Getúlio Vargas e José Carneiro da Gama Malcher na inauguração do busto de Getúlio Vargas.Coleção Getúlio Vargas – Museu da República/IBRAM GV-IC-FT-004(54)
Em 16 de junho de 1954, a Câmara dos Deputados rejeitou o pedido de impeachment do presidente Getúlio Vargas. Apresentado sob acusações controversas e frágeis do ponto de vista jurídico, o processo não prosperou, mas serviu para alimentar um ambiente de desestabilização institucional. Esse modelo – de uso político do impeachment para enfraquecer governos – voltaria a se repetir em momentos-chave da história brasileira, como na queda de João Goulart e no afastamento de Dilma Rousseff.
O pedido foi protocolado em 1953 pelo deputado Wilson Leite Passos (UDN), com base na recém-aprovada Lei do Impeachment (Lei nº 1.079/1950). Vargas era acusado de crime de responsabilidade por supostamente beneficiar o jornal Última Hora com recursos do Banco do Brasil, além de ser criticado por sua política trabalhista, como o aumento de 100% do salário mínimo, e sua aliança com setores nacionalistas e trabalhistas.
O relatório contrário à denúncia, assinado pelo deputado Vieira Lins (PTB), sustentou que não havia elementos jurídicos que justificassem o afastamento do presidente. Ainda assim, a oposição forçou a votação em plenário. O resultado da sessão de 16 de junho de 1954 foi:
- 136 votos contra o impeachment,
- 35 a favor,
- 40 abstenções.
Mesmo derrotado, o processo ajudou a “criar um clima” de insustentabilidade política. Dois meses depois, sob intensa pressão e após o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, Getúlio Vargas tiraria a própria vida no Palácio do Catete, marcando um dos momentos mais dramáticos da história republicana.
Padrão se repete: da crise de Goulart à queda de Dilma
A instrumentalização política do impeachment observada em 1954 voltaria a ocorrer uma década depois, com o presidente João Goulart. Sem base para um afastamento legal, Goulart foi alvo de acusações semelhantes às que atingiram Vargas: aproximação com sindicatos, defesa de reformas sociais e suposta ameaça à ordem econômica. A pressão culminou no golpe militar de 1964, sem que houvesse qualquer processo constitucional de impedimento. O discurso, no entanto, seguiu o mesmo roteiro: alegações de ilegitimidade, radicalização política e risco institucional.
Em 2016, a presidente Dilma Rousseff foi afastada por impeachment após ser acusada de praticar “pedaladas fiscais” e editar decretos orçamentários sem autorização do Congresso. Juristas e acadêmicos divergem até hoje sobre a existência de crime de responsabilidade. Embora o processo tenha seguido o rito constitucional, parte expressiva da sociedade civil e da classe política interpretou o episódio como uma resposta à crise política, econômica e à perda de apoio parlamentar – e não à prática de um crime claro.
Assim como em 1954 e 1964, o impeachment foi usado como solução política para um impasse institucional, em meio a forte polarização, mobilização midiática e instabilidade econômica.
Os impeachments efetivos: Collor e Dilma
Até hoje, dois presidentes da República foram oficialmente afastados por meio de impeachment:
Fernando Collor de Mello (1992): acusado de corrupção, foi investigado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apurou o esquema liderado por PC Farias. A tramitação seguiu com forte apoio da opinião pública e respaldo jurídico. Collor renunciou antes da votação final no Senado, mas teve os direitos políticos cassados.
Dilma Rousseff (2016): afastada com base em argumentos fiscais que já haviam sido utilizados por outros governos sem questionamento legal. O julgamento dividiu juristas e é frequentemente citado como um caso de impeachment sem crime claro, com forte componente político.
Legado de 1954: quando o impeachment vira ferramenta de pressão
A tentativa de impeachment de Getúlio Vargas inaugurou um padrão recorrente na política brasileira: o uso do processo legal como meio de fragilizar presidentes impopulares ou desalinhados com forças políticas dominantes. Ainda que juridicamente rejeitada, a denúncia contra Vargas cumpriu um papel estratégico no processo de desgaste político, alimentando uma crise que evoluiu para uma ruptura institucional.