Por mais que o Brasil avance em políticas de inclusão, ainda enfrentamos barreiras profundas quando se trata de representatividade verdadeira. A eleição de Samir Xaud à presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) escancarou um problema tão antigo quanto o próprio país: o preconceito contra lideranças que não pertencem ao eixo Sul-Sudeste, especialmente aquelas vindas do Norte e Nordeste.
Samir Xaud é candidato único na eleição à presidência da CBF neste domingo.Divulgação/FRF
Xaud, 41 anos, é médico infectologista e especialista em medicina esportiva. Também é dirigente esportivo, empresário e gestor público com formação em Gestão do Futebol pela Federação Paulista e pelo CBF Academy. Em Roraima, impactou positivamente o futebol local ao promover torneios femininos, categorias de base e atrair o público de volta aos estádios. Sua candidatura à presidência da CBF surgiu de um trabalho técnico, respaldado por um perfil agregador e resultados que garantiram o apoio de quase todas as federações estaduais. Ainda assim, tem sido alvo de desconfiança e desdém por parte de setores da grande imprensa e de clubes que insistem em tratar com inferioridade tudo o que vem de fora do eixo tradicional do futebol brasileiro.
Esse tipo de resistência não é novo. Trata-se de um preconceito estrutural, silencioso e persistente, que opera com a mesma lógica do racismo ambos negam oportunidades e reduzem trajetórias a estigmas. Nos estádios, a luta contra o racismo tem mobilizado campanhas, ações e punições. Por que, então, o preconceito regional ainda é tratado com naturalidade? Por que ainda é socialmente aceitável menosprezar alguém por seu sotaque, origem ou CEP?
A história é cruelmente repetitiva. Quando Gilberto Gil assumiu o Ministério da Cultura, enfrentou uma onda de desdém por ser um artista baiano negro. Marina Silva, acreana e de origem humilde, foi diversas vezes subestimada. No futebol, o técnico Antônio Dumas, da Bahia, comandou seleções africanas com sucesso, mas nunca teve espaço proporcional no Brasil. O mesmo acontece agora com Samir Xaud: o preconceito velado tenta desqualificar sua competência com base única e exclusivamente em sua origem geográfica.
Estamos a 13 meses da Copa do Mundo masculina e a menos de dois anos da edição feminina, que será disputada no Brasil. A CBF precisa de estabilidade, planejamento e compromisso com o futebol em todas as suas dimensões. Profissionalização da arbitragem, fortalecimento do futebol feminino, valorização das categorias de base e respeito à diversidade regional são pautas urgentes e fazem parte da agenda de Xaud. Negar-lhe a legitimidade é mais do que uma injustiça; é uma sabotagem ao desenvolvimento do futebol.
A eleição de Samir Xaud representa uma chance de modernizar a CBF não apenas na gestão, mas também no espírito. O preconceito regional, assim como o racismo, é uma forma de exclusão que adoece a nossa democracia esportiva. Combater essa chaga significa abrir espaço para a verdadeira representatividade e garantir que o futebol seja, de fato, um esporte de todos e não apenas de alguns.
O Norte e o Nordeste não são margens da história. São centros de cultura, talento e paixão. Ignorar suas vozes é ignorar o próprio Brasil. Que a chegada de Samir Xaud à presidência da CBF seja o ponto de virada para um futebol mais justo, inclusivo e verdadeiramente nacional. Seja um ponto de inflexão que ajude na reconexão do brasileiro com a seleção, no despertar da paixão de milhões de meninos e meninas que, por meio do futebol, poderão voltar a sonhar com uma vida melhor.
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