Com temperaturas elevadas, chuvas torrenciais e secas intensas, as mudanças climáticas impactam a fauna, a flora e a vida humana. A população brasileira sente esses efeitos no acesso a necessidades básicas como saneamento básico, moradia e, principalmente, a alimentação.
De 2012 a 2024, o preço das frutas subiu 299% e das hortaliças, 246%, segundo o Ibre (Instituto Brasileiro de Economia). Já a produção de feijão por habitante caiu 20%, e a de arroz, 22%. Os preços elevados e a baixa produção comprometem o acesso à comida, principalmente para os mais pobres.
O engenheiro agrônomo João Nunes Carvalho, do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), explica que o aumento dos preços e a dificuldade de produção dos alimentos se deve a um conjunto de fatores que engloba as mudanças climáticas, mas também tecnologia, economia e distribuição. “A ciência sabe o que fazer. Mas esbarramos em desafios econômicos, pois fomos criados à base de petróleo. Precisamos mudar”, afirma o engenheiro.
O agricultor Denis Parreira, de Aguaí, que produz laranja, soja e cana-de-açúcar, relata instabilidade nas colheitas.
“O clima está cada vez mais instável. E com o calor aumentando, nossas produções estão sendo afetadas”, diz.
Uma das estratégias adotadas por Denis foi adaptar-se a novas tecnologias, o que acabou impactando o custo da produção.
Para o economista Walter Belik, pesquisador e professor da Unicamp (Universidade Estadual de campinas), a alta nos preços agrava a insegurança alimentar e a má nutrição. “A grande preocupação com o preço dos alimentos é que a população substitui os alimentos frescos, de ciclo curto, que estão custando mais caro por um alimento não tão saudável, um ultraprocessado”, argumenta. Belik também alerta para o desperdício doméstico e recomenda mais atenção ao armazenamento dos alimentos e datas de validade.
Combater o problema das condições climáticas e da insegurança alimentar já é uma realidade presente em diversas cidades brasileiras. E isso só tem sido possível por meio de políticas públicas e principalmente de iniciativas do terceiro setor.
Cozinhas solidárias: comida e conscientização

Com a volta do Brasil ao Mapa da Fome entre 2019 e 2022, projetos como a Cozinha Solidária São Marcos, em Campinas, têm um papel essencial no cotidiano de pessoas de baixa renda. Criada na pandemia, a iniciativa atende cerca de 500 pessoas por dia, entre mães solo, autônomos, migrantes e refugiados.
“Só a cesta básica não basta. Falta proteína, verdura, fruta. A fome é também falta de alimento de verdade”, afirma o padre Antônio Alves, idealizador do projeto. Com diversas ações formativas, oficinas e até um projeto de alfabetização, a Cozinha São Marcos é um local de transformação social.
A cozinha prepara os pratos com alimentos da própria horta agroecológica e de parceiros como o acampamento Marielle Vive, do MST, localizado na cidade de Valinhos, que também dispõe de cozinheiras voluntárias para o projeto. A coordenadora Márcia Molina reforça: “Aqui não tem veneno. A comida é de verdade”.
Umas das dificuldades na hora de pensar o cardápio do dia é o alto custo das proteínas. Quando não há carne ou ovos, as cozinheiras usam ora-pró-nobis e batata doce, mantendo a comida nutritiva.
“Quando o mercado encarece tudo, é a sabedoria popular e a agricultura familiar que nos salva”, assume o Padre Antônio.
Dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome comprovam o funcionamento de 2 mil cozinhas solidárias no país. Em Araraquara, existe a Cozinha Popular Solidária Oitis, que distribui mais de cem marmitas por dia no Residencial dos Oitis.
Já em Ribeirão Preto, a ONG Reação possui uma cozinha comunitária que atende eventualmente toda a periferia da cidade e de forma fixa os bairros da zona oeste. Segundo Henrique Brito, fundador da ONG, o projeto já serviu 520 mil refeições durante a pandemia e hoje soma um milhão de refeições distribuídas em cinco anos.
Hortas comunitárias: vizinhança e terra fértil

A horta urbana do Jardim Florence em Campinas é um dos maiores exemplos de parceria e sustentabilidade da região. O projeto é coordenado pela prefeitura em colaboração com a Fundação FEAC e o negócio de impacto social Pé de Feijão.
O espaço da horta, que até julho de 2023 era abandonado, agora reúne 150 espécies plantadas, incluindo hortaliças, frutas e medicinais. Parte da produção é dividida entre os 14 moradores que cuidam da horta e o excedente é vendido a preços populares para a comunidade.
“Tudo aqui é agroecológico, sem veneno.” diz Mariana Maia, coordenadora municipal do projeto. Além de prover alimentos, a horta urbana do Jardim Florence combate o calor extremo, diminuindo a temperatura local em até sete temperaturas. “Elas reduzem a temperatura local, ajudam no escoamento das chuvas e promovem biodiversidade”, ela afirma. A compostagem também é outro diferencial.
Campinas tem 207 hortas urbanas. Entre elas, está a rede de hortas coordenada por Juarez Bispo Mateus, na região dos Amarais. Presidente da Associação de Idosos e voluntário no Grupo de Trabalho de Hortas da Cozinha Solidária São Marcos, ele acredita que a agricultura familiar é a chave para combater a fome. “Quem tem um pedaço de terra não passa fome. Plantar é autonomia”, diz Juarez.
A Secretaria de Agricultura de Araraquara também investe em hortas comunitárias. A Horta Comunitária São Rafael, no bairro Jardim Indaia, é um exemplo. O projeto, liderado por mulheres, produz hortaliças e outros alimentos, que são vendidos para a comunidade. A horta possui também a iniciativa “Escola na Horta”, em que alunos de diversos colégios da região são convidados a conhecer o projeto, plantar, colher e levar para casa alimentos frescos produzidos sem agrotóxicos.
S.O.S Mudanças Climáticas
S.O.S Mudanças Climáticas é um projeto multimídia do acidade on, em parceria com professores e alunos da Faculdade de Jornalismo e Curso de Mídias Digitais da PUC-Campinas. Os conteúdos buscam explicar como as mudanças climáticas afetam o cotidiano das pessoas no interior de São Paulo e têm como propósito ajudá-las a se preparar melhor para enfrentar essa crise.
Esta matéria foi feita pelos alunos da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas: Nicole Gonçalves, Isabela Ribeiro de Meletti, Fayollah Jamilly de Souza, Lizandra Kelly de Lima, Ana Beatriz Silveira e Johnny Pereira de Lima Filho, com apoio dos alunos do Curso de Mídias Digitais: Ana Paula Rodrigues Benjamin Ramos, Beatriz Franchito Zaguetti, Gabriel Souza Ferri, Giovanna de Moraes Bras Gil e Isabela Koike Rosa, para o componente curricular do Projeto Integrador, sob supervisão da professora Amanda Artioli e edição de Leonardo Oliveira.