Congresso em Foco

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Mal se achegou à cadeira da presidência da Câmara dos Deputados, e o parlamentar Hugo Motta (Republicanos-PB) já possui uma pauta pela qual está disposto a lutar: o aumento na quantidade de deputados federais. O pano de fundo que justificaria tal defesa são os dados recentes do último Censo 2022 o qual apontou para mudanças demográficas entre os estados brasileiros, motivo pelo qual a alteração se sustentaria. Hugo aponta que 14 novas cadeiras deveriam ser criadas, passando dos atuais 513 para 527 parlamentares.

Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) foi quem decidiu que o número de deputados de cada estado deve ser revisto em função do último Censo (1). Foi a brecha perfeita para os parlamentares, em Brasília, os quais são pouquíssimos corporativistas, ao invés de defenderem uma realocação de cadeiras, começarem a pressionar pela ampliação. O questionamento diante desse quadro é importante: afinal de contas, o que motiva a ampliação na quantidade de deputados federais é a garantia de maior representatividade?

Plenário da Câmara dos Deputados em dia de votação

Plenário da Câmara dos Deputados em dia de votaçãoVinicius Loures/Agência Câmara

Conforme projeção do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) o cenário ideal seria o seguinte: os estados que perderiam vagas são os do Rio de Janeiro (4), Rio Grande do Sul (2), Piauí (2), Paraíba (2), Bahia (2), Pernambuco (1) e Alagoas (1). Em contrapartida, os que ganhariam vagas seriam Santa Catarina (4), Pará (4), Amazonas (2), Ceará (1), Goiás (1), Minas Gerais (1) e Mato Grosso (1). A legislação estabelece que o correto seria a atualização das cadeiras em período anterior à realização das eleições, no entanto, desde 1994 isso não é feito pela Câmara dos Deputados. A razão parece óbvia: em Brasília, quem quer perder poder de barganha e força das bancadas estaduais? Certamente é um assunto indigesto para governadores e partidos em nível regional, sobretudo ao considerar que as disputas políticas para o Legislativo, efetivamente, ocorrem nos estados e não a nível nacional em bloco. Adicione-se a essa equação o fato de que há partidos com peso diferente entre os estados e o imbróglio do ajuste das cadeiras por estado só se intensifica.

Indo aos fatos, estudos na Ciência Política têm apontado para o problema das distorções envolvendo a quantidade de parlamentares por estado face a quantidade de habitantes de cada localidade. Ainda em 1997, o cientista político Jairo Nicolau já havia sinalizado que tais assimetrias representativas trazem prejuízos ao sistema democrático como um todo pois, em essência, tornam disfuncionais a máxima democrática do one man, one vote. Nicolau escreve: Uma das principais patologias dos sistemas representativos das democracias contemporâneas é a não-proporcionalidade entre a população (ou eleitorado) de uma determinada circunscrição eleitoral e seu número de representantes na Câmara dos Deputados. O principal efeito dessa não-proporcionalidade é dar pesos distintos aos votos dos eleitores de diferentes circunscrições eleitorais, o que viola o princípio democrático de que todos os cidadãos tenham votos com valores iguais, evidenciado na máxima” um homem, um voto”.(2)

Em outros termos, a correção na relação habitantes x cadeiras no Legislativo é importante em termos representativos e, portanto, central no debate democrático. Contudo, o desafio reside em como fazer isso de modo que os interesses políticos específicos dos principais atores na Câmara não se sobreponham ao que é razoável. Não é novidade que razoabilidade, por vezes, não encontra eco em um território marcado por disputas internas por recursos e influência política. Sobretudo mais recentemente com os deputados avançando sobre fatias expressivas do orçamento que lhes dá mais razões ainda por lutar pelo seu gabinete no Congresso.

Portanto, a forma como tem sido conduzida a discussão política sobre a ampliação na quantidade de parlamentares na Câmara dos Deputados parece atender mais aos objetivos dos próprios políticos do que à correção de distorções representativas, as quais há tempos são apontadas como desafiadoras na democracia brasileira. Alguns dos estados sobre-representados deveriam, em teoria, ter ainda mais cadeiras, o que traria mais concentração de poder.

Estados sub-representados poderiam ser ainda mais em nome da coerência numérica. O cálculo pode até ser consensual do ponto de vista estritamente matemático, mas certamente não o é e ao que tudo indica nem será do ponto de vista político. Afinal, quem está no show não quer ceder espaço para quem deseja entrar. No cálculo de Hugo Motta isso se resolveria facilmente: para ninguém perder, melhor ampliar, trazer mais gente. Isso levaria todos a ganhar. Leia-se todos os interesses dos políticos, não necessariamente do povo, o qual só pensa no seguinte: quanto vai custar a mais para os nossos bolsos essa história toda? Há estimativas que poderiam ser mais de R$ 46,2 milhões ao ano (3). E aí, vale o show?

1. STF destaca que a ausência de revisão na distribuição fere a Constituição: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=512985&ori=1. Acesso em 02 de março de 2023.

2. Artigo de Jairo Nicolau intitulado: As Distorções na Representação dos Estados na Câmara dos Deputados Brasileira. Disponível em: https://www.scielo.br/j/dados/a/jQsJp4sNhJHHccrPHfjksWt/. Acesso em 02 de março de 2023.

3. Estimativas desse valor abordadas em matéria: https://www.gazetadopovo.com.br/economia/aumento-no-numero-de-deputados-defendido-por-motta-pode-custar-r-46-mi-ao-ano-diz-estudo/. Acesso em 02 de março de 2023.

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