Congresso em Foco

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Cúpula da Câmara tomada por manifestantes na noite de 17 de junho de 2013.

Cúpula da Câmara tomada por manifestantes na noite de 17 de junho de 2013.Paula Cinquetti/Agência Senado

Há exatos 12 anos, em uma segunda-feira (17), a Esplanada dos Ministérios foi palco de um dos episódios mais simbólicos e icônicos das chamadas Jornadas de Junho de 2013: a ocupação da marquise do Congresso Nacional por milhares de manifestantes. A cena, transmitida ao vivo para todo o país e amplamente compartilhada nas redes sociais, marcou o momento em que a maior onda de protestos da democracia brasileira, até então, chegou ao coração do poder político nacional.

O estopim das manifestações foi o aumento de R$ 0,20 nas tarifas de ônibus, metrô e trem em São Paulo, no início daquele mês. O Movimento Passe Livre (MPL) organizou os primeiros atos na capital paulista. No começo, os protestos eram pequenos, restritos a poucos quarteirões e com escassa cobertura da imprensa.

Tudo mudou em 13 de junho, quando a Polícia Militar de São Paulo reprimiu com extrema violência uma manifestação no centro da cidade. Mais de 230 pessoas foram presas e pelo menos 17 jornalistas ficaram feridos um deles, o fotógrafo Sérgio Silva, foi atingido por uma bala de borracha disparada pela polícia e perdeu a visão do olho esquerdo. As imagens da repressão correram o país e geraram indignação generalizada.

A partir dali, o que começou como um movimento contra o aumento das tarifas se transformou em algo maior: uma explosão nacional de insatisfação. Manifestações como a ocorrida em Brasília, convocadas pela internet, eram chamadas de “Marcha do Vinagre”, devido ao uso do produto por militantes para se proteger de gases de efeito moral lançados pela polícia.

Principais fatos das manifestações de junho de 2013

Principais fatos das manifestações de junho de 2013Arte Congresso em Foco

A Esplanada como palco

Naquele 17 de junho de 2013, Brasília amanheceu em clima de expectativa. A concentração começou às 16h, no Museu da República, com jovens, estudantes, trabalhadores e famílias carregando faixas e cartazes com críticas ao governo, aos gastos com a Copa do Mundo e à precariedade dos serviços públicos.

Ao longo da tarde, a multidão avançou pela Esplanada dos Ministérios, ocupando todas as faixas do Eixo Monumental. O número de participantes crescia rapidamente. Por volta das 18h, os manifestantes chegaram ao Congresso Nacional.

Mesmo com o bloqueio da Polícia Militar e da segurança legislativa, parte do grupo rompeu o cordão policial e entrou no espelho dágua, enquanto outros começaram a subir as laterais da marquise, acessando as cúpulas da Câmara e do Senado.

De cima do prédio, os manifestantes gritavam “O Congresso é nosso!”, cantavam o Hino Nacional e iluminavam a noite com lanternas e luzes de celulares. Em tom de ironia e desafio, entoavam: “Ih, ferrou! O gigante acordou!”, frase que virou símbolo daqueles dias. Diferentemente do que ocorreria em 8 de janeiro de 2023, não houve apelo por intervenção militar nem pedido de fechamento do Congresso.

Confrontos e tensão

Apesar da tentativa das lideranças da “Marcha do Vinagre” de manter o ato pacífico, houve momentos de confronto. Gás-pimenta, empurrões e choques com a polícia marcaram os momentos mais tensos. Vidros de uma das entradas da Câmara foram quebrados, e a energia elétrica da frente do prédio foi cortada por segurança.

PM do DF foi acionada para impedir a invasão ao Congresso.

PM do DF foi acionada para impedir a invasão ao Congresso.Arthur Monteiro/Agência Senado

Um grupo de parlamentares tentou dialogar com os manifestantes para evitar que a situação fugisse ao controle. Os plenários da Câmara e do Senado foram esvaziados às 19h30, por precaução. Por volta das 20h30, a maior parte dos manifestantes começou a deixar o teto do Congresso de forma pacífica. Os últimos grupos resistiram até próximo da meia-noite.

“A sensação que havia em 17 de junho era a de que as pessoas estavam tomando posse do poder político. Brasília, sempre vista como algo distante e preservado, naquele momento parecia estar sendo ocupada simbolicamente. Havia uma clara percepção de ‘tomada de posse’: as pessoas se sentiam donas de Brasília, do Congresso, das instituições”, lembra o cientista político e professor Leonardo Barreto.

Para ele, essa sensação de ocupação despertada pelas manifestações de junho de 2013 não se concretizou, gerando frustração.

“O que faltou, a partir dali, foi uma agenda de reformas capaz de transformar aquela energia em uma evolução institucional. De certa forma, ainda estamos presos a essa agenda inconclusa. Houve avanços pontuais, como a Lei Anticorrupção, mas depois veio uma reação das próprias instituições, que, em grande parte, não aceitaram as mudanças estruturais”, destacou.

Sem líderes e com pautas difusas

A mobilização em Brasília fazia parte de um movimento nacional que, naquela mesma noite, reuniu 250 mil pessoas em pelo menos 12 capitais, com grandes atos em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre.

As pautas eram múltiplas: reivindicações por transporte público de qualidade, saúde, educação, além de protestos contra a corrupção, os gastos da Copa e a violência policial.

Havia também um forte caráter suprapartidário. Partidos políticos que tentaram se associar aos protestos foram hostilizados em várias cidades, sob o grito de “Sem partido!”.

Além disso, a presença de táticas de enfrentamento como os black blocs, com ações de vandalismo e quebra-quebra, começou a dividir a opinião pública e os próprios manifestantes.

De acordo com a PM do DF, cerca de 5 mil manifestantes participaram do ato.

De acordo com a PM do DF, cerca de 5 mil manifestantes participaram do ato.Arthur Monteiro/Agência Senado

A força das imagens e o impacto político

A imagem das cúpulas do Congresso tomadas por manifestantes, vista de longe com o contraste das luzes na Esplanada, tornou-se um dos grandes ícones visuais das Jornadas de Junho. Aquela noite evidenciou que o país vivia algo muito maior que um protesto pontual.

O movimento seguiu crescendo. Apenas três dias depois, em 20 de junho, o Brasil viveria um dos maiores dias de protestos de sua história recente, com mais de 1 milhão de pessoas nas ruas em mais de 100 cidades.

As manifestações obrigaram autoridades a reagir: prefeituras revogaram os aumentos das tarifas, o Congresso rejeitou a PEC 37, que limitava o poder de investigação do Ministério Público, e o governo federal lançou o programa Mais Médicos, entre outras respostas.

As marcas deixadas por 2013

Passados 12 anos, as Jornadas de Junho seguem sendo tema de debates e análises, com interpretações que vão desde a leitura de um movimento progressista e apartidário até visões que apontam o período como o início de uma fase de intensa polarização política. No ano seguinte, veio a Operação Lava Jato, em 2016, o impeachment de Dilma Rousseff e, em 2018, a eleição de Jair Bolsonaro.

“Entendo que ali ainda não havia uma direita estruturada. Ela foi um produto, não um agente daquele processo”, avalia Leonardo Barreto. “Essa direita só se consolida depois, a partir de 2018. Até então, todo mundo apostava que o Alckmin teria uma eleição tranquila. A orquestração política era o centro tradicional tentando se viabilizar sem o PT. Essa direita que a gente vê hoje se estrutura em torno do Bolsonaro. Ela pega carona nesse fenômeno. Hoje, ela se divide: de um lado, a bolsonarista; de outro, a mais tradicional, que busca se reorganizar”, observa o professor.

Leonardo Barreto:

Leonardo Barreto: “Faltou agenda de reformas capaz de transformar aquela energia em uma evolução institucional”.Arquivo pessoal

Para ele, o processo de fragilização das estruturas políticas, exposto em 2013, ainda persiste, agora potencializado pelas redes sociais.

“Você tem uma política que passa a ser mediada pelas redes, deixando os políticos tradicionais desnorteados. Uma nova geração de políticos emerge desse ambiente. O Nikolas Ferreira é claramente resultado daquela estética. O Kim Kataguiri, o Marcel Van Hattem… Todos têm uma estética oposicionista, antissistema, de redes sociais, com um radicalismo maior nas ideias políticas, fruto direto de 2013. Se pegarmos os rankings dos parlamentares mais ativos nas redes, vamos ver que todos são mais radicais e estão nessa franja ideológica. É um novo tipo de representação”, conclui Barreto.



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