Cotas para pessoas trans na graduação mobilizam USP

Cotas para pessoas trans na graduação mobilizam USP


Universidade discute reserva de vagas; mobilização estudantil e opiniões divergentes impulsionam debate que já avança em outras instituições públicas

A USP (Universidade de São Paulo) estuda a criação de cotas para pessoas trans nos cursos de graduação. Um grupo de trabalho foi criado em 5 de maio e deve apresentar uma proposta até agosto. O tema tem gerado mobilização de alunos, lideranças políticas e entidades acadêmicas, com opiniões divergentes.

A proposta que está sendo discutida estabelece, a princípio, a reserva de 5% das vagas para pessoas trans. O percentual, critérios de acesso e formas de fiscalização ainda estão em debate no grupo de trabalho da universidade.

Quando o grupo de trabalho foi criado, estudantes organizaram um ato na Cidade Universitária, na zona oeste da capital paulista, pedindo a adoção de cotas para pessoas trans, a realização de vestibular indígena e melhores condições de permanência estudantil. O protesto reuniu centenas de pessoas e foi apoiado por coletivos trans, entidades estudantis e movimentos antirracistas.

O Centro Acadêmico XI de Agosto, organização estudantil da Faculdade de Direito da USP, também manifestou apoio público à medida. Em publicação nas redes sociais, afirmou:

“A exclusão de pessoas trans e travestis das universidades brasileiras é um projeto político. A baixa expectativa de vida e a violência enfrentada por essa população são estruturais. A implementação de cotas é uma medida urgente de reparação e justiça social. A USP, enquanto universidade pública, deve tomar medidas concretas para promover o acesso e permanência dessas pessoas na graduação. Nós, do Centro Acadêmico XI de Agosto, nos colocamos ao lado de todos os estudantes e coletivos que constroem esse debate e reivindicam que a universidade esteja ao lado da vida. Seguiremos cobrando o compromisso da universidade com a pauta e acompanhando os desdobramentos do grupo de trabalho.”

A deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) disse ao Poder360 que avalia a iniciativa positivamente. “Assim como as cotas raciais foram importantes para a população negra sair da exclusão escolar, a população trans também passa por um processo de desigualdade que exige uma política específica. Que bom que a USP está fazendo esse debate”, disse. Hilton é, ao lado de Duda Salabert (PDT-MG), a primeira mulher trans a assumir uma cadeira na Câmara dos Deputados. A congressista é autora do PL (Projeto de Lei) 3109/2023, que propõe cotas trans em universidades públicas.

A vereadora de São Paulo e professora de direito da USP Janaina Paschoal (PP) diz considerar o debate legítimo, mas levanta questões. “A cota de 5% é muito. Já temos uma série de cotas na universidade. Talvez os critérios e a extensão pudessem ser rediscutidos”, afirmou ao Poder360. Ela questiona a viabilidade da proposta em cursos de alta concorrência, como medicina, e aponta possíveis dilemas relacionados à autodeclaração e destransição. “A discussão é bem mais ampla do que ter ou não ter cotas”, disse.

O advogado Alberto Zacharias Toron, professor licenciado da Faap e doutor pela Faculdade de Direito da USP, criticou a proposta. “Acredito que essa cota é um erro. O grupo trans, diferentemente dos negros ou pobres em geral, não tem nenhuma razão para ser favorecido. A opção existencial não pode gerar uma vantagem de acesso a cursos superiores”, afirmou ao Poder360.

Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), UFABC (Universidade Federal do ABC) e UFBA (Universidade Federal da Bahia) já adotam políticas afirmativas para pessoas trans. A Unifesp, por exemplo, reserva 2% das vagas da graduação e 30% da pós para ações afirmativas, incluindo esse grupo.

Histórico das cotas

O Brasil adotou políticas de cotas décadas depois de países como Índia (1930) e Estados Unidos (1964). Em 1983, o deputado Abdias Nascimento propôs o primeiro projeto de reserva de vagas para negros em instituições educacionais brasileiras, seguido por iniciativas dos parlamentares Benedita da Silva e Moacir Franco.

A implementação começou em 2003, quando a Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro reservou vagas para estudantes de escolas públicas e negros. A UnB (Universidade de Brasília), em 2004, tornou-se a primeira federal a adotar o sistema.

Em 2012, a Lei 12.711 determinou que instituições federais reservassem 50% das vagas para alunos de escolas públicas, com percentuais específicos para negros, pardos, indígenas e pessoas de baixa renda. O STF (Supremo Tribunal Federal) confirmou sua constitucionalidade no mesmo ano. Em 2014, a Lei 12.990 estendeu as cotas para concursos públicos federais.

Os dados mostram crescimento de 400% no número de negros no ensino superior de 2010 a 2019, segundo informações da Agência Senado. Universidades estaduais como a USP aderiram voluntariamente ao sistema em 2017, reservando 50% das vagas a estudantes de escolas públicas, incluindo cotas raciais.





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