Câncer de colo do útero: o diagnóstico precoce pode salvar não só a vida como a fertilidade

Câncer de colo do útero: o diagnóstico precoce pode salvar não só a vida como a fertilidade


O rastreamento adequado permite tratamentos menos agressivos e preserva o sonho da maternidade

FreepikMédico de vista frontal segurando o modelo anatômico
Câncer de colo do útero é o terceiro tumor maligno mais comum entre as mulheres brasileiras

O câncer do colo do útero é um tumor (multiplicação anormal das células) que se desenvolve na parte inferior do útero, chamada “colo”, que fica no fundo da vagina. Esse câncer ainda é uma realidade preocupante no Brasil, pois, apesar de ser altamente prevenível e tratável quando diagnosticado precocemente, continua afetando milhares de mulheres todos os anos, muitas delas em idade fértil, com o sonho da maternidade ainda por realizar.

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o câncer de colo do útero é o terceiro tumor maligno mais comum entre as mulheres brasileiras, atrás apenas do câncer de mama e do colorretal, ou seja, é um problema de saúde pública. Estima-se que mais de 17 mil novos casos sejam diagnosticados anualmente no Brasil. Afeta cerca de meio milhão de mulheres a cada ano no mundo, com a maior parte ocorrendo antes dos 50 anos. Esse tipo de câncer é causado, em sua maioria, por infecção persistente pelo Papilomavírus Humano (HPV), especialmente os tipos 16 e 18, que podem ser transmitidos durante a relação sexual. Mulheres que fumam têm maior chance de ter câncer do colo do útero, pois o fumo facilita a infecção pelo vírus.

Na maioria dos casos, o câncer do colo do útero não causa sintomas em seus estágios iniciais. Por isso, é tão importante manter os exames de rotina em dia. Com a evolução do tumor, podem surgir sintomas e sinais, tais como: sangramentos fora do período menstrual, dor pélvica e secreção vaginal anormal. Esses sintomas, por serem comuns também a outras condições ginecológicas, muitas vezes passam despercebidos. Porém, é fundamental que a mulher procure um médico ao notar qualquer alteração como essas descritas.

A boa notícia é que, quando detectado precocemente, as chances de cura chegam a 90%, além de permitir abordagens terapêuticas que preservam o útero e os ovários, mantendo o potencial reprodutivo da mulher.

Papanicolau e alternativas de tratamento

O exame que faz o diagnóstico precoce recebe o nome de Papanicolau. É simples e rápido, podendo detectar lesões antes mesmo que se tornem cancerosas. A recomendação é que seja realizado anualmente a partir dos 25 anos, ou mesmo antes, se a mulher já tiver iniciado vida sexual, pois essa é a principal forma de contaminação pelo vírus HPV. A triagem regular permite identificar alterações iniciais no colo do útero, muitas vezes assintomáticas, que podem ser tratadas de forma menos invasiva. Para realizar o exame, o ideal é não estar durante o ciclo menstrual e nem ter tido relação sexual ou feito uso de duchas ou lubrificantes vaginais nas 24 horas anteriores à coleta do material.

O estadiamento do câncer do colo do útero vai do estágio 0 (lesão pré-cancerosa) até o estágio IV (doença avançada) e é essencial para definir o tipo de tratamento.

Em casos iniciais, é possível realizar procedimentos menos agressivos, como:

  • Conização cervical: remoção de parte do colo do útero, indicada em lesões pré-invasivas ou microinvasivas.
  • Traquelectomia radical: retira-se todo o colo do útero, preservando o corpo uterino, indicada para tumores pequenos em mulheres que desejam engravidar.
  • Histerectomia total: retirada completa do útero.

Nos casos mais avançados, a indicação é de cirurgias e tratamentos mais radicais, como:

  • Histerectomia ampliada (Wertheim-Meigs): remoção do colo e do corpo uterinos, acompanhada da retirada da parte superior da vagina, dos tecidos ao redor do colo (paramétrios) e dos linfonodos no interior da bacia.
  • Quimioterapia e radioterapia com preservação ovariana: muitas vezes, é possível proteger os ovários de danos durante o tratamento com técnicas específicas, como a transposição ovariana.

Tanto nos casos iniciais quanto nos avançados, as cirurgias podem ser realizadas por videolaparoscopia, assim como por meio da técnica robótica, que traz mais precisão, menor trauma cirúrgico e recuperação mais rápida.

Fertilidade, preservação e prevenção

A abordagem da fertilidade em mulheres com diagnóstico de câncer de colo do útero deve fazer parte da estratégia terapêutica, especialmente quando se trata de pacientes em idade reprodutiva que ainda não têm filhos ou que desejam futuras gestações.

É fundamental que, antes do início do tratamento oncológico — seja ele cirúrgico, radioterápico ou quimioterápico —, as pacientes sejam informadas dos potenciais efeitos deletérios dessas terapias sobre o sistema reprodutor feminino. Intervenções como histerectomia, radioterapia pélvica e agentes quimioterápicos citotóxicos podem comprometer irreversivelmente a função ovariana e uterina.

Nesses casos, técnicas de preservação da fertilidade, como o congelamento de óvulos ou embriões, devem ser consideradas. A criopreservação pode ser realizada em um ciclo de estimulação ovariana com duração média de 10 a 15 dias, tempo considerado seguro segundo evidências recentes, sem impacto negativo sobre o prognóstico ou a eficácia do tratamento oncológico.

Além do aspecto médico, a possibilidade de preservar a fertilidade representa um cuidado ampliado, que respeita a autonomia da paciente e protege seus projetos de vida. Por isso, é imprescindível que a equipe multidisciplinar envolvida no tratamento oncológico ofereça aconselhamento reprodutivo oncológico individualizado, considerando o estágio da doença, o tempo disponível antes do início do tratamento e os desejos da paciente em relação à maternidade futura.

Como fazer a prevenção do câncer de colo do útero:

  1. Ampliação do acesso ao exame preventivo.
  2. O uso do preservativo contribui para reduzir a transmissão do HPV. Essa proteção não é total, pois o vírus passa no contato íntimo durante as relações sexuais, mesmo sem penetração e entre pessoas do mesmo sexo.
  3. Campanhas de vacinação contra o HPV: a vacina protege contra os principais tipos de vírus causadores do câncer do colo do útero, mas não todos. Portanto, mesmo vacinada, é necessário que a mulher faça o exame preventivo na idade recomendada. A vacinação deve iniciar em meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos, pois a proteção nesses grupos é maior do que em adultos.

A mensagem final: prevenir, diagnosticar e cuidar com empatia. Cuidar da saúde ginecológica é um ato de amor próprio. O câncer de colo do útero tem cura, e muitas vezes, o tratamento pode ser feito sem impedir os planos de ser mãe. A informação salva vidas, e o acolhimento pode transformar trajetórias.

Maria Cecília Erthal (CRM 408660 RJ – RQE 30301
Médica especialista em Reprodução Assistida e membro da Brazil Health





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