Premiê de Portugal que foi derrubado pode ser reeleito

Premiê de Portugal que foi derrubado pode ser reeleito


Após 11 meses, governo de Luís Montenegro cai por causa de revelações sobre empresa familiar do primeiro-ministro; entenda o caso

Os portugueses vão às urnas neste domingo (18.mai.2025) pela 3ª vez em pouco mais de 3 anos. O país realiza novas eleições depois da queda do governo minoritário do primeiro-ministro Luís Montenegro (PSD, Partido Social Democrata, centro-direita), que enfrenta, desde fevereiro, uma crise política envolvendo uma empresa de sua família, a Spinumviva.

Em março, a Assembleia da República rejeitou uma moção de confiança apresentada pelo governo de Montenegro. A moção de confiança é um instrumento utilizado em sistemas parlamentares, como o de Portugal, para verificar se o Parlamento apoia a continuidade de um governo no poder. Depois da rejeição, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa antecipou as eleições legislativas.

Os problemas relacionados à Spinumviva vieram a público em fevereiro, quando reportagens na imprensa portuguesa apontaram possíveis conflitos de interesse entre a consultoria, fundada por Montenegro em 2021, e o cargo de primeiro-ministro, que ocupa desde 2024. A oposição e a opinião pública exigiam explicações a Montenegro sobre a empresa, cujos clientes incluem, por exemplo, o grupo Solverde, empresa de cassinos que tem contratos de concessão com o governo. 

Apesar do desgaste, de acordo com a pesquisa eleitoral realizada pela Universidade Católica Portuguesa para a RTP, a Antena 1 e o jornal Público, e divulgada na 6ª feira (16.mai), 2 dias antes do pleito, a coligação AD (Aliança Democrática, PSD e CDS-PP, centro-direita), liderada por Montenegro, pode ser reeleita. 

A AD lidera com 34%, ante 26% do PS (Partido Socialista, centro-esquerda), o principal partido de oposição. O Chega (extrema-direita) tem 19%, seguido pela Iniciativa Liberal (direita), com 7%, pelo Livre (centro-esquerda), com 5%, o CDU (Coligação Democrática Unitária, PCP e PEV, esquerda), com 3%, o Bloco de Esquerda, com 2%, e o PAN (centro-esquerda), com 1%. Os indecisos foram 12% dos entrevistados. 

A mesma pesquisa constatou que o caso Spinumviva é considerado “nada importante” por 29% dos entrevistados.

O levantamento foi realizado de 6 a 13 de maio de 2025. Foram contactadas 7.018 pessoas pelo telefone, das quais 1.741 desejaram responder à pesquisa. A margem de erro é de 2,2%, com um nível de confiança de 95%.

Diferentemente do Brasil, o voto em Portugal não é obrigatório, e teme-se que o cansaço generalizado por causa das eleições sucessivas desde 2022 afaste os eleitores das urnas e contrarie a melhora na afluência registrada em 2024. Em 2022, quando foi eleito o governo majoritário do PS, 51,42% dos inscritos compareceram nas eleições. Dois anos depois, no pleito que deu uma vitória minoritária à coligação de Montenegro, a taxa foi melhor: 59,84% –o maior comparecimento desde 1995.  

O CASO SPINUMVIVA

A 1ª suspeita de possível conflito de interesses entre a empresa da família de Montenegro e o cargo de primeiro-ministro se tornou conhecida com uma reportagem do jornal Correio da Manhã, em 15 de fevereiro, que afirmava que a Spinumviva atuava no ramo imobiliário e que poderia, portanto, se beneficiar pela alteração da lei dos solos. 

O primeiro-ministro negou que a empresa trabalhasse com a compra e a venda de imóveis e afastou qualquer conflito de interesses. Disse ao Parlamento que um dos objetivos da fundação da Spinumviva era incorporar o patrimônio herdado dos pais e revitalizá-lo, o que não foi concretizado em razão da intensificação da vida política de Montenegro.

Apesar dos esclarecimentos do premiê, o Chega, liderado pelo deputado André Ventura, considerou-as insuficientes e apresentou uma moção de censura ao Parlamento, instrumento pelo qual um ou mais partidos demonstram reprovação pelo governo, podendo forçar a sua queda. À época, a medida foi rejeitada por todas as outras legendas. Leia a íntegra da moção de censura (PDF – 31 kB).

A crise, no entanto, intensificou-se com uma reportagem do jornal Expresso, informando que a Spinumviva recebia, desde 2021, pagamentos fixos mensais (avenças) no valor de 4.500 euros (cerca de R$ 28.870) da Solverde em troca de “serviços especializados de compliance e definição de procedimentos no domínio da proteção de dados pessoais”. 

O conflito de interesses se centraria no fato de o contrato de concessão dos cassinos da empresa de Espinho e do Algarve terminar em 31 de dezembro de 2025 e caber ao governo decidir por sua renovação. Montenegro, que trabalhou para a Solverde antes de assumir como primeiro-ministro, chegou a representar a empresa em negociações com o Estado. 

O primeiro-ministro e seus aliados defenderam, no entanto, que Montenegro poderia pedir escusa de intervenção (declarar-se impedido) no processo de renegociação do contrato com a controladora de cassinos.

Pressionado a divulgar todos os clientes da empresa, Montenegro, a princípio, disse que a publicização poderia ferir o sigilo profissional da Spinumviva com as suas contratantes. Já em pré-campanha, e às vésperas do principal debate, com Pedro Nuno Santos (PS), em 30 de abril, Montenegro entregou à Entidade para a Transparência do país um documento incluindo 7 clientes da empresa.

EMPRESA FAMILIAR DE MONTENEGRO

Diante da controvérsia, outra justificativa dada pelo primeiro-ministro para negar um conflito de interesses entre a Spinumviva e o seu cargo é que, ao assumir a presidência do seu partido, o PSD, em 2022, Montenegro havia transferido as suas cotas na Spinumviva para a mulher e os 2 filhos.

Apesar disso, o caso levanta dúvidas, uma vez que o primeiro-ministro é casado em regime de comunhão de adquiridos (similar à comunhão parcial de bens, no Brasil), o que poderia tornar a transação juridicamente inválida.

Montenegro, que é advogado, defende a legalidade da transação com base no Código das Sociedades Comerciais que afastaria a nulidade estabelecida no artigo 1.714 do Código Civil português no que se refere à cessão de cotas entre cônjuges. 

PRONUNCIAMENTO AO PAÍS

Ainda assim, em 1º de março, durante pronunciamento ao país sobre o caso, o primeiro-ministro afirmou que a Spinumviva passaria a ser controlada somente pelos 2 filhos: “Mudará a sua sede e seguirá o seu caminho exclusivamente na esfera da vida deles”. A mulher, de fato, foi destituída do cargo de gerente da empresa. A sede, no entanto, segundo informou o Expresso na 4ª feira (14.mai), continuava localizada em Espinho, na casa do primeiro-ministro.

Em seu discurso, Montenegro disse que os filhos e a mulher são “sócios desde o 1º dia” e questionou se “seria justo, e até adequado, fechar tudo, abandonar tudo, só porque, circunstancialmente”, foi eleito presidente do PSD e primeiro-ministro. “Não pratiquei nenhum crime, nem tive nenhuma falha ética”, declarou Montenegro.

Diante da sinalização do premiê de que apresentaria uma moção de confiança, o PCP anunciou, no mesmo dia do pronunciamento, que daria entrada em uma nova moção de censura. Leia a íntegra da moção de censura do PCP (PDF – 11 kB).

A decisão do primeiro-ministro de renunciar à empresa que detém é um expediente tardio que não esclarece nem afasta os indícios de promiscuidade do governo com os interesses dos grandes grupos econômicos”, afirmou na ocasião Paulo Raimundo, secretário-geral do partido. Desta vez, o Chega e o PS se abstiveram. O Bloco de Esquerda, o Livre e o PAN votaram a favor. Já o PSD, o CDS-PP e a Iniciativa Liberal votaram contra. 

Cada vez mais pressionado pela oposição, que se movimentava para a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) com o objetivo de investigar as atividades da Spinumviva, o governo avançou com a moção de confiança. Depois de 4 horas de debates, a medida foi rejeitada por todos os partidos, exceto o PSD, o CDS-PP e a Iniciativa Liberal. Leia a íntegra da moção de confiança do governo (PDF – 16 kB).  

O governo quis usar a moção de confiança para condicionar o inquérito e o apuramento da verdade”, disse na ocasião o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos. “A 1ª coisa que tentaram foi que nós abandonássemos a CPI e, assim, o governo abandonava a moção de confiança, completou

Foi a 2ª vez desde que Portugal conquistou a democracia em 1974 que a rejeição de uma moção de confiança derrubou um governo. A 1ª foi em 1977, durante o governo de Mário Soares (PS). 





Source link