Congresso em Foco

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O inferno está nos detalhes. Mudanças paulatinas no processo legislativo vem sistematicamente reduzindo o papel das lideranças partidárias e das comissões permanentes. Na literatura internacional em ciência política, essas duas formas de organização são entendidas como as principais formas de resolver os problemas de ação coletiva de corpos coletivos. O caso brasileiro é curioso, porque o enfraquecimento do sistema de comissões não implicou no fortalecimento dos partidos, tampouco vice-versa. O que ocorre é um processo de perda de importância de instituições internas e o fortalecimento do poder discricionário do presidente da Mesa. A consequência óbvia é a desinstitucionalização da Casa.

Proposta em discussão na Câmara dá poder ao líder partidário para trocar o presidente de comissão que ele mesmo indicou

Proposta em discussão na Câmara dá poder ao líder partidário para trocar o presidente de comissão que ele mesmo indicouPablo Valadares/Agência Câmara

A mais recente ameaça compromete uma das mais antigas instituições informais da Casa, a eleição dos presidentes das comissões permanentes. Ocorre que a disposição regimental determina que haja eleição interna nas comissões para escolha de presidentes e vices. Uma regra informal raramente desobedecida faz com que os líderes dos partidos apontem os presidentes e estas eleições não sejam competitivas. No entanto, justamente porque eleitos, os presidentes não podem ser removidos a critério dos líderes partidários, ao contrário do que ocorre com todos os demais membros das comissões permanentes.

Uma minuta de projeto de resolução intitulada “Alterações pontuais no RICD”, de autoria da Mesa, visa romper com toda e qualquer capacidade de atuação autônoma das comissões permanentes temáticas. O olhar atento da Mesa para as comissões é ato contínuo das mudanças previstas no sistema de distribuição de emendas parlamentares, que tende a dar cada vez mais peso às comissões, que por sua vez atravessavam um longo processo de perda de importância diante da proliferação das comissões temporárias.

O mesmo texto volta a trazer à tona a discricionariedade do presidente em criar comissões temporárias e diminui o número máximo de comissões para criação automática de temporária, de quatro para três. O resultado mecânico é que as proposições tramitarão cada vez mais por comissões ad hoc e cada vez menos pelas temáticas. Se essa minuta for aprovada, caminhamos para um quadro em que as comissões não passarão de balcões de emendas e o processo decisório de leis e normativos que antes passavam por arenas de especialização temática seja definitivamente relegado a grupos pouco representativos tematicamente.

A consequência mais óbvia de processos decisórios mal ajambrados é a judicialização. O lugar de enriquecimento técnico e participativo é a arena legislativa. Quando o parlamento se esquiva desse papel, não se pode culpar o Judiciário por assumi-lo, mas tampouco pode-se dizer que a democracia vai bem obrigada.

O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected]



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