Ruth Marcus havia escrito um artigo em que questionou decisão editorial de Jeff Bezos; ela estava no jornal desde 1984
Ruth Marcus, articulista política e editora associada do The Washington Post, anunciou na 2ª feira (10.mar.2025) ter deixado o seu cargo após 4 décadas de trabalho no jornal.
A decisão foi tomada depois que o presidente-executivo do Washington Post, Will Lewis, rejeitou a publicação de uma coluna sua que criticava as mudanças editoriais implementadas pelo proprietário do periódico, Jeff Bezos.
Bezos determinou em fevereiro que o jornal publicaria apenas colunas alinhadas com o que chamou de pilares do “livre mercado” e das “liberdades individuais”. A nova diretriz resultou no cancelamento de mais de 75.000 assinaturas digitais nas 48 horas seguintes ao anúncio e na saída do então editor de Opiniões, David Shipley.
“É com grande tristeza que entrego minha demissão como colunista e editora associada do ‘Washington Post’”, escreveu Ruth Marcus em uma carta divulgada na plataforma X (antigo Twitter). Ela trabalhava no jornal desde 1984, tendo atuado na seção de notícias e na de opinião.
A jornalista afirmou que considerava uma honra escrever comentários baseados em seu “melhor julgamento independente”, algo que agora, segundo ela, está comprometido.
“Infelizmente, na parte de opiniões do jornal, parece que esse não é mais o caso”, declarou Ruth Marcus. “O anúncio de Jeff de que a seção de opinião não vai, daqui em diante, publicar visões que desviem dos pilares das liberdades individuais e do livre mercado ameaça quebrar a confiança dos leitores de que os colunistas estão escrevendo o que eles acreditam, e não aquilo que o dono considerou como aceitável”, escreveu.
A decisão, disse ela, “destaca que a tradicional liberdade dos colunistas de escolher o assunto que desejem abordar e dizer o que estão pensando foi perigosamente corroída”.
Segundo a agência de notícias AP, um porta-voz do Washington Post agradeceu as “significativas contribuições” de Ruth Marcus ao longo de 40 anos e disse respeitar sua decisão de sair.
Peter Baker, jornalista que cobre a Casa Branca no The New York Times, lamentou que Ruth Marcus esteja deixando a publicação. Ele trabalhou por 20 anos no Washington Post.
“A trágica autodestruição de um grande jornal continua. Eu tive o privilégio de trabalhar com Ruth Marcus e ela é a melhor das melhores. Concorde você ou não com ela, ela é o modelo de excelência e integridade jornalísticas”, escreveu em publicação no X.
A saída da colunista é parte de uma crise mais ampla no jornal. O Washington Post tem enfrentado dificuldades financeiras e editoriais no último ano. Em janeiro, a premiada cartunista Ann Telnaes pediu demissão depois de ter uma charge sua barrada por decisão editorial. Além disso, a decisão de Bezos de o jornal não endossar um dos candidatos presidenciais, uma prática tradicional na imprensa americana, provocou uma perda de pelo menos 250 mil assinantes.
Martin Baron, que era editor-executivo do Washignton Post quando Bezos comprou o jornal em 2013, publicou em 3 de março na revista The Atlantic que o dono da publicação “administrou sua propriedade admiravelmente por mais de uma década. Mas sua coragem falhou quando ele mais precisava dela”.
A renúncia de Ruth Marcus ofuscou um plano de reorganização da redação introduzido pelo atual editor executivo Matt Murray, que inclui a separação dos fluxos de trabalho para os produtos digitais e impressos do Washington Post.
Leia a carta de demissão de Ruth Marcus na íntegra:
“Caros Jeff e Will,
“É com grande tristeza que eu entrego minha demissão como colunista e editora associada do ‘Washington Post’. Eu valorizei minhas 4 décadas no Post –como repórter, editora nacional adjunta, redatora do editorial, editora adjunta do editorial e colunista. Como repórter, tive a honra de fornecer aos leitores a verdade da melhor forma possível. Como colunista de opinião, tive igualmente a honra de ofertar comentários que os leitores podem ter certeza foram constituídos pelo melhor julgamento independente acerca do tema que eu tinha à disposição.
“Infelizmente, na parte de opiniões do jornal, parece que esse não é mais o caso. O anúncio de Jeff de que a seção de opinião não vai, daqui em diante, publicar visões que desviem dos pilares das liberdades individuais e do livre mercado ameaça quebrar confiança dos leitores de que os colunistas estão escrevendo o que acreditam, e não aquilo que o dono considera como aceitável. A decisão de Will de não publicar a coluna que eu respeitosamente escrevi discordando do decreto de Jeff –algo que eu nunca vivi em quase duas décadas como escritora de coluna– destaca que a tradicional liberdade dos colunistas de escolher o assunto que desejam abordar e dizer o que estão pensando foi perigosamente corroída.
“Eu amo o ‘Post’. Concluir que eu devo deixar o jornal me parte o coração. Eu tenho uma afeição e uma admiração profunda pelos meus colegas e vou sentir falta deles todos os dias. Desejo a ambos o melhor ao conduzirem esta instituição histórica e fundamental nesses tempos difíceis.
“Atenciosamente,
“Ruth Marcus”
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