Com 166 bilhões em faturamento no ano de 2024, a Meta – controladora de plataformas como o Facebook, Instagram e Threads – aufere mais de 90% de sua receita da venda de publicidade digital. Esse modelo de negócios é o mesmo que, ao menos desde o século XVI – segundo Briggs e Burke em “Uma história social da mídia: de Gutenberg à internet –, lançou as bases para que a imprensa crescesse e se estabelecesse como uma das instituições mais importantes da democracia moderna, sendo crucial em diversas revoluções republicanas e processos de independência.
Hoje, no entanto, plataformas digitais e os veículos de mídia disputam avidamente os mesmos recursos da publicidade. Até o momento, no entanto, as plataformas digitais têm vencido a batalha, produzindo uma dinâmica que está na raiz da crise de sustentabilidade que o jornalismo profissional enfrenta globalmente.
Na manhã de terça-feira, 7 de janeiro de 2025, o fundador e CEO da Meta, Mark Zuckerberg, publicou um vídeo em suas contas nas redes sociais do conglomerado – Facebook, Instagram e Threads – em que anunciou uma profunda mudança de paradigmas nas políticas de confiança e segurança das plataformas. Apesar do esforço empreendido pelo CEO para justificar as mudanças com fundamento em uma suposta proteção da liberdade de expressão, a mensagem principal, repetida em ao menos quatro ocasiões ao longo dos pouco mais de cinco minutos de duração do vídeo, revela um alvo claro: a imprensa.
Entre as declarações de Zuckerberg, destacam-se críticas diretas às práticas de veículos de comunicação. Em primeiro lugar, o bilionário alega, sem apresentar qualquer fundamento, que os checadores de fatos independentes contratados pelas plataformas são “politicamente enviesados” e que sua atuação teria minado mais confiança do que criado. Na sequência, Zuckerberg acusa a imprensa tradicional – ou “mídia legado” – de defender a censura sob a justificativa de combate à desinformação. Por fim, afirma que os veículos de mídia foram responsáveis por forjar a própria compreensão de que a desinformação representa uma ameaça à democracia, ignorando as produções científicas estadunidenses e estrangeiras que se dedicam à discussão.
De tais convicções sem provas, Zuckerberg extraiu a “solução”: a interrupção da moderação de conteúdos baseada na checagem de fatos com critérios jornalísticos internacionalmente reconhecidos e a implementação de um sistema de notas da comunidade inspirado no modelo adotado pela rede social X (antigo Twitter). A Meta, assim, reduz – ou quiçá elimina – os custos associados ao financiamento de investigações jornalísticas profissionais e transfere aos usuários o trabalho gratuito de revisar e contextualizar as informações publicadas.
Ainda assim, em todo o mundo democrático, veículos de mídia continuam a tratar as plataformas digitais como parceiras comerciais, ainda que uma outra gigante da tecnologia, o Google, tenha se tornado um intermediário universal da publicidade programática. É essencial que a imprensa compreenda que o modelo de negócios das plataformas digitais não é colaborativo, mas sim monopolista. A expansão contínua dessas empresas depende, direta ou indiretamente, da cooptação ou do enfraquecimento do jornalismo independente.
O pronunciamento de Zuckerberg representa uma declaração pública de uma guerra até então fria. Ao prometer reduzir erros de moderação e simplificar políticas, a Meta busca posicionar-se, ao lado do X, como bastião da liberdade de expressão e informação. Contudo, ao eliminar os checadores de fatos profissionais e deslegitimar o papel da imprensa na construção de uma esfera de informação íntegra, a empresa lança mão da ideia de que a imprensa e o jornalismo são obstáculos – e não aliados – da sua visão de futuro.
Assim, à medida que a crise de sustentabilidade do jornalismo se aprofunda, é urgente que veículos de mídia reconheçam os riscos – se não à democracia, à sua própria existência – de concentração de poder e mercado nas mãos das plataformas digitais.
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