Colapso dos serviços públicos urbanos pulsa em calçadas esburacadas, ônibus atrasados, escolas e postos de saúde

Colapso dos serviços públicos urbanos pulsa em calçadas esburacadas, ônibus atrasados, escolas e postos de saúde


A descentralização da governança, sem o suporte necessário, transformou a promessa de autonomia em um fardo pesado demais para muitos municípios, e quem paga o preço somos nós, cidadãos comuns

RENATO S. CERQUEIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDORENATO S. CERQUEIRA/ESTADÃO CONTEÚDO
Quando finalmente chega, o ônibus está tão lotado que parece carregar, além de pessoas, o peso da ineficiência da gestão da cidade

O ônibus não chega. O relógio marca 6h30. Parece muito mais tarde. Você já perdeu a conta de quantos minutos — ou serão horas? — de espera no ponto. Maria, com a mochila pendendo de um lado, precavida com os constantes furtos, zela pela segurança de seus pertences enquanto a paciência, no outro lado, se esgota, no aguardo eterno da chegada do ônibus. O sol, juntamente com o mormaço que prenuncia um dia quente, castiga a pele, o suor escorre e o celular, com sua bateria no fim, insiste em mostrar que o próximo coletivo está “a caminho”. “Do inferno em que estou”, pensa.

Mas você sabe que essa mensagem é uma mentira repetida, deslavada, como tantas outras que nos cercam. O ônibus não chega porque o sistema não funciona. E o sistema não funciona porque, em algum lugar da cadeia de decisões “políticas” de quem elegemos para zelar pela gestão da cidade, alguém decidiu que o seu tempo — e o de milhares como você, eu e a Maria — não vale tanto assim. Para os prefeitos, secretários e vereadores, incluindo neles, agentes públicos de toda sorte, somos apenas peças velhas que atrapalham a engrenagem pública. Tratados como trambolhos, atrapalhamos e incomodamos o funcionamento e a excelência da máquina pública.

O ponto de ônibus, sem banco e sem cobertura, é um pedacinho do caos urbano que nos rodeia: gente espremida, acotovelando-se, olhares perdidos vagando sem foco por entre rostos desconhecidos, refletiam a apatia e o desânimo de quem já não espera mais nada, reclamações abafadas pelo barulho do trânsito que, para variar, não flui. Quando finalmente chega, o ônibus está tão lotado que parece carregar, além de pessoas, o peso da ineficiência da gestão da cidade. O caos, aqui, não é apenas a desorganização, mas a soma da negligência e da ineficácia na gestão do transporte público e de todo o sistema de mobilidade urbana: das calçadas, às bicicletas, motocicletas, vans, ônibus.

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Enquanto isso, em uma escola pública não muito distante, uma professora segura um pedaço de giz azul, única cor que restou na caixinha que ela e os demais colegas, não supriram esta semana. Ela olha para a sala de aula onde metade dos alunos parece ausente, mesmo estando presentes. Seu cansaço físico e mental mescla-se com o desânimo quase palpável dos jovens. Ela quer ensinar, quer acreditar que a educação pode mudar vidas, mas como fazê-lo quando faltam materiais, quando o salário não fecha no final do mês e quando o sistema educacional parece conspirar contra qualquer tentativa de melhoria?

O calor dentro da sala, agravado pela falta de ventilação, torna o ensino um desafio. A escola lembra um presídio: grades para todos os lados, aquela tinta na parede que um dia deve ter tido alguma cor, as carteiras caindo aos pedaços. Hoje, a energia caiu mais uma vez, e a aula segue sem luz, sem tecnologia, sem estrutura. A professora desanimada é o retrato de uma estrutura que falha, dia após dia, em cumprir sua promessa de oferecer o apoio necessário àqueles que inspiram e preparam as próximas gerações. Ela sabe que se falhar, o que o país terá pela frente é um futuro incerto e comprometido. Pobre Brasil.

No posto de saúde, a cena não é muito diferente. Uma fila interminável de pessoas aguarda por atendimento. Entre elas, uma mãe que faltou ao trabalho, segura o filho febril no colo, enquanto o relógio avança implacavelmente. Quando finalmente é chamada, descobre que o profissional que a atende em menos de 5 minutos, não está habilitado para resolver o problema. Ele tenta, faz o que pode, mas a falta de recursos e de capacitação é evidente. O resultado? A mãe sai com uma receita genérica e a certeza de que o filho não vai sarar. Provavelmente será demitida. É o terceiro dia da semana que não vai trabalhar.

Essas cenas, tão comuns no cotidiano das cidades brasileiras, são sintomas de um mal maior: o colapso na prestação dos serviços públicos ao público que dele mais precisa. No papel, nas propagandas de TV, nas redes sociais, encontramos pessoas sorridentes, felizes com a existência dos programas e equipamentos sociais. Governos de todos os entes federativos deveriam ser processados por Fake News. Não tem marketing que apague a realidade. O cidadão não é bobo. 

O colapso na prestação de serviços das nossas cidades não acontece por acaso, mas é fruto de décadas de má governança, desigualdades sociais e políticas públicas mal implementadas. Seus exemplos estão todos expostos: nas calçadas esburacadas, nos ônibus atrasados, nas escolas desassistidas, nos postos de saúde sobrecarregados nas mortes por inundações, nas mães solo que, com seus filhos, moram nas ruas.

O colapso dos serviços públicos urbanos no Brasil pulsa nas calçadas esburacadas, nos ônibus atrasados, nas escolas desassistidas e nos postos de saúde sobrecarregados, mostrando que a descentralização na gestão, com a promessa de autonomia financeira para solucionar os problemas locais, muitas vezes só existe no papel, na burocracia e nas redes sociais. Essa descentralização da governança, sem o suporte necessário, transformou a promessa de autonomia em um fardo pesado demais para muitos municípios, e quem paga o preço somos nós, cidadãos comuns, que dependemos desses serviços para viver com um mínimo de dignidade.

Enquanto isso, o ônibus continua sem chegar, a professora continua desanimada e a mãe no posto de saúde sem luz e alagado com as chuvas, continua esperando por um atendimento digno. O caos urbano é o retrato do colapso na gestão pública que ainda não conseguiu colocar o cidadão no centro de suas prioridades. E, até que isso mude, seguiremos esperando na esquina, olhando para o horizonte, na esperança de que, um dia, o ônibus — e com ele, as soluções — finalmente cheguem.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.





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