MDB-PE)

7. Alencar Furtado (MDB-PR)

8. Almino Affonso (PTB-AM)

9. Almir Turisco de Araújo (MDB-GO)

10. Aloysio Nonô (ARENA-AL)

11. Aluizio Alves (ARENA-RN)

12. Amaury Müller (MDB-RS)

13. Américo Silva (PTB-PA)

14. Anacleto Campanella (MDB-SP)

15. Andrade Lima Filho (MDB-PE)

16. Antonio Adib Chamas (PSP-SP)

17. Antonio Carlos Pereira Pinto (MDB-RJ)

18. Antônio Francisco de Almeida Magalhães (MDB-GO)

19. Antonio Garcia Filho (PTB-GB)

20. Armando Temperani Pereira (PTB-RS)

21. Armindo Marcílio Doutel de Andrade (PTB-SC)

22. Arnaldo Cerdeira (ARENA-SP)

23. Arthur Lima Cavalcanti (PTB-PE)

24. Atlas Catanhede (ARENA-RR)

25. Benedito Cerqueira (PTB-GB)

26. Bezerra Leite (ARENA-PE)

27. Breno da Silveira (MDB-GB)

28. Camilo Silva Montenegro Duarte (ARENA-PA)

29. Celestino Filho (MDB-GO)

30. Celso Amaral (ARENA-SP)

31. Celso Passos (MDB-MG)

32. Cesar Prieto (PTB-RS)

33. Chagas Rodrigues (MDB-PI)

34. Chico Pinto (MDB-BA)

35. Cid Rojas Américo de Carvalho (MDB-MA)

36. Clay Hardmann de Araujo (PTB-RS)

37. Clodomir Leite (MDB-PE)

38. Clovis Ferro Costa (UDN-PA)

39. Cunha Bueno (ARENA-SP)

40. David José Lerer (MDB-SP)

41. Demistóclides Batista (Coligação MTR-PSB-PST-RJ)

42. Doin Vieira (MDB-SC)

43. Dorival de Abreu (MDB-SP)

44. Edésio Nunes (MDB-RJ)

45. Eloy Ângelo Coutinho Dutra (Coligação PTB-PSB-GB)

46. Emerenciano de Barros (MDB-SP)

47. Epaminondas dos Santos (PTB-GB)

48. Erivan França (ARENA-RN)

49. Ewaldo Pinto (MDB-SP)

50. Expedito Machado da Ponte (PSD-CE)

51. Feliciano de Figueiredo (MDB-MT)

52. Felix Valois de Araujo (PTB-RR)

53. Fernando de Santanna (PCB-BA)

54. Flores Soares (ARENA-RS)

55. Floriano Maia D’Avila (PTB-RS)

56. Floriceno Paixão (MDB-RS)

57. Francisco Julião Arruda de Paula (PSB-PE)

58. Gastão Pedreira (MDB-BA)

59. Gastone Righi Cuoghi (MDB-SP)

60. Getúlio Moura (MDB-RJ)

61. Gilberto Azevedo (ARENA-PA)

62. Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo (PTB-RR)

63. Glenio Martins (MDB-RJ)

64. Hary Normanton (ARENA-SP)

65. Hélio Gueiros (MDB-PA)

66. Hélio Navarro (MDB-SP)

67. Hélio Vitor Ramos (PSD-BA)

68. Henrique Cordeiro Oest (PSP-AL)

69. Henrique Henkin (MDB-RS)

70. Hermano Alves (MDB-GB)

71. Humberto El-Jaick (PTB-RJ)

72. Israel Dias Novaes (ARENA-SP)

73. Ivete Vargas (MDB-SP)

74. Jaime Câmara (ARENA-GO)

75. Jamil Amiden (MDB-GB)

76. João Dória (PDC-BA)

77. João Herculino (MDB-MG)

78. João Machado Rollemberg Mendonça (ARENA-SE)

79. João Simões (PSD-CE)*

80. Jorge Cury (MDB-RJ)

81. José Antonio Rogê Ferreira (PTB-SP)

82. José Aparecido de Oliveira (UDN-MG)

83. José Bernardo Cabral (MDB-AM)

84. José Carlos Guerra (ARENA-PE)

85. José Colagrossi (MDB-GB)

86. José Guimarães Neiva Moreira (PSP-MA)

87. José João Abdalla (PSD-SP)

88. José Lamartine Távora (PTB-PE)

89. José Maria Magalhães (MDB-MG)

90. José Maria Ribeiro (MDB-RJ)

91. José Palhano de Sabóia (PTB-CE)

92. José Pedroso (PSD-RJ)

93. Júlia Steinbruch (MDB-RJ)

94. Léo de Almeida Neves (MDB-PR)

95. Leonel de Moura Brizola (PTB-GB)

96. Lígia Moelmann Doutel de Andrade (MDB-SC)

97. Luiz Fernando Bocayuva Cunha (PTB-RJ)

98. Luiz Gonzaga de Paiva Muniz (PTB-RJ)

99. Luiz Portela (PTB-PE)

100. Lurtz Sabiá (MDB-SP)

101. Lysâneas Maciel (MDB-GB)

102. Marcelo Gato (MDB-SP)

103. Marcial do Lago (ARENA-GO)

104. Márcio Moreira Alves (MDB-GB)

105. Marco Antonio Tavares Coelho (PST-GB)

106. Marcos Kertzmann (ARENA-SP)

107. Marcos Tito (MDB-MG)

108. Maria Lúcia de Mello Araújo (MDB-AC)

109. Mariano Beck (MDB-RS)

110. Mário Covas (MDB-SP)

111. Mário Gurgel (MDB-ES)

112. Mário Maia (MDB-AC)

113. Mário Piva (MDB-BA)

114. Mario Soares Lima (PSB-BA)

115. Martins Rodrigues (MDB-CE)

116. Mata Machado (MDB-MG)

117. Matheus Schmidt (MDB-RS)

118. Maurílio Figueira Ferreira Lima (MDB-PE)

119. Max da Costa Santos (PSB-GB)

120. Milton Garcia Dutra (PTB-RS)

121. Milton Vita Reis (MDB-MG)

122. Moury Fernandes (ARENA-PE)

123. Moysés Lupion (PSD-PR)

124. Moysés Pimentel (PTB-CE)

125. Múcio Ataíde (Coligação PTB-PST-PL-MG)

126. Murilo Barros Costa Rego (PTB-PE)

127. Nadyr Rossetti (MDB-RS)

128. Ney de Albuquerque Maranhão (ARENA-PE)

129. Ney Lopes (ARENA-RN)

130. Ney Ortiz Borges (PTB-RS)

131. Nýsia Carone (MDB-MG)

132. Océlio de Medeiros (PSD-PA)

133. Oliveira Brito (ARENA-BA)

134. Oséas Cardoso (ARENA-AL)

135. Osmar Cunha (ARENA-SC)

136. Osmar de Aquino (MDB-PB)

137. Osmar Dutra (ARENA-SC)

138. Oswaldo Lima Filho (MDB-PE)

139. Otávio Rodrigues Maria (PR-SP)

140. Padre Godinho (MDB-SP)

141. Padre Vieira (MDB-CE)

142. Paulo Campos (MDB-GO)

143. Paulo de Tarso Santos (PDC-SP)

144. Paulo Freire (ARENA-MG)

145. Paulo Jorge Mansur (PTB-SP)

146. Paulo Macarini (MDB-SC)

147. Paulo Mincarone (PTB-RS)

148. Pedro Gondim (ARENA-PB)

149. Plínio Soares de Arruda Sampaio (PDC-SP)

150. Ramon de Oliveira Netto (PTB-ES)

151. Raul Brunini (MDB-GB)

152. Renato Archer (MDB-MA)

153. Renato Celidônio (MDB-PR)

154. Renato Climaco Borralho de Medeiros (PST-RO)

155. Roberto Cardoso Alves (ARENA-SP)

156. Roland Cavalcante de Albuquerque Corbisier (PTB-GB)

157. Rubens Paiva (PTB-SP)

158. Sadi Coube Bogado (MDB-RJ)

159. Sebastião Paes de Almeida (PSD-MG)

160. Sérgio Nunes Magalhães Junior (PTB-GB)

161. Simão da Cunha (MDB-MG)

162. Souto Maior (ARENA-PE)

163. Sylvio Leopoldo de Macambira Braga (PSP-PA)

164. Tenório Cavalcanti de Albuquerque (UDN-RJ)

165. Unírio Machado (MDB-RS)

166. Vital do Rego (ARENA-PB)

167. Waldemar Luiz Alves (PST-PE)

168. Waldyr Simões (MDB-GB)

169. William Salem (PTB-SP)

170. Wilson Barbosa Martins (MDB-MT)

171. Wilson Fadul (PTB-MT)

172. Yukischigue Tamura (ARENA-SP)

173. Zaire Nunes (MDB-RS)

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