A recente aprovação da reforma tributária representa um passo histórico na construção de um sistema fiscal mais moderno, eficiente e transparente no Brasil. Ao substituir múltiplos tributos sobre o consumo por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, cobrado no destino, o novo modelo traz inegáveis benefícios: simplificação, maior previsibilidade e justiça fiscal.
FNDR pode ser o motor de um novo ciclo de desenvolvimento regional sustentável e inclusivo.Wagner Lopes/CC
No entanto, ela também traz desafios significativos, sobretudo no que diz respeito às desigualdades regionais. Um dos pilares que sustentaram o desenvolvimento de muitas regiões brasileiras nas últimas décadas foi o uso intensivo de incentivos fiscais. Estados e municípios lançaram mão desses benefícios como instrumento de atração de empresas, na tentativa de compensar desvantagens históricas em infraestrutura, logística e poder de consumo.
Foi com base nesses incentivos que surgiram clusters produtivos regionais que hoje têm grande importância econômica. É o caso de Anápolis (GO), com seu polo farmacêutico; do Triângulo Mineiro, com vocação logística e agroindustrial; do Polo Automotivo de Camaçari (BA) ou de Itajaí (SC), que se consolidou como um dos principais centros logísticos e portuários do país. Essas aglomerações industriais foram formadas não apenas por dinâmica de mercado, mas por políticas públicas ativas de fomento regional.
A tributação no destino reduz a atratividade dos tradicionais incentivos fiscais usados por estados e municípios especialmente os situados fora do eixo Sul-Sudeste para promover a industrialização e atrair investimentos. Diante da mudança, as regiões com menor densidade populacional e poder de consumo correm o risco de perder dinamismo econômico para os grandes centros, mais próximos dos mercados consumidores.
Esse cenário exige uma reformulação profunda da política de desenvolvimento regional no país. E é nesse ponto que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) ganha centralidade. Mais do que uma compensação à perda de receitas com o fim dos incentivos, o FNDR tem o potencial de se tornar o principal instrumento de financiamento para uma nova estratégia de crescimento inclusivo, territorialmente equilibrado e sustentável.
O fundo será financiado com recursos orçamentários da União, da seguinte forma: R$ 8 bilhões em 2029; R$ 16 bilhões em 2030; R$ 24 bilhões em 2031; R$ 32 bilhões em 2032; R$ 40 bilhões em 2033; mais R$ 2 bilhões por ano de 2034 a 2042; e R$ 60 bilhões por ano a partir de 2043. Os valores serão atualizados pela inflação (IPCA).
O legislador acertou ao trazer como recorte para o fundo o financiamento de projetos futuros, ao invés de utilizá-lo para pagar dívidas do passado. Entretanto, mais do que apenas financiar projetos pontuais, o FNDR pode assumir um papel ainda mais estruturante ao se tornar fonte de funding para bancos de fomento e agências de desenvolvimento estaduais, que conhecem de perto as realidades e vocações econômicas locais. Esses agentes têm capilaridade, experiência e capacidade técnica para apoiar empreendimentos produtivos em municípios de médio e pequeno porte, muitas vezes fora do radar dos grandes bancos comerciais.
Ao direcionar parte dos recursos do FNDR para crédito, por meio de suas instituições financeiras de desenvolvimento estaduais, o país criaria um ciclo virtuoso de crédito produtivo com foco no desenvolvimento regional. Seria possível alavancar investimentos em infraestrutura logística, inovação industrial, bioeconomia, economia verde, agricultura familiar e outros setores estratégicos, respeitando as especificidades de cada território.
Com crédito acessível, recursos estáveis e orientação técnica, os estados teriam melhores condições de manter ativas suas cadeias produtivas locais e ainda promoverem o aumento da complexidade econômica das regiões. Isso não só evitaria o esvaziamento de polos econômicos construídos ao longo de décadas, como impulsionaria o desenvolvimento sustentável das regiões.
A reforma tem o mérito de propor um sistema mais moderno e funcional, mas para que ela seja também socialmente justa e economicamente equilibrada, será fundamental que o Brasil não apenas reforme a tributação, mas também reformule sua política de desenvolvimento regional. O FNDR, bem desenhado e em articulação com os bancos e agências de fomento, pode ser o motor de um novo ciclo de desenvolvimento regional mais inovador, sustentável e equilibrado.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].