O principal problema que Donald Trump enfrenta no segundo mandato é que a dívida interna está muito maior do que há oito anos. Já ultrapassa 100% do PIB, como era no fim da Segunda Guerra Mundial. E os pagamentos de juros estão consumindo uma fatia crescente do orçamento federal. Na verdade, os juros já superam o orçamento de defesa pela primeira vez em muito, muito tempo. No ajuste fiscal, nada foi feito até agora.
Donald Trump costuma apelidar suas criações com entusiasmo hiperbólico. Chamou o paredão na fronteira sul com o México de grande e linda parede. Ao orçamento aprovado pela Comissão de Orçamento da Câmara em 18 de maio de 2025, deu o mesmo tratamento: Big, beautiful bill. Mas por trás do slogan inflado está um pacote orçamentário de mais de 1.100 páginas que não apenas redesenha a estrutura fiscal dos Estados Unidos, como o faz por vias cada vez menos democráticas.
Protesto contra medidas econômicas e sociais do governo Donald Trump no Dia dos Trabalhadores em Nova York.Victor M. Matos/Thenews2/Folhapress
Este artigo analisa o megabill de 2025, possivelmente o maior ataque coordenado aos programas sociais americanos em décadas e o instrumento legislativo que o viabiliza: a reconciliação orçamentária. Criado em 1974 pelo Congressional Budget Act, esse mecanismo foi idealizado para permitir ajustes pontuais nas contas públicas, autorizando que projetos que afetam despesas, receitas e o déficit sejam aprovados por maioria simples no Senado, sem necessidade de vencer o filibuster, a tradicional obstrução parlamentar da minoria. Vários presidentes americanos já utilizaram o instrumento para ajustes técnicos, mas nunca claramente nas reformas mais estruturais, na medida que este uso distorceria o papel do Congresso. Em teoria, seria um instrumento técnico de equilíbrio fiscal. Na prática, com Trump, tornou-se um atalho legislativo para impor reformas estruturais sem debate público.
O megabill de Trump concentra três pilares: cortes de impostos, expansão do aparato punitivo (defesa e imigração), e cortes em programas sociais. Entre os principais pontos estão:
- Cortes de impostos da era Trump tornados permanentes, com custo projetado de US$ 3,5 trilhões até 2035;
- Isenção de impostos sobre gorjetas e horas extras, com impacto de US$ 480 bilhões, beneficiando setores de informalidade;
- Cortes de mais de US$ 700 bilhões no Medicaid e no SNAP (Programa de Assistência Nuticional suplementer tíquetes alimentares), afetando entre 14 e 20 milhões de pessoas;
- Exclusão de imigrantes (inclusive legais) de benefícios federais, mesmo em famílias mistas;
- Revogação dos créditos verdes da era Biden, desincentivando a transição energética;
- Aumento de US$ 430 bilhões em gastos com defesa e segurança de fronteira, consolidando a prioridade militar do governo;
- Manutenção de isenções sobre heranças e lucros no exterior, favorecendo grandes corporações e fortunas familiares.
Apesar do discurso de austeridade, o Congressional Budget Office estima que o pacote aumentará o déficit em US$ 2,8 trilhões, elevando a dívida pública para 127% do PIB até 2035. O economista Paul Krugman, ganhador do Prêmio Nobel em 2008, foi direto: Os republicanos não se importam com o déficit. A retórica fiscal é apenas uma arma para atacar seus oponentes.
Os cortes em saúde e assistência não são uma necessidade orçamentária, são um gesto ideológico, a crueldade é o ponto. O projeto exige que beneficiários do Medicaid provem estar empregados, mesmo que a maioria já esteja ou não possa trabalhar por idade, deficiência ou cuidado de filhos. A medida cria barreiras administrativas deliberadas, excluindo milhões que não conse guem comprovar formalmente seu trabalho informal. É uma lógica perversa de não é que você não mereça ajuda, é que você não preencheu o formulário certo. A burocracia é transformada em ferramenta de exclusão.
A big beautiful bill é um manual de política MAGA em forma de orçamento. Recompensa rentistas, penaliza trabalhadores, enfraquece os direitos sociais e fortalece o aparato de segurança. Tudo isso sob a proteção da legalidade, mas à revelia do pacto democrático. Com o uso da reconciliação orçamentária. A minoria democrata no Senado foi reduzida a espectadora. O tempo de debate caiu para 20 horas. Nenhuma emenda substancial foi aceita. O Senado, concebido como casa do equilíbrio, virou correia de transmissão de uma maioria temporária, mas radicalizada.
Como escreveu o economista George Saravelos, do Deutsche Bank, a rigidez do processo fiscal norte-americano consolida déficits muito altos e deixa o mercado muito nervoso. A Moodys rebaixou a nota dos EUA. O dólar caiu. Os títulos do Tesouro perderam fôlego. O Walmart anunciou aumento de preços por causa das tarifas. Trump respondeu: ABSORVA AS TARIFAS.
O megabill não é um projeto de sociedade, mais desigual, punitiva e capturada. Sob Trump, a reconciliação orçamentária deixou de ser um dispositivo técnico e virou trincheira ideológica que esvazia o Congresso, desidrata a proteção social e desfigura o que resta do Estado de bem-estar americano. Chamá-lo de grande e lindo é parte da farsa. Porque o que se ergue, na prática, é um Estado cada vez mais brutal… e menos democrático.
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