Congresso em Foco

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No Brasil, calor recorde no Sudeste, secas jamais vistas no Norte e no Nordeste, chuvas torrenciais no Sul. Na Califórnia, o estado mais rico dos EUA, incêndios devastadores. Que o clima atravessa uma fase de extremos, não resta dúvida. Mas esses fenômenos vão além da questão ambiental: trata-se de uma crise global que amplifica desigualdades, impacta direitos fundamentais e desafia estruturas econômicas e sociais. Dessa conjunção de fatores, emergiu um conceito que se vê com cada vez mais frequência: o de justiça climática.

Enchente

EnchenteAntônio Cruz/Agência Brasil

Surgida a partir da interseção entre lutas por direitos civis, justiça social e conscientização ambiental, a justiça climática põe a ética no centro do debate ambiental. Admite que os efeitos das mudanças no clima são distribuídos desigualmente, afetando sobretudo os mais vulnerabilizados. Quem menos contribuiu para o caos climático e tem menos recursos para enfrentá-lo é quem paga a maior parte da conta: pobres, povos originários, população negra, mulheres e populações do Sul global.

Já em 2011, a Declaração de Durban elaborada durante a COP-17, na África do Sul reconhecia o impacto desigual das mudanças climáticas. O que se vê hoje é resultado de um modelo econômico baseado na exploração de recursos naturais e na queima de combustíveis fósseis. Aquecimento global e aumento na intensidade de furacões, ondas de calor, secas e chuvas extremas, aumento do nível do mar, perda de biodiversidade e derretimento de geleiras são as consequências mais visíveis.

Tudo isso fez surgir um grupo que só aumenta: o dos refugiados do clima. Nos últimos dez anos, desastres climáticos provocaram 220 milhões de deslocamentos, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). A imensa maioria dos deslocados vive em regiões frágeis ou afetadas por conflitos. Eles não têm para onde ir nem condições de voltar para suas casas depois que a tormenta passar.

Com tantas nuances, o problema tornou-se uma questão bem mais abrangente. Em 2022, a ONU reconheceu como um direito humano ter um meio ambiente limpo, saudável e sustentável. É para garanti-lo que a justiça climática vem ganhando relevância em foros internacionais, com organizações da sociedade civil pressionando por soluções equitativas e participativas e suscitando reflexões sobre as disparidades na exposição a poluentes e riscos ambientais. Não é mais possível fugir do debate sobre as dimensões sociais, raciais, de classe e éticas das mudanças climáticas.

Diante desse cenário, o número de litígios climáticos vem crescendo exponencialmente. Estudo da London School of Economics mostra que, em 2023, o Brasil ocupou o terceiro lugar entre as nações com maior número de casos registrados: 129, atrás dos Estados Unidos, com 1.745, e do Reino Unido, com 24. Ainda em andamento, existem 82 casos no Brasil. Essas ações buscam responsabilizar governos e corporações por impactos ambientais e violações de direitos humanos.

Nas Américas, os desafios da justiça climática são amplificados por fatores socioeconômicos, raciais, de gênero e territoriais, como a desigualdade no acesso à terra, o impacto desproporcional de desastres naturais e os conflitos fundiários envolvendo povos originários e comunidades tradicionais.

Para avançar nessa agenda, pelo menos quatro desafios precisam ser superados: a falta de financiamento adequado, já que a maioria dos fundos climáticos não está direcionada explicitamente para soluções que promovem justiça climática; o baixo amadurecimento dos projetos, pois muitos carecem de estrutura para captar e gerir grandes investimentos; a ausência de políticas públicas robustas, com os governos incorporando os princípios de justiça climática em suas estratégias; e a desconexão entre justiça climática e transição econômica global, que precisam caminhar juntas para garantir soluções duradouras, eficazes e escaláveis.

Empresas também têm sido estimuladas a adotar princípios de justiça climática em suas estratégias ESG (ambiental, social e de governança), mitigando as emissões, envolvendo populações impactadas na tomada de decisão e investindo na capacitação de grupos marginalizados. No Brasil, há um crescente interesse no financiamento de soluções climáticas com impacto social positivo, mas ainda falta capital para investimentos exclusivamente voltados à justiça climática.

Justiça climática é um conceito que une direitos humanos e sustentabilidade, destacando que soluções para a crise do clima devem ser justas, equitativas e participativas. O futuro dessa agenda depende da mobilização de diferentes setores para garantir que os mais impactados não sejam esquecidos nos processos de decisão e financiamento. O compromisso global com a justiça climática não pode ser apenas um discurso precisa se traduzir em ações concretas que coloquem a equidade no centro das políticas climáticas, evitando assim a socialização do ônus climático e a privatização do bônus.

O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].



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