Enchentes: guardas de SP são acusados de violência contra moradores

Enchentes: guardas de SP são acusados de violência contra moradores


Moradores do bairro Jardim Helena, no extremo da zona leste de São Paulo, foram alvo de bombas de efeito moral ao fazer um cadastro para receber benefício enquanto se reestruturam de danos provocados por inundações na região. Vídeos que circulam pelas redes sociais mostram pelo menos um dos momentos desta quarta-feira (5) em que agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) lançam os explosivos contra a população, do lado de fora da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Murures.

Tanto o Jardim Helena como o Jardim Pantanal tiveram pontos que ficaram debaixo d’água após serem atingidos pelas fortes chuvas que tiveram início na madrugada do último sábado (1ª). A Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU) afirmou que os arremessos das bombas foram “o único episódio” desse tipo e atrelou a opção dos agentes a uma suposta tentativa de invasão da Emef Murures.

“Os agentes foram alvo dos manifestantes e atuaram empregando equipamentos de menor potencial ofensivo para controle da situação”, escreveu a pasta em nota, adicionando que, quando necessário, “apura rigorosamente todas as denúncias” e a Corregedoria da corporação aplica as devidas sanções aos agentes.

Devastação

O vendedor ambulante Inácio da Silva vive com a família em uma área baixa do Jardim Pantanal. Ele não teve a casa destruída, mas vê o entorno em ruínas. Silva pontua que, dessa vez, o impacto das chuvas foi maior, sem tréguas, e comenta que tampou todo o encanamento da casa para evitar que a água da enchente invadisse o imóvel. 

“Faltaram dez casas para chegar [a água]”, diz ele, que se locomove de bicicleta para fechar as vendas e, com a enchente, tem que desviar de ruas e pedalar por maiores distâncias.

“Como se consegue deixar a área com R$ 50 mil, R$ 30 mil? Onde é que se compra um imóvel com isso? Não compra nem o material [de construção]”, critica vendedor, diante da proposta estudada pela equipe do prefeito Ricardo Nunes como solução para que os habitantes troquem a região por outra.

Auditoria

Na tarde de ontem (5), o presidente do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP), Domingos Dissei, solicitou à Auditoria de Controle Externo que faça um levantamento das ações que estão sendo realizadas pela prefeitura de São Paulo na região do Jardim Pantanal.

“Não é só uma questão de obras. Temos que ver a questão de obras, mas lá existe uma questão social, como a prefeitura está enfrentando também isso, no sentido de dar uma verba para cada pessoa. Nós vamos fazer uma análise um pouco mais detalhada”, justificou.

O levantamento terá três eixos principais: valores da execução orçamentária dos recursos da prefeitura na área do Jardim Pantanal; quais as ações efetivamente executadas; e quais ações de assistência social estão sendo implantadas e planejadas para atender a população afetada. A proposta foi aprovada por todos os conselheiros do tribunal. 

Água contaminada

Moradores dos bairros atingidos pelas chuvas têm relato adoecimento após ingerir a água de suas casas. O faxineiro Bruno Vieira, do Jardim Pantanal, busca diversas vezes por dia água mineral e alimentos conseguidos e distribuídos por lideranças comunitárias. Algumas delas têm dormido apenas três, quatro horas por noite, ocupadas com as ações de ajuda, que começam cedo e terminam tarde.

Vieira vive de bicos, por estar desempregado, e sua mãe apresenta saúde suscetível, depois de passar por uma cirurgia de câncer que agora completa um ano. Ela ainda permanece fazendo sessões de quimioterapia. 

“Estão fazendo doações e, mesmo com dor de barriga e febre, estou indo atrás, andando para lá e para cá. Se for a um posto de saúde, também não vai adiantar nada, porque o que estão dando é dipirona, o que tenho em casa. Dipirona e soro”, disse o faxineiro à reportagem.

“O que está salvando é essa água [a água mineral doada por iniciativa dos líderes da comunidade]. Quando você coloca [a da torneira], dá para ver tudo amarelo. Fui lavar roupa ontem, no tanquinho, ficou tudo amarelo. Aí, nem lavei”, acrescentou.

Uma das doenças a que atingidos por inundações ficam expostos é a leptospirose. Ela é transmitida pelo contato da pele com bactérias do tipo Leptospira, presentes na urina de animais como os roedores. Ou seja, ratos são um vetor da doença. 

Resgates

O nível de água acumulada com as chuvas variou na região. O líder comunitário e educador físico Alex Novais, por exemplo, mora em um endereço em que o imóvel de sua família foi severamente atingido. Ele comenta que acordou por volta das 6h de sábado, com os gritos de uma vizinha que teve a casa totalmente alagada.

Recentemente, a Agência Brasil conversou com um integrante da Defesa Civil do Estado de São Paulo, que pontuou que a corporação tem treinado lideranças das comunidades a fazer resgates.

“O conhecimento vai ficar para você, sim. Mas, na verdade, eles gostam de transferir a responsabilidade deles para a gente, líder comunitário. Vou dar um exemplo: eles vêm fazer cadastro para angariar insumos e tudo mais. Quem toma conta da população? Somos nós. Quando o bicho pega e a população vem para cima, eles fazem o quê? Deixam a gente aqui e vão embora”, critica o educador físico.

Outro lado 

A Agência Brasil perguntou às secretarias municipais de Saúde, Assistência Social sobre quais orientações estão dando às comunidades e quais ações já foram feitas, mas não teve retorno. A prefeitura compartilhou hoje, por volta de 13h, um balanço das medidas já cumpridas em favor dos moradores. A gestão disse que, atualmente, há 57 pessoas acolhidas e que, desde o fim de semana, foram entregues 15.100 almoços, 12.900 jantares e 11.400 cafés da manhã, 1.300 cestas básicas e 15.632 copos de água, entre outros itens.

“Até hoje 1.344 famílias receberam o cartão emergencial no valor de R$ 1.000. A Defesa Civil está fazendo busca ativa nas ruas atingidas para eventualmente cadastrar novas famílias para o benefício”, destaca a prefeitura.

“Em atendimentos de saúde foram aplicadas até o momento 1.013 doses de vacina na população, 14 pacientes foram removidos para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Jardim Helena e quatro direcionados para a Unidade Básica de Saúde (UBS) da região. Também houve acolhimento psicológico a crianças, 218 pacientes foram atendidos para trocas de receitas, e foram entregues 780 frascos de hipoclorito. Estão sendo realizados, conforme avaliação, testes de Covid-19, dengue e influenza e testes rápidos de sífilis e HIV.”

Questionada sobre os relatos de adoecimento após ingestão de água nas regiões afetadas pelas enchentes, a Sabesp informou que realiza vistorias periódicas para analisar a água fornecida.

“No Jardim Pantanal, essas análises têm comprovado a qualidade da água distribuída à população. A Companhia monitora todas as etapas do sistema de abastecimento para garantir a qualidade da água distribuída. Os resultados são também enviados para os órgãos de controle, dentro das normas estabelecidas pela legislação”, argumentou a Sabesp.



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