Ministro classificou o modelo das plataformas como “nocivo” e defendeu uma revisão urgente da legislação para coibir abusos e proteger direitos constitucionais
Durante julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (12/6), o ministro Alexandre de Moraes fez duras críticas às gigantes da tecnologia, as acusando de impor aos países onde operam um modelo de negócios que classificou como “nocivo e desrespeitoso com as leis nacionais”. O debate gira em torno do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que limita a responsabilização das plataformas por conteúdos postados por terceiros.
No voto, Moraes questionou se essas empresas devem continuar agindo como se estivessem acima das leis locais. “Será que as big techs possuem imunidade territorial e irrestrita de impunidade para práticas de ilícitos civis ou para instigação a esses ilícitos?”, indagou. Para ele, há um claro conflito entre os interesses corporativos e os princípios da Constituição brasileira.
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Dentre uma das falas de grande impacto, está o momento em que Moraes compartilhou uma publicação no X (antigo Twitter) em que um usuário da plataforma comentou uma publicação de outro internauta que comparava a personagem “Senhora dos Absurdos”, do humorista Paulo Gustavo, ao comediante Leo Lins.
Na republicação, a pessoa comentou: “Você é negro e v*ado. Tenho nojo de você”. A postagem continua ativa, segundo apuração do ministro. “Nós também vamos permitir que as big techs, por meio das redes sociais, continuem desrespeitando o artigo 5º, inciso 42, quando estabelece que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível. A publicação é ativa, fiz questão de verificar antes do voto. Como dizer que há dúvidas na rede social que isso é racista? Isso não é liberdade de expressão”, analisou.
Moraes também chamou atenção para a transformação das redes sociais em ferramentas políticas. Segundo ele, as plataformas deixaram de apenas impulsionar o consumo e passaram a influenciar decisões eleitorais. “Além do poder econômico, poderiam adquirir o poder político, o consumidor foi substituído pelo eleitor”, afirmou ele, que já foi presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Ainda durante sua fala, o ministro apresentou conteúdos violentos e discriminatórios que ainda circulam livremente nas redes. Para Moraes, esses exemplos reforçam a urgência de uma regulação mais rígida. “Diuturnamente, as redes sociais, sem qualquer tentativa de auto regulação, desrespeitam o artigo 227 da Constituição também. […] Por que temos que admitir a prática reiterada de crimes por meio das redes sociais sob a falsa alegação de liberdade de expressão?”, alertou duramente o ministro.
Como está o julgamento que discute a responsabilidade civil das plataformas digitais por conteúdos de terceiros
A maioria dos ministros já se posicionou a favor de aumentar as exigências sobre as plataformas digitais. Já votaram nesse sentido os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Gilmar Mendes. Apenas André Mendonça, até agora, defendeu a manutenção da atual regra, que condiciona a responsabilidade à existência de ordem judicial.
O julgamento trata da constitucionalidade do artigo 19, que desde 2014 determina que as empresas só podem ser obrigadas a indenizar danos por conteúdos ofensivos se descumprirem uma ordem judicial de remoção.
Ao final da sessão, ficou evidente que o STF pode antecipar, por meio de sua decisão, parte do conteúdo previsto no travado PL das Fake News, que encontra resistência justamente de representantes das grandes plataformas. A expectativa é que o julgamento defina até onde vai a responsabilidade das empresas a partir do momento em que são notificadas por vítimas de conteúdos ilícitos.
Ainda restam os votos dos ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia e Kassio Nunes Marques para a conclusão do julgamento.