Aprendemos cedo na vida: tudo tem limite. Nossas famílias tentam impor isso logo, mas tem adulto que não aprendeu, ou que tomou tanta negativa que envelhece descontrolado para além do razoável isso não é privação, é ausência de maturidade e incapacidade de autocontrole. É assim com o cartão de crédito, com as dívidas, com a infidelidade, com o álcool, com a comida, com o jogo, com a intolerância, com as liberdades em geral etc. Quem não aprendeu a ter limite, ou se indignava com ele na infância, descontrola.
Cúpulas dos plenários da Câmara e do SenadoAna Volpe/Agência Senado
Os nobres, em boa medida, também são assim aqui menos pela imaturidade e mais pela forma como são tradicionalmente (mal) educados. E deixemos de lado o domínio da etiqueta, não é sobre isso que falo aqui. A burguesia não se insurgiu contra as cortes à toa: bastava uma demanda nova, um desejo débil de estimação e os impostos subiam. Pagavam os burgueses, pagava parte do povo também. Foi assim que alguns reis perderam a cabeça na guilhotina e outros a importância política, e logo as revoluções trouxeram o espírito republicano.
Para o jurista Jayme Barreiro Neto, com quem tive a honra de organizar o Dicionário das Eleições, da Editora Juruá, na companhia de dois outros colegas, o republicanismo, historicamente, desafia três fenômenos essenciais: o eu, o Deus e o rei. A ideia de que o monarca tudo pode, perde espaço; a ideia de que Deus está acima de tudo deixa de existir no Estado laico e; a vontade individualista cede lugar ao interesse coletivo. Consegue imaginar, no Brasil, nós desafiando esses princípios? Saímos do Império em 1889 por meio de um golpe de Estado, e décadas depois nos entregamos para um ditador com semblante de monarca.
O povo, que até hoje tem relação de súdito com o Estado e com parte dos políticos, é taxado de individualista ao extremo em qualquer tratado mediano de sociologia. E Deus ainda aparece, em slogans oficiais de governos eleitos, como uma entidade suprema. Que Deus? O Jesus Cristo de muitos brasileiros é uma entidade de estimação incompreendida. Dias desses, por exemplo, um ex-presidente afirmou que se à época Dele existisse arma de fogo, Jesus andaria armado. Não entendeu NADA.
Junte o infantil brasileiro, com esta alma individualista de vassalo ora temente, ora íntimo demais de qualquer Deus que venha a inventar ou interpretar, e teremos a figura de parte expressiva dos parlamentares desse país. O que é um legislador no Brasil hoje? Em alguma medida uma figura individualista, que pensa e calcula em causa própria, absolutamente incapaz de organizar-se em um coletivo chamado legislativo e defender uma agenda institucional para a esfera de poder por onde é contratado município, estado ou federação. Controlador de parcelas cada vez mais robustas do orçamento e extremamente infantil. Para os parlamentares desse país, há apenas um instante de quase unanimidade: quando precisam se proteger ou quando querem garantir algo a mais para si. Aqui o “coletivo” finge união, mas perceba que sempre calculando individualmente.
Matéria de O Globo da semana de 12 de maio de 2025 dava conta de que, em 17 das 27 assembleias legislativas estaduais, parlamentares ganhavam mais que o teto constitucional de vencimentos mensais, travestidos de penduricalhos reais descobriu por que deputados se chamam de “nobres colegas”? Aqui a autorização vem do STF, que por vezes briga com o Congresso, mas quando o assunto é vantagem pessoal, a magistratura também é infantil e monárquica.
No campo do corporativismo, agentes do golpe de Estado que se tentou dar neste país, para se defender e se refestelar ainda mais no poder, falam com naturalidade em anistia de cidadãos, mas sobretudo de pares. Notem, até mesmo os defensores dos assaltantes do Estado Democrático de Direito: antes de livrar um idiota sequer, entre aqueles que devastaram a Praça dos Três Poderes, o primeiro a receber a tentativa de carinho dos deputados federais foi um par fluminense.
E para completar, o maior de todos os assaltos MORAIS pois parece impossível esperar dos mimados parlamentares que redividam recursos e que algum deles, ou seus estados, percam algo. Não estou aqui falando das famigeradas emendas ao orçamento. Mas sim da agenda urgente aprovada que trata de aumentar o total de deputados federas no Brasil para 531. Repito: um assalto de criança mimada.
A Constituição Federal, em seu artigo 45, diz que a Câmara dos Deputados será composta pelo sistema proporcional, a partir de eleições realizadas em cada estado e no Distrito Federal. Por estas localidades, o total de deputados será proporcionalmente dividido e não será menor que oito, tampouco maior que 70. A distribuição demográfica do Brasil não cabe dentro desses valores, mas os limites foram POSTOS. E a Constituição Federal vai além: ajustes necessários podem ser feitos a cada eleição, reordenando-se o total de deputados federais por estado, mas a lei complementar 78, de 1993, é textual em seu artigo primeiro: “o número de deputados federais não ultrapassará quinhentos e treze representantes” teto atingido a partir das eleições de 1994. Em resumo: falhou a Justiça Eleitoral por não tornar costumeiro o rearranjo de parlamentares por unidade da federação. E agora que algum iluminado magistrado, mais de 30 anos depois, resolve dizer que o total de deputados federais por estado SERÁ reordenado, o que fazem os infantis sujeitos desacostumados a qualquer coisa que os possa prejudicar?
Você já tem a resposta. O total de deputados federais sobe para 531, pois quem tem que ganhar, deve ser contemplado, mas quem precisa perder, não pode ser prejudicado. Não estamos debatendo maior representatividade, uma proporcionalidade mais exata, nada disso. O que está em jogo é: sujeitos mimados, confrontados pela lei, não sabem se redividir. Com um detalhe: existe uma fórmula que define o total de deputados estaduais com base no contingente estadual de deputados federais. A realocação de cadeiras poderia fazer com que um estado que perdesse um federal, por exemplo, tivesse menos três estaduais na sua Assembleia. Já imaginou? Uma perda gerando outra é demais! Assim: crescem os contingentes estaduais de deputados federais e, certamente, também alargaremos parte das assembleias. É o ganha-ganha perfeito no universo infantil do reino dos parlamentares mimados. Preciso dizer mais alguma coisa? Não. Pois não fomos chamados ao debate e tudo passou com largas votações em regime de urgência. A pauta é central para o novo presidente Hugo Motta e o Senado não deve emperrar a medida de prosperar.
Ps. Escrevi esse texto na noite do dia 12 de maio. Dia 13, o Poder 360 anuncia que Hugo Motta, presidente da Câmara, afirmou que pedir a suspensão do caso de Ramagem, do Rio de Janeiro, no STF, foi decisão de 300 deputados. A justificativa é conveniente, pois em diversos casos, presidentes da Câmara são acusados de não levarem pautas adiante, mesmo pressionados por seus pares. E mais: Motta afirmou ser necessário reduzir pautas tóxicas, cobrou autocrítica dos poderes e responsabilidade fiscal. Comece pela Câmara, senhor presidente, ou deixe-se ser acusado de fazer parte desse conjunto infantil, ou até mesmo de sonso…
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