Famílias por escolha: os caminhos da maternidade e paternidade solo

Famílias por escolha: os caminhos da maternidade e paternidade solo


Mulheres e homens que decidem ter filhos biológicos sem um(a) parceiro(a) conjugal estão redesenhando o conceito tradicional de família e enfrentam desafios únicos

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A produção independente envolve uma teia complexa de aspectos legais, éticos e psicossociais

A vontade de ser mãe ou pai não depende, necessariamente, de estar em um relacionamento. Nos últimos anos, o avanço da medicina reprodutiva e mudanças sociais profundas abriram espaço para uma nova configuração familiar: a maternidade e paternidade solo por produção independente. Mulheres e homens que decidem ter filhos biológicos sem um(a) parceiro(a) conjugal estão redesenhando o conceito tradicional de família — e, com isso, enfrentando desafios únicos e vivendo realizações igualmente singulares.

Produção independente: caminhos e regulamentações

Para mulheres, o caminho mais comum para a produção independente é a utilização de sêmen de doador. Existem duas vias principais: a inseminação intrauterina (IIU), geralmente indicada para mulheres jovens com boa reserva ovariana, e a fertilização in vitro (FIV), mais utilizada quando é preciso uma abordagem mais controlada e com maiores chances de sucesso por ciclo.

A escolha do doador de sêmen, feita em bancos de gametas, é protegida pelo anonimato, conforme determina o Conselho Federal de Medicina (CFM). As futuras mães têm acesso a informações como características físicas, grupo sanguíneo, histórico de saúde e, em alguns casos, dados sobre nível educacional e hobbies.

Para homens, o caminho é mais complexo: além da necessidade de óvulos doados — também seguindo o critério de anonimato —, é indispensável recorrer à gestação por substituição. Conhecida popularmente como “barriga de aluguel”, essa prática no Brasil é regulamentada como cessão temporária de útero e deve seguir regras rígidas: a mulher que vai gestar o bebê deve ser parente de até quarto grau do futuro pai (como irmã ou prima) e não pode receber compensação financeira, apenas o reembolso de despesas diretamente relacionadas à gestação. Na ausência de uma parente, pode ser utilizado o útero de uma pessoa amiga, desde que autorizado pelo Conselho Regional de Medicina, após cumprimento de todas as exigências da Resolução.

Aspectos emocionais e sociais da decisão

A produção independente envolve uma teia complexa de aspectos legais, éticos e psicossociais. As normas do CFM estabelecem limites de idade para doadores (geralmente de até 50 anos para homens e 35 anos para mulheres), além de exigirem exames rigorosos para garantir a saúde genética e infecciosa dos gametas.

A cessão temporária do útero, por sua vez, só pode ser feita com laudos médicos e psicológicos que atestem a capacidade física e emocional da cedente e do beneficiário. É obrigatória a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido, resguardando todas as partes envolvidas.

Além dos trâmites legais, há também a dimensão emocional. Optar por ser mãe ou pai solo demanda preparo psicológico: é preciso lidar com expectativas, solidão em alguns momentos e, principalmente, com o desafio de ser o único responsável legal e afetivo da criança. Muitos optam por acompanhamento psicológico antes e durante o processo para fortalecer esse suporte interno.

A escolha do doador ou da doadora também carrega um peso simbólico importante. Mesmo com o anonimato, saber que uma pessoa desconhecida fará parte da história genética do filho é algo que exige reflexão e maturidade emocional.

Construindo novas formas de amar e educar

Criar um filho sem um parceiro ou parceira demanda uma rede de apoio sólida. Familiares, amigos e grupos de mães e pais solo podem oferecer suporte emocional e prático, fundamental para enfrentar os altos e baixos da parentalidade. Muitos também buscam orientação sobre a melhor forma de contar à criança sobre sua origem. Especialistas recomendam que o assunto seja introduzido de forma natural e progressiva, respeitando a maturidade emocional da criança e reforçando sempre a mensagem de que ela foi desejada, planejada e é profundamente amada.

O preconceito ainda existe, mas famílias monoparentais por escolha têm ajudado a desconstruir padrões e mostrar que o que define uma família não é a quantidade de adultos, mas a qualidade das relações que nela se estabelecem. Figuras públicas e anônimas que compartilham suas experiências mostram que ser mãe ou pai solo por escolha é possível, digno e repleto de significado.

A jornada da maternidade ou paternidade solo por produção independente é feita de desafios reais, mas também de conquistas emocionantes. Ela reforça que o amor, o cuidado e o desejo consciente de formar uma família são as verdadeiras bases de qualquer lar, independentemente da configuração que ele tenha.

*Por Paulo Gallo de Sá (CRM 422765 RJ – RQE 26621)
Ginecologista e membro da Brazil Health





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