Ativistas debatem resistência digital diante de IA e plataformização

Ativistas debatem resistência digital diante de IA e plataformização


Um dos maiores encontros sobre privacidade e segurança do mundo, a CryptoRave ocupou neste final de semana os saguões e auditórios da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo. Os debates mostraram o potencial de articulação de comunidades quilombolas e indígenas.

Sophie Toupin, professora assistente do Departamento de Informação e Comunicação da Universidade Laval, no Quebec, Canadá, esteve à frente de um workshop que abordou práticas de resistência digital. Ela enumerou alguns aspectos que caracterizam esse tipo de posicionamento, esclarecendo que podem ser reprovações ao tecnofascismo, à plataformização e comercialização da internet.

A resistência digital, conforme explicou a canadense, pode também ser uma forma de se erguer contra as condições em que trabalham profissionais dessas plataformas e os que manejam inteligência artificial (IA) e contra mega data centers, o uso de recursos para fins militares e coloniais. Outra utilização rechaçada por quem adere a esse tipo de resistência diz respeito ao vigilantismo digital.

“Pessoas de todo o mundo enviaram cartões aos palestinos, para que pudessem usar a internet em Gaza e contatar parentes, independentemente de onde estivessem. É uma iniciativa incrível, que começou fora de Gaza. Nós, ativistas, precisamos continuar pensando em formas originais de oferecer apoio”, disse Sophie, em entrevista à Agência Brasil.

A pesquisadora adiciona que uma situação recorrente entre jornalistas que cobrem o morticínio de palestinos é o que se chama de shadow banning, que é quando uma plataforma online restringe ou mesmo oculta o conteúdo de um usuário sem notificá-lo. Isso tem acontecido quando os jornalistas fazem live streamings, ou seja, transmissões ao vivo dos acontecimentos.

“Sem esses jornalistas, acho que o mundo não saberia que esse genocídio está ocorrendo”, reconhece ela, acrescentando que sustentar as veiculações é uma vitória, mas que, inclusive, manter-se vivo nesse contexto, que implica diversos riscos, é algo grandioso e uma forma de resistência também.

Comunidades

No maior território quilombola do Brasil, o Kalunga, que já tem mais de 200 anos e fica na Chapada dos Veadeiros, Goiás, a resistência digital já se consolidou. TC Silva (foto), músico, fundador da Casa de Cultura Tainã, de Campinas (SP), e militante do Movimento Negro Unificado, contou que, com muitas obstinação, a comunidade conquistou um data center local e acesso à internet.

O sistema exigiu uma bateria de 60 quilos, placas solares e a instalação de uma antena de 13 metros, em um pico de 1,3 mil metros de altura, que se comunica com uma outra, situada a 32 quilômetros. “Pode estar acessando a rede mundial, a internet, ou só circulando dentro dessa infraestrutura do território”, explicou Silva, que divulgou, da Rede Mocambos.

Uma barreira que TC Silva e outros ativistas têm tido que vencer é, diz ele, a tradição de editais. Para ele, essa forma que se convencionou para obter recursos financeiros para projetos como os que ele desenvolve com outras pessoas é excludente e não garante o direito de todos. “Edital não desenvolve consciência”, afirma. 

“Só apoiam as coisas que nascem nos gabinetes”, complementa o mobilizador social, que não vê abertura para projetos concebidos pelas comunidades.

Dividindo a mesa de abertura com TC Silva, a indígena p’urhépecha Yunuen Torres Ascencio sublinhou que sua comunidade, em Cherán, no México, é marcada pelo protagonismo feminino e rejeitou esquemas tradicionais, com partidos, políticos e governos: “Deve-se pensar a tecnologia a partir do que pensa a comunidade.”

Inteligência artificial

Uma das responsáveis pela organização da CryptoRave, a cientista social e educadora Maraiza Adami levantou um componente que pode explicar parte da descrença em determinados prognósticos, sobretudo, quando o tema é inteligência artificial. 

“Há sentenças, nos últimos anos, de que as IAs vão dominar tudo, vai haver declínio de emprego, o ser humano está perdendo sua capacidade de interpretar coisas e que a IA vai fazer para a gente. Que a gente não vai ter mais produção artística, porque a IA vai fazer melhor”, afirma ela, que é bacharela em Sistemas de Informação pela Universidade de São Paulo (USP) e mestranda em Ciências humana na Universidade Federal do ABC (UFABC), com foco, em suas pesquisas, nas implicações sociotécnicas das tecnologias.

“Algo que é muito da imprensa, mas também de uma área da tecnologia, do Vale do Silício, que está prometendo muito com a IA, quase a construção de uma nova inteligência em detrimento dos humanos. E a gente acha que isso não vai acontecer.”



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