A federação partidária, instituída como mecanismo compensatório após o fim das coligações nas eleições proporcionais, revela-se uma ferramenta essencialmente pragmática, desprovida de qualquer compromisso ideológico ou programático entre os partidos que a compõem. Seu objetivo central resume-se à superação de obstáculos eleitorais, como a cláusula de barreira e o quociente eleitoral, para os partidos menores, e ao aproveitamento mais eficiente das sobras no sistema proporcional, para os maiores. No entanto, longe de representar uma unificação substantiva de projetos políticos, a federação opera como um mero arranjo de conveniência, ampliando bancadas sem qualquer convergência programática – exceto, é claro, nos raros casos em que partidos ideologicamente alinhados se federam.
Apesar de integrarem uma federação, os partidos mantêm intactas suas identidades individuais – siglas, símbolos, programas e estruturas internas -, cedendo apenas no que diz respeito à atuação eleitoral e parlamentar. Essa dualidade entre autonomia partidária e união formal gera uma contradição evidente: enquanto a lei exige que a federação funcione como um partido único no Legislativo, na prática, os agrupamentos seguem atuando de forma fragmentada, disputando cargos e votando conforme interesses particulares. O resultado é uma ficção jurídica que não se materializa em coesão política, revelando o caráter instrumental dessa figura.
A Lei nº 14.208/2021, que alterou a Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/1995), estabelece que as federações devem operar como bancadas únicas no Parlamento, com liderança unificada, distribuição conjunta de cargos e disciplina de voto. No entanto, a realidade é diametralmente oposta. Os partidos federados continuam a negociar individualmente posições nas mesas diretoras, comissões e lideranças, além de frequentemente divergirem em votações cruciais. Essa flexibilidade na prática parlamentar demonstra que a federação não passa de um artifício para burlar as regras do sistema eleitoral, sem qualquer efeito substantivo na organização do trabalho legislativo.
Câmara dos Deputados.Rubens Chaves/Folhapress
A ausência de coerência programática entre os partidos federados agrava-se pela falta de mecanismos de fiscalização e penalização por descumprimento das regras de atuação conjunta. Enquanto a legislação prevê a possibilidade de perda de mandato por infidelidade partidária, não há sanções equivalentes para partidos que desrespeitam os acordos da federação. Essa lacuna, embora não exista ainda nenhum caso concreto, permite que siglas antagônicas – como partidos progressistas e conservadores – se unam temporariamente por uma legislatura para ampliar suas bancadas, sem que isso implique em convergência de agendas ou valores. O Parlamento, assim, transforma-se num palco de alianças voláteis, onde a fidelidade ideológica é substituída pelo cálculo eleitoral.
Se no Legislativo a federação é uma mera formalidade, no campo eleitoral as regras são mais rígidas – ainda que insuficientes para garantir unidade política. Os partidos federados são obrigados a apresentar listas únicas de candidatos a deputados e vereadores, além de dividir recursos do Fundo Eleitoral e tempo de propaganda. No entanto, essa suposta integração esconde uma disputa interna por espaço e financiamento, onde cada sigla busca maximizar seus próprios interesses. A distribuição de recursos, por exemplo, frequentemente gera conflitos, já que partidos maiores tendem a dominar as negociações em detrimento dos menores.
O horário eleitoral gratuito, outro pilar da suposta união, também reflete essa contradição. Embora os partidos estejam tecnicamente unidos sob uma mesma federação, suas propagandas muitas vezes destacam agendas divergentes ou mesmo antagônicas. Um partido progressista federado com um partido conservador, por exemplo, dificilmente apresentará uma mensagem coerente ao eleitorado, expondo a fragilidade programática do modelo. O eleitor, assim, fica sem referências claras sobre o que de fato representa a federação, já que esta não se traduz em um projeto político unificado.
A federação partidária, em sua forma atual, é um sintoma da degradação do sistema político brasileiro, onde a sobrevivência eleitoral prevalece sobre o debate programático. Ao permitir que partidos sem afinidades ideológicas se unam apenas para aumentar suas bancadas, o modelo aprofunda o divórcio entre representantes e representados, já que o eleitor vota em uma chapa que não corresponde a nenhuma unidade real de propostas. A exceção fica por conta das federações ideológicas, que, por sua raridade, apenas confirmam a regra.
Se o objetivo era substituir as coligações proporcionais sem perder a fragmentação partidária, o modelo atual cumpre seu papel. Mas se a expectativa era fortalecer a organicidade partidária e a clareza programática, a federação mostrou-se um fracasso. Enquanto não houver exigência de convergência ideológica mínima entre os partidos federados, esse instrumento seguirá sendo uma peça de engrenagem eleitoreira, e não um mecanismo de fortalecimento democrático.
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