Informações do Ministério da Gestão, antes baixadas livremente, agora dependem de pedidos via Lei de Acesso; órgão prepara solução
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) restringiu o acesso a 16 milhões de documentos antes disponíveis para download na plataforma Transferegov. Depois de acusações de falta de transparência, a equipe do petista disse que iria criar uma solução para liberar as informações. Só que a ação deve levar meses.
A plataforma Transferegov é administrada pelo Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. O órgão diz que parou de liberar a cópia dos documentos no site porque muitos tinham conteúdo protegido pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), como endereço e telefone.
A forma de colocar os documentos públicos de volta para download é pela anonimização –quando só os dados pessoais são ocultados. A Gestão diz que trabalha em uma ferramenta que faça isso de forma automatizada.
Nos bastidores, o próprio órgão reconhece que o trabalho deve demorar por se tratar de um volume muito grande de informações, alguns que datam da década de 2000.
Diretora de Programas da organização Transparência Brasil e articulista do Poder360, Marina Atoji diz que a solução deve demorar ao menos 6 meses para ficar pronta, se considerado um cenário “otimista”.
“Já faz 1 ano que estamos com esse problema, com essa restrição de acesso a informações. O dano é bastante grande. Vai demorar. Será, em uma previsão otimista, uns 6 meses para ter uma solução que dê conta desse passivo”, declara a especialista.
Entre os documentos restritos estão:
- termos de convênios com ONGs (Organizações Não Governamentais);
- notas fiscais e relatórios de prestação de contas;
- dados de empresas contratadas para obras públicas;
- informações sobre emendas de congressistas, incluindo as ligadas ao chamado “orçamento secreto”.
Marina afirma que a medida que restringiu os downloads está em vigor desde maio de 2024. Ela já havia comentado o assunto em um artigo de opinião que escreveu em setembro.
Atualmente, os documentos dependem de pedidos de Lei de Acesso para serem disponibilizados. É o que se chama de “transparência passiva”.
Na prática, foi inserida uma etapa a mais para a liberação das informações:
- como era – o cidadão poderia entrar no Transferegov, procurar o que queria e baixar em seu dispositivo;
- como ficou – é necessário protocolar um pedido na plataforma Falabr e esperar o prazo legal de 20 dias –que podem ser prorrogados.
“Sobre a transparência passiva, é o mínimo que devem fazer mesmo. Mas não é uma solução para a questão, porque gera um ônus para a obtenção de informações de interesse público que antes não existia”, declara Marina Atoji.
“CULPA” DA AGU
O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos diz que a restrição veio por causa de um parecer da AGU (Advocacia Geral da União) sobre o tema. O documento diz o seguinte:
“Recomenda-se que não constem os números de documentos pessoais das pessoas naturais que irão assiná-los, como ocorre normalmente com os representantes da Administração e da empresa contratada”
A recomendação é fruto de uma consulta realizada pelos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente. A Gestão utilizou a interpretação livremente para a elaboração da medida relacionada ao Tranferegov. Eis a íntegra do parecer (PDF – 361 kB).
Agora, segundo o ministério, o objetivo é achar um meio-termo entre a transparência e a proteção dos dados.
“O Ministério da Gestão e Inovação está trabalhando em um processo de compatibilização entre o que dispõe a Lei de Acesso à Informação e o que dispõe a Lei Geral de Proteção de Dados para que a pasta possa atender o que ambas as legislações pedem e, assim, conseguir disponibilizar de maneira ativa todos os documentos”, diz o órgão em nota enviada ao Poder360. Eis a íntegra (PDF – 78 kB).
Já a AGU diz estar em contato com a Gestão para prestar assessoramento jurídico e “para que as informações pessoais, conforme determina a LGPD, sejam tornadas anônimas”. Leia o posicionamento da advocacia geral (PDF – 30 kB).
Outros entes já pediram esclarecimento. O MPTCU (Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União) apresentou uma representação na 2ª feira (19.mai) para o governo suspender imediatamente a restrição de acesso aos 16 milhões de documentos.
Marina Atoji avalia que a limitação ao acesso pela Gestão foi “desproporcional”. Para ela, pareceu mais uma interpretação adiantada de algo que poderia dar um problema do que uma preocupação genuína.
“O MGI não mostrou até agora, dentre todos esses documentos que restringiram o acesso, qual é a proporção que realmente vai ter o risco ou uma alta probabilidade de ter dados pessoais que devem ser protegidos”, diz.
CGU MINIMIZA
O Poder360 também pediu um posicionamento da CGU (Controladoria Geral da União) sobre o caso. Uma das funções do órgão é promover a transparência. A nota enviada a este jornal digital minimiza a restrição dos documentos para download.
“As informações continuam disponíveis mediante transparência passiva (via pedidos de acesso), permitindo que o tratamento documental ocorra conforme a demanda. Tal estratégia pode ser necessária diante de um grande volume de documentos a serem analisados”, diz o texto. Eis a íntegra (PDF –69 kB).
A CGU também assina a representação que baseia a restrição do Ministério da Gestão. Disse estar em contato com o resto do governo para desenvolver a solução.
Marina Atoji analisou a nota enviada pela controladoria. Para ela, o texto “mostra que houve um alinhamento interno para abordar o tema sem que a CGU contradiga ou constranja o MGI em público”.
LULA QUERIA TRANSPARÊNCIA
O presidente fez duras críticas a Jair Bolsonaro (PL) ao dizer que o ex-presidente foi contra a transparência em seu governo. As falas vêm desde a campanha eleitoral de 2022.
Já depois de ter tomado posse, o petista disse em maio de 2023 que a Lei de Acesso havia sido “estuprada” pelos antecessores. O chefe do Executivo afirmou à época que a atualização da lei e de decretos que a regulamentam recuperariam “essa criança”.
Assista (57s):