Congresso em Foco

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Uma das vítimas mais notórias da ditadura militar, o ex-deputado Rubens Paiva (PTB-SP) exerceu seu mandato na Câmara por pouco mais de um ano. Período curto, mas de intensa atividade política. Em sua atuação mais destacada, o deputado investigou o financiamento ilegal de campanhas eleitorais e de uma ofensiva anticomunista que ajudou a deflagrar o golpe de 1964. O regime antidemocrático instaurado naquele ano cassou o seu mandato e provocou as sessões de tortura que o levaram à morte em 1971.

A história do desaparecimento do ex-deputado, bem como a luta de sua família pelo reconhecimento de sua morte pelo Estado, é retratada em “Ainda estou aqui“, do cineasta Walter Salles, que conquistou o inédito Oscar de Melhor Filme Internacional no último domingo (2).

Vice-líder do PTB na Câmara, partido do então presidente da República, João Goulart, Paiva integrou a Comissão de Relações Exteriores, e presidiu a de Transportes, Comunicações e Obras Públicas. Membro titular de três CPIs, destacou-se nas investigações das atividades do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), que, em 1963, foram acusados de receber recursos internacionais com a finalidade de desestabilizar o governo Goulart.

Entre aliados e adversários

Rubens Paiva foi vice-presidente da CPI do Ibad e travou discussões acaloradas com parlamentares da oposição, com o presidente da comissão, Peracchi Barcelos (PSD-RS), e com o relator, Laerte Vieira (UDN-SC), aos quais acusou de blindar o instituto.

Uma radiografia da atuação política do deputado foi feita pelo biógrafo Jason Tércio, no livro Perfis Parlamentares Rubens Paiva, lançado pela Câmara dos Deputados em 2013. Jason também é autor do romance-reportagem Segredo de Estado: o desaparecimento de Rubens Paiva.

“Na Câmara, com seu espírito afável, seus charutos fumegantes e o bom humor pontuado por gargalhadas animadoras, ele logo formou camaradagem com os colegas, sobretudo entre os que integravam o Grupo Compacto, a ala esquerda do PTB, minoritária mas bastante articulada e combativa: Almino Affonso, Bocayuva, Sérgio Magalhães, Temperani Pereira, Salvador Losacco, Ramon de Oliveira e outros, além do senador Arthur Virgílio Filho”, conta o autor no livro sobre o perfil parlamentar do deputado.

Momentos de tensão

A CPI do Ibad, criada em 19 de abril de 1963 por iniciativa do deputado Paulo de Tarso, tornou-se um marco na revelação de escândalos de corrupção eleitoral no país. Um dos depoimentos mais significativos foi o do deputado Amaral Neto, que reconheceu ter recebido apoio financeiro do Ibad, o que gerou profunda tensão nas reuniões. Incomodado com a truculência de Amaral Neto, Paiva se recusou a fazer perguntas ao deputado, pedindo a colegas que retransmitissem suas indagações.

O ambiente no Parlamento estava longe de ser tranquilo, apesar de João Goulart contar com maioria absoluta no Congresso (54% das cadeiras). Sua base parlamentar, liderada pelo PTB e pelo PSD, era instável. A falta de consenso em torno das reformas de base, especialmente a agrária e a política, que incluía o direito de voto para analfabetos e militares de baixa patente, ameaçava a aprovação das propostas governamentais.

Financiamento eleitoral

As investigações mostraram que o Ibad havia financiado ilegalmente várias campanhas eleitorais com recursos nacionais e estrangeiros. Frederico Melo, ex-proprietário do jornal A Noite, confirmou ter recebido uma quantia substancial para alterar a linha editorial do seu veículo em favor dos candidatos ligados ao Ibad.

Conforme os depoimentos se acumulavam, surgiram graves denúncias sobre esquemas de corrupção que envolviam grandes empresas e até doações ilegais provenientes da CIA. No entanto, a CPI enfrentava desafios significativos para conseguir provas documentais que sustentassem suas investigações.

Duas frentes

Após a posse de João Goulart na Presidência da República em 1961, o Ibad intensificou suas atividades com a finalidade de promover um amplo movimento anticomunista e de contestação ao governo e suas reformas. Em 1962, o instituto estabeleceu duas frentes de atuação: a Promotion SA e a Ação Democrática Popular (Adep).

A Promotion atuava como uma agência de publicidade responsável por usar recursos norte-americanos para disseminar propaganda anticomunista e anti-Jango na mídia e dentro dos quartéis. Em 1964, foram gastos cerca de US$ 2 milhões em campanhas em rádios, jornais e unidades móveis de exibição de filmes. Em 1963, mais de 1.700 exibições de filmes foram realizadas apenas no Rio de Janeiro, alcançando aproximadamente 179 mil militares em quartéis, escolas e navios.

Por sua vez, a Adep teve um papel significativo nas eleições de 1962, injetando fundos nas campanhas de 250 candidatos a deputado federal e 600 a deputado estadual, além de apoiar oito candidatos a governador. Segundo as investigações, os recursos vinham da CIA, de multinacionais e de fontes governamentais dos Estados Unidos.

Em troca do suporte financeiro, o Ibad exigia que os parlamentares eleitos se filiassem à Adep, que fora criada no Congresso para tornar inviáveis as reformas de base, paralisar o governo de João Goulart e usar a inércia institucional como justificativa para o golpe militar.

Discussão

Um dos depoimentos mais marcantes foi o do então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, que levou um dossiê para mostrar como o Ibad financiou a candidatura de João Cleofas, seu adversário na eleição de 1962. Aliado de Arraes, Rubens Paiva protestou contra o que chamou de parcialidade do relator nas perguntas dirigidas, por escrito, ao governador. Disse ele, conforme descrição de Jason Tércio:

“Não é a primeira vez que membros desta comissão e eu próprio temos protestado contra a parcialidade de tais perguntas. O relator desta comissão, ao formular suas perguntas, mais parece estar desempenhando o papel de advogado do Ibad. Portanto, indago se o nobre deputado Laerte Vieira continua merecendo a confiança do senhor presidente. Quanto à minha confiança, eu retiro o voto que dei ao senhor deputado Laerte Vieira, porque S.Exa. demonstrou mais uma vez sua total parcialidade para continuar sendo relator desta comissão parlamentar de inquérito”.

O então presidente da CPI, Peracchi Barcelos, saiu em defesa de Laerte Vieira: “O presidente mantém sua confiança, como até aqui, no relator”. Paiva respondeu: “Lamentavelmente”.

Desfecho da CPI

Em 31 de agosto, João Goulart assinou decreto extinguindo tanto o instituto quanto a Adep, por dos crimes de corrupção. Após discutir se abreviava os trabalhos ou não por causa do decreto presidencial, a Câmara decidiu substituir todos os integrantes da comissão. Os deputados Ulysses Guimarães, Bocayuva Cunha, e Pedro Aleixo assumiram como presidente, vice-presidente e relator, respectivamente. Aleixo viria ser vice do Marechal Costa e Silva, que presidiu o país entre 1967 e 1969.

Em 25 de setembro, a esperada deposição de Ivan Hasslocher e Frutuoso Osório Filho, ex-diretores do Ibad e Adep no Nordeste, resultou numa frustrante manobra jurídica. Ambos se declararam indiciados, escapando das penalidades por perjúrio. Hasslocher, apesar de intensa pressão, resistiu a revelar doadores e beneficiários do esquema de financiamento. Apesar de 34 depoimentos e de um relatório final que apontou culpados e recomendou medidas preventivas, a CPI não resultou em punições. O Ipes encerrou atividades em 1971, ano do desaparecimento de Rubens Paiva, sem ser investigado.

Ivan Hasslocher, que criou o Ibad, mudou-se para a Suíça em 1965, depois para Londres e finalmente para os Estados Unidos, onde morreu em 2000.

Outras investigações

Na Câmara, Rubens Paiva ainda participou de outras duas CPIs: uma que investigou irregularidades nos portos de Santos e do Rio de Janeiro e outra que apurou irregularidades financeiras no 15º Distrito Rodoviário Federal, no Maranhão.

Em um de seus últimos atos como parlamentar, na madrugada de 1º de abril de 1964, enquanto o golpe militar estava em curso, o deputado fez um discurso ao vivo pela Rádio Nacional, denunciando o movimento golpista e defendendo a legalidade do governo João Goulart. Ele defendeu uma mobilização pacífica em apoio às reformas de base propostas por Goulart, refutando as alegações que justificavam o golpe. Seu mandato foi cassado uma semana depois.



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