“Lobby do Ozempic” tenta adiar restrição sobre o medicamento

“Lobby do Ozempic” tenta adiar restrição sobre o medicamento


Sociedade de Medicina da Obesidade diz que Novo Nordisk busca influenciar a Anvisa para evitar regras mais rígidas na venda do Ozempic

A SBEMO (Sociedade Brasileira de Medicina da Obesidade) entrou com uma ação civil pública contra a Novo Nordisk, fabricante do Ozempic, acusando a empresa de omissão e influência indevida sobre órgãos públicos, incluindo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Leia a íntegra do documento (PDF – 9 MB).

Segundo a entidade, esse “lobby” é feito para adiar a aprovação de uma RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) que exigiria retenção de receita para a venda do medicamento, popularizado para emagrecimento. A discussão dessa resolução pela Anvisa está na pauta de 17 de março. Leia a íntegra (PDF – 236 kB).


  • O que é? A RDC é uma norma técnica emitida pela Diretoria Colegiada da Anvisa que regulamenta produtos e serviços, como medicamentos, alimentos, cosméticos e dispositivos médicos.

O QUE DIZ A SBEMO

A Sociedade Brasileira de Medicina da Obesidade afirma que a ação civil pública apresentada busca proteger a saúde pública e os direitos dos consumidores, especialmente os portadores de obesidade e diabetes. Acusa a Novo Nordisk de omissão de informações de segurança e práticas comerciais antiéticas, além de suspeitas de conflitos de interesse com sociedades médicas e tráfico de influência em órgãos como a Anvisa.

A SBEMO manifestou preocupação com a venda livre de medicamentos como Ozempic, Saxenda, Victoza, Wegovy e Rybelsus, sem a exigência de prescrição médica controlada. Afirma que o uso desses remédios fora das indicações aprovadas ou com fins estéticos, sem a devida orientação médica, eleva os riscos à saúde da população.

A entidade também cita o que avalia ser uma ausência de informações de segurança nas bulas brasileiras dos medicamentos Ozempic, Saxenda e Wegovy —todos produzidos pela Novo Nordisk. Diz que esses documentos deixam de apresentar contraindicações, advertências e precauções que constam nas bulas norte-americanas aprovadas pela FDA, agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos.

Especificamente, as bulas brasileiras não incluiriam informações sobre o risco de carcinoma medular de tireoide, síndrome de neoplasia endócrina múltipla tipo 2 e a possibilidade de ideação suicida e efeitos adversos psiquiátricos.

A SBEMO argumenta que essa discrepância coloca em risco a saúde dos pacientes brasileiros e desinforma os médicos, privando-os de informações vitais para a tomada de decisões clínicas. 

“Vejo que no Brasil há uma omissão grave: eles escondem e continuam escondendo a contra-indicação. Então, as pessoas ficam expostas a riscos, e nós, na prática diária no consultório, estamos sempre vendo complicações de pessoas que compraram sozinhas na farmácia e tiveram efeitos adversos”, afirmou o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina da Obesidade, Lucio Monte Alto, ao Poder360.

O QUE DIZ A NOVO NORDISK

Procurada pelo Poder360 para se manifestar a respeito da ação movida pela Sociedade Brasileira de Medicina da Obesidade, a Novo Nordisk enviou uma nota de 5 de março em que diz que opera “em concordância às regras estabelecidas pelas autoridades responsáveis nos países” e que, no Brasil, segue os padrões estabelecidos pela Anvisa, “órgão que preconiza que rótulos e bulas dos medicamentos devem conter todas as informações relevantes sobre o produto, contribuindo, assim, para o seu uso adequado”.

“Todas as bulas, portanto, trazem as especificações necessárias, incluindo os riscos apontados em estudos clínicos de uso do medicamento, além de efeitos adversos relacionados ao produto em questão”, afirmou.

A farmacêutica também disse que não endossa ou apoia “a promoção de informações de caráter off-label, isto é, que estejam em desacordo com as indicações descritas em bula de seus medicamentos”.

“Com o objetivo de assegurar o uso correto de seus produtos e evitar risco à saúde com a utilização de medicamentos inapropriados ou irregulares, a Novo Nordisk afirma que todo e qualquer medicamento deve ser recomendado e prescrito pelo médico, após avaliação individual de cada caso, e requer acompanhamento regular de profissionais de saúde, muitas vezes, de forma multidisciplinar”.

Leia a íntegra da nota (PDF – 119 kB).

RETENÇÃO DE RECEITA

Em relação à RDC, a Anvisa pautou para 2ª feira (17.mar) uma nova discussão sobre a inclusão de medicamentos análogos ao GLP-1, como Ozempic e Wegovy, em uma categoria mais restrita, semelhante ao controle de antibióticos, que exige a retenção da receita no ponto de venda.

Como mostrou o Poder360, a Anvisa já estuda implementar medidas mais rígidas para a venda desses medicamentos desde dezembro de 2024. Atualmente classificados como tarja vermelha —o que exige prescrição médica—, esses remédios podem estar sendo adquiridos de forma indiscriminada por causa da falta de mecanismos mais rigorosos, como a retenção obrigatória da receita, dizem especialistas.

Segundo a legislação brasileira, medicamentos com prescrição devem ser vendidos apenas mediante apresentação e análise da receita. No entanto, para a agência, existem indícios de que esses fármacos estão sendo comprados com pouca ou nenhuma exigência em farmácias físicas e aplicativos, em desacordo com a lei 5.991 de 1973 e a resolução 44 de 2009 da Anvisa.

“O projeto prevê um novo enquadramento para esses medicamentos, mantendo-os como tarja vermelha, já que eles não possuem características que justifiquem a classificação como tarja preta, por exemplo. A ideia é que continuem como tarja vermelha, mas com a obrigatoriedade de retenção da receita nas farmácias”, afirmou a advogada especialista em direito médico Thamires Cappello a este jornal digital.

“BOOM” DO OZEMPIC

O Ozempic faz parte de uma classe de medicamentos originalmente desenvolvida para tratar diabetes tipo 2, mas amplamente usada de forma off-label (com finalidade diferente da bula) para a perda de peso.

No Brasil, os principais medicamentos dessa categoria aprovados pela Anvisa são semaglutida, liraglutida (princípio ativo do Saxenda) e tirzepatida.

A popularidade desses medicamentos deve-se à sua eficácia na perda de peso, poucas contraindicações e ausência de potencial de dependência, o que os especialistas consideram um fenômeno no combate à obesidade.

O OUTRO LADO

Poder360 procurou a Anvisa para perguntar se gostaria de se manifestar a respeito das acusações apresentadas pela Sociedade Brasileira de Medicina da Obesidade. Não houve resposta até a publicação desta reportagem. O texto será atualizado caso uma manifestação seja enviada a este jornal digital.





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