Secretário-geral de organização fala sobre os impactos trabalhistas a partir do avanço dos bancos digitais e das fintechs
No dia 7 de maio de 2025, um pequeno grupo com aparelhagem de som chamava a atenção de quem passava na avenida 9 de Julho, na altura dos Jardins, área nobre de São Paulo. Eram sindicalistas que protestavam contra o C6 Bank, banco digital famoso por realizar um concorrido festival de música na cidade. Eles reclamavam da falta de pagamento integral da PLR (Participação nos Lucros e Resultados).
Para Gustavo Tabatinga, secretário-geral da Contraf-CUT (Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro da Central Única dos Trabalhadores), a expansão de bancos digitais e fintechs no Brasil precarizou os empregos do setor. “Há uma pressão por desregulamentação, como o aumento da jornada de trabalho“, disse o sindicalista nesta entrevista ao Poder360.
Segundo dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) de 2024, o setor financeiro brasileiro reúne cerca de 424 mil bancários, 84.600 trabalhadores em cooperativas e 248 mil securitários. Outros 73.000 atuam em atividades auxiliares dos serviços financeiros —em que muitos trabalhadores de fintechs podem estar classificados.
A categoria dos financiários soma 8.490 profissionais, mas em 2025 incorporou mais 2.700 funcionários do Nubank após negociação com a NuFinanceira. O mapeamento específico dos trabalhadores de fintechs é difícil, pois muitas estão fora das classificações típicas do ramo financeiro.
Leia os principais trechos da entrevista com Tabatinga:
Poder 360 – Como a Contraf-CUT avalia as negociações trabalhistas após o surgimento e a expansão dos bancos digitais e fintechs?
Gustavo Tabatinga — A regulamentação formal das fintechs começou em 2018. Em 2016 havia apenas uma fintech regulada, em 2019 eram 34 e, em 2024, já são 258. O total, incluindo as não reguladas, ultrapassa 1.000.
Essa transformação dificultou as negociações. Bancos tradicionais migraram operações para o digital, substituindo funções tradicionais por trabalhadores de TI. Além disso, há uma pressãopor desregulamentação, como o aumento da jornada de trabalho de 6 para 8 horas. Se não fosse a forte organização sindical, as mudanças teriam sido ainda mais profundas.
Quais foram as principais mudanças nas relações de trabalho com a chegada dessas instituições?
Houve demissões e redução de agências, com migração para o atendimento digital. A contratação de profissionais de TI cresceu, enquanto o emprego bancário tradicional diminuiu.
Os bancos passaram também a terceirizar serviços por meio de instituições de pagamento. O emprego bancário protegido e regulamentado está sendo substituído por relações mais precarizadas.
O nível de mobilização dos trabalhadores de bancos digitais e fintechs é comparável ao dos empregados de instituições tradicionais?
A organização sindical é menor, pois eles não têm convenção coletiva consolidada. Mesmo assim, quando mobilizados, a adesão é expressiva, como no C6 Bank e no caso do Nubank, que em 2024 passou a negociar como financiária, garantindo reajuste superior ao do restante da categoria.
Quais são as principais diferenças na organização e pautas entre trabalhadores de bancos tradicionais e de fintechs?
As fintechs muitas vezes se registram como empresas de comércio ou lotéricas, descaracterizando a atividade financeira. Assim, trabalhadores não se reconhecem como parte do ramo financeiro e são contratados fora da CLT, com menos direitos.
As fintechs inovam ao não seguir legislações trabalhista, fiscal e regulatória. Diferentemente dos bancos, não cumprem as mesmas exigências de capital e controle, o que aumenta riscos para clientes e trabalhadores.
As fintechs estabeleceram uma nova lógica de relação trabalhista?
Não criaram uma nova lógica, mas vieram quebrar a existente: desregular, uberizar e subcontratar. Funcionários atuam como bancários, mas são contratados como comerciários, com salários e direitos inferiores.