Congresso em Foco

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Em tempos normais, presidentes são eleitos para servir ao público. Mas na América distorcida do século 21, sob Donald Trump 2.0, a presidência se tornou uma holding. E… mais recentemente… uma blockchain. O novo capítulo dessa conversão institucional foi exposto em uma reportagem de fôlego do New York Times (29/04/2025), que detalha o funcionamento da empresa World Liberty Financial, criada por Trump e seus filhos para operar no mercado de criptomoedas, e lucrar com ele enquanto legisla e regula em causa própria.

Trata-se de um escândalo de corrupção político-financeira sem precedentes na história americana: ao mesmo tempo em que promoveu medidas pró-cripto e desmantelou órgãos de controle, Trump e sua família embolsaram mais de US$ 1 bilhão em ativos digitais, com destaque para o token $WLFI, vendido globalmente como se fosse o “cripto oficial” da presidência americana. Segundo o Times, o modus operandi da World Liberty é explícito: usar o nome Trump como selo de confiança, fechar parcerias com empresas estrangeiras em troca de “investimentos” secretos e, simultaneamente, induzir o mercado com anúncios de políticas públicas que beneficiam diretamente seus ativos, como a criação da “Reserva Cripto Nacional” dos EUA, que provocou valorização imediata dos tokens mantidos pela própria empresa.

Com a família Trump banida do sistema bancário tradicional desde o 6 de janeiro, seus herdeiros apostaram em criptomoedas como instrumento de poder paralelo

Com a família Trump banida do sistema bancário tradicional desde o 6 de janeiro, seus herdeiros apostaram em criptomoedas como instrumento de poder paraleloMolly Riley/Casa Branca

A World Liberty foi criada com apoio de figuras controversas como Zachary Folkman e Chase Herro: conhecidos por passagens no mercado de produtos enganosos e criptomoedas que colapsaram em fraudes. Eric Trump e Donald Trump Jr. lideram a operação, que hoje já movimenta cifras bilionárias com apoio de investidores internacionais. Um desses investidores é Justin Sun, bilionário chinês acusado de fraudes pela SEC, que, após investir US$ 75 milhões na cripto de Trump, viu seu processo ser “suspenso” pelo Departamento de Justiça. Outros nomes envolvidos incluem Troy Murray (BarnBridge), Yoni Assia (eToro), e a própria Binance, cuja estrutura de tecnologia foi adotada para lançar a stablecoin USD1, moeda digital “lastreada em patriotismo” e vendida como novo pilar do sistema financeiro americano.

A lógica do projeto é perversa: com a família Trump banida do sistema bancário tradicional desde o 6 de janeiro, seus herdeiros apostaram em criptomoedas como instrumento de poder paralelo, e rentável! Desde então, vêm promovendo parcerias com regimes autoritários, recebendo doações disfarçadas de investimentos e vendendo aos eleitores uma narrativa de “liberdade financeira” enquanto enriquecem por dentro do Estado. Um exemplo simbólico: na próxima semana, Trump viaja para os Emirados Árabes Unidos, que recentemente investiram US$ 2 bilhões na World Liberty. Coincidência? No mesmo dia em que o investimento foi anunciado, a Bloomberg noticiou que os EUA cogitam liberar exportações de chips da NVIDIA para o país: chips esses que estão no centro da disputa tecnológica global e das políticas de IA promovidas por Trump.

A conexão entre diplomacia, criptos e perdões presidenciais, como o concedido a Arthur Hayes, investidor da Ethena Labs, revela uma espécie de “Realpolitik tokenizada”, na qual empresários condenados financiam jantares oficiais e recebem favores legais, enquanto a máquina pública opera como corretora de influência.

Durante a posse presidencial de Donald Trump em 2025, o setor de criptomoedas emergiu como um dos principais financiadores, contribuindo com aproximadamente US$ 18 milhões para o comitê inaugural. Empresas e executivos do setor realizaram doações substanciais, destacando-se: Ripple Labs (US$ 4,89 milhões), Robinhood Markets (US$ 2 milhões), Coinbase, Circle, Solana Labs, Galaxy Digital, Kraken e Ondo Finance, com valores próximos ou acima de US$ 1 milhão cada. Executivos como Hayden Adams (Uniswap) também contribuíram generosamente. Essa confluência de interesses coincidiu com medidas políticas altamente favoráveis à indústria, incluindo a suspensão de processos regulatórios e a inclusão de criptos específicas em iniciativas estatais. Essa simbiose entre doações privadas e decisões públicas levanta sérias questões sobre a integridade da governança. A linha entre lobby, captura do Estado e crime de colarinho branco parece ter sido apagada.

Diante da gravidade dos fatos, democratas no Congresso apresentaram o End Crypto Corruption Act (06/05/2025), que proíbe presidentes e altos funcionários de emitirem ou lucrarem com criptomoedas. O projeto enfrenta resistência republicana e é ameaçado por brechas no GENIUS Act, proposta bipartidária que pode legalizar justamente esse tipo de atuação privada de agentes públicos no mercado digital. Paul Krugman, em colunas recentes, já alertava para o caráter especulativo e antidemocrático das criptomoedas, comparando o fenômeno a esquemas de pirâmide financeira e alertando para a desconexão entre preços de ativos e fundamentos econômicos. “O que está por trás da valorização da Tesla ou da World Liberty não é inovação, é idolatria. É culto à personalidade transformado em patrimônio digital”, escreveu.

O caso americano, aliás, encontra eco imediato na vizinha Argentina. Em fevereiro de 2025, o presidente Javier Milei promoveu publicamente a criptomoeda $LIBRA em suas redes sociais, provocando uma valorização súbita do ativo, seguida por um colapso que afetou mais de 74 mil investidores e gerou perdas estimadas em 286 milhões de dólares. O episódio, que guarda semelhanças estruturais com a operação da World Liberty Financial, desencadeou mais de 100 denúncias penais contra Milei na Justiça Federal argentina, incluindo acusações de estelionato, associação ilícita e violação dos deveres de funcionário público. No exterior, o escritório Burwick Law ingressou com uma ação coletiva na Suprema Corte de Nova York em nome de investidores prejudicados, embora Milei, até o momento, não figure como réu. Também foram apresentadas denúncias ao FBI e ao Departamento de Justiça dos EUA. Politicamente, o caso reacendeu pedidos de impeachment e fragilizou sua base de apoio no Congresso argentino. Assim como Trump, Milei apostou na fusão entre influência institucional e valorização privada de ativos digitais, e colhe agora o custo ético, jurídico e reputacional dessa aposta.

Nos Estados Unidos, parece que estamos diante de uma economia capturada…. um Judiciário intimidado… uma política externa instrumentalizada para negócios familiares. E um mercado financeiro onde a informação privilegiada, o tráfico de influência e o desmonte de regulações se tornaram a regra. Segundo a CNBC: “58 carteiras ligadas a Trump lucraram mais de US$ 10 milhões com a moeda Meme do Presidente (Aquele do Lute, Lute, Lute). Quase 750 mil investidores perderam dinheiro com ela.” Será que 58 pessoas tiveram acesso a algum tipo de informação privilegiada? Enquanto a grande maioria das pessoas que compraram pequenos valores tiveram prejuízo. Essa é a definição de uma cleptocracia: um número pequeno de pessoas com proximidade ao poder ganha uma quantidade excepcional de dinheiro, enquanto o público em geral perde muito dinheiro.

O auge do escândalo envolvendo o “Trump memecoin” se materializou na convocação de um jantar exclusivo, marcado para 22 de maio de 2025, no “National Golf Club em Washington, D.C.”, onde os 25 maiores compradores da criptomoeda terão acesso a um tour VIP da Casa Branca e uma recepção com o próprio presidente. O evento, amplamente promovido pela plataforma GetTrumpMemes.com, escancara uma modalidade contemporânea de “pay-to-play” em que o acesso ao poder é literalmente convertido em ativos digitais. A prática levanta sérias questões éticas, especialmente diante da possibilidade de investidores estrangeiros entre os maiores detentores do token, muitos deles operando via exchanges offshore. Chamar isso de “conflito de interesse” é um eufemismo que já não basta. As oligarquias vão se definindo nos Estados Unidos Trump 2.0, Big techs, a criptomoeda de “Trump” e, como sempre a corrupção… logo em seguida.

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