O Brasil, que por anos marchou com convicção pelas ruas do país, agora parece ter acordado de um longo transe populista

Quem viu, viu. Quem não viu, talvez não veja mais. Onde antes havia milhões, agora se vê milhares. Onde antes havia euforia, agora impera a apatia. O Brasil, que por anos marchou com convicção pelas ruas do país, agora parece ter acordado de um longo transe populista. E simplesmente não se dispõe mais a bater ponto nas ruas para perpetuar o eterno teatro da polarização.
Mas o que aconteceu? E o que isso significa para o futuro político do Brasil? Para que possamos entender essa transformação, precisamos voltar até um passado recente, em 2013. Naquele ano, o que começou como um protesto contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo, virou um levante nacional contra um sistema político que parecia cego, surdo e mudo aos interesses do povo brasileiro. Sem partidos, sem bandeiras, sem lideranças claras, a multidão expressava uma insatisfação difusa que, aos poucos, foi capturada por diferentes grupos que convergiram entre si e lutaram juntos contra um inimigo em comum.
A esquerda tentou canalizar o movimento para causas sociais. A direita viu ali o início de um sentimento de indignação coletivo que terminaria no impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016. E, entre uma coisa e outra, milhões de brasileiros aprenderam o poder que tinham em suas mãos quando unidos por um interesse em comum. As manifestações arrastaram multidões para as ruas, consolidando uma nova forma de pressão política no Brasil.
Mas eis que, em 2025, as mesmas lideranças que antes arrastavam milhões para as ruas, agora lutam para mobilizar e juntar uma pequena plateia de fieis seguidores. Em 16 de março, Jair Bolsonaro esperava reunir 1 milhão de apoiadores na orla de Copacabana com o objetivo de demonstrar força política contra a sua inelegibilidade, reivindicando anistia aos presos do 8 de janeiro. No entanto, compareceram pouco mais de 18 mil, segundo a Universidade de São Paulo (USP). Nem 2% do público esperado. A direita, que já dominou a mobilização popular no passado, viu seu poder de liderança fracassar diante da maior liderança política recente.
Duas semanas depois, em 30 de março, a esquerda tentou responder com protestos contra a anistia e pela prisão de Bolsonaro, um movimento político que tentaria mostrar ao brasileiro que a esquerda continuava forte no cenário político, mas mesmo com apoio de sindicatos e movimentos sociais, o resultado foi pior que o resultado de seus adversários, reunindo aproximadamente 6,6 mil pessoas, segundo a USP. Pouca gente nas ruas, pouca repercussão, pouco impacto. — O Brasil simplesmente não se importa mais. — Mas, o que mudou desde 2013?
O cansaço com o circo político
Primeiro, a fadiga. Foram mais de 36 anos desde 1988 de uma guerra política constante, onde cada manifestação, cada polêmica, cada discurso parecia uma questão de vida ou morte. Mas o povo tem contas a pagar. A economia ainda patina, o novo Brasil, que não é tão novo assim, saiu de uma inflação descontrolada recentemente, tem 30 anos. O custo de vida segue alto e os problemas concretos da população não são resolvidos com discursos inflamados, e para piorar, nenhuma política econômica tem demonstrado mais ser confiável aos olhos dos investidores, o que piora o cenário e reflete no bolso do brasileiro.
Segundo, a desilusão. A direita prometeu uma revolução contra o “sistema”, mas entregou escândalos e ineficiência. O desastre das políticas adotadas para controlar a crise da pandemia e o fanatismo político que acabou em 8 de janeiro de 2022 desapontaram. A esquerda, por outro lado, se vendeu como alternativa, mas seguiu refém das mesmas velhas práticas políticas do passado. As políticas sociais que antes funcionavam no governo Lula I e Lula II já não funcionam mais no governo do Lula III. São insuficientes, e o brasileiro já não é mais um analfabeto político.
E mesmo assim, o governo de Luiz Inácio continua apostando em dar benefícios, dar créditos, dar isso ou aquilo: sem controle fiscal, como se não houvesse o amanhã. No fim das contas, ambos os lados falharam em transformar a indignação popular em uma oportunidade de construir um país de primeiro mundo.
E, por fim, o fator mais relevante de todos: a política mudou. A mobilização digital substituiu as manifestações físicas como o principal campo de batalha. Hoje, hashtags, vídeos virais e ataques coordenados na internet têm mais impacto que um ato na avenida Paulista. A rua perdeu o protagonismo.
O que isso significa para as próximas eleições?
Essa desmotivação terá impactos diretos nas eleições de 2026. Sem a militância engajada das ruas, a direita e a esquerda terão que repensar suas estratégias políticas. O eleitor está menos propenso a seguir líderes carismáticos cegamente e mais preocupado com soluções concretas.
A direita enfrenta uma crise de identidade. Bolsonaro já não é mais capaz de arrastar multidões como antes. O bolsonarismo, que nasceu nas redes e se consolidou nas ruas, agora está em xeque. Quem herdará esse movimento? — Ainda não há resposta. — Já que Jair Messias continua movido por uma cega percepção de que ainda tem o apoio popular e se recusa a passar o bastão.
A esquerda também vive um impasse. Lula conseguiu vencer em 2022, mas sem o fervor de outros tempos. O PT sabe que, sem o “medo de um Bolsonaro”, a eleição de 2026 será muito mais difícil. Isso porque Lula já tem uma idade mais avançada e, assim como Bolsonaro, vive uma ilusão de que ainda tem a aprovação cega do povo brasileiro. Se a esquerda não encontrar um novo discurso – algo que vá além de “evitar a volta da extrema direita” –, corre o risco de perder ainda mais relevância como contrapeso.
No fim das contas, o Brasil acordou, ou, está acordando do sonho (ou pesadelo) da polarização. O povo percebeu que, independentemente de quem esteja no poder, os problemas do dia a dia continuam presentes. E isso é uma má notícia para quem ainda aposta nos velhos discursos populistas. As próximas eleições não serão decididas por quem grita mais alto. Mas por quem conseguir oferecer e executar na prática um projeto de Brasil novo, que reflita a solução dos problemas enfrentados diariamente pelo brasileiro. E, pelo que vimos até aqui, nem a direita nem a esquerda estão preparadas para isso.
* Wellington Silva é empreendedor e líder estadual do Livres em Santa Catarina.
Esta publicação é uma parceria da Jovem Pan com o Livres
O Livres é uma associação civil sem fins lucrativos que reúne ativistas e acadêmicos liberais comprometidos com políticas públicas pela ampliação da liberdade de escolha
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.