A revista passou a publicar a sua newsletter Dinner Party na plataforma como estratégia para se atrair mais leitores
* Por Corey Hutchins
Em todo o país, o mesmo tipo de corte orçamentário que devastou os jornais ao longo dos anos agora atinge as emissoras locais de TV.
Uma publicação especializada em radiodifusão alertou recentemente, em uma manchete: “A tendência de demissões no noticiário televisivo está apenas começando.”
Durante esse sangramento, uma empresa tenta reinventar o noticiário local na era do streaming e do fim dos pacotes tradicionais de TV. Os idealizadores estão em conversas com possíveis financiadores para lançar o projeto em 4 Estados e, eventualmente, expandi-lo nacionalmente.
Não se trata da nova iniciativa de Chuck Todd, ex-apresentador do Meet the Press e jornalista da NBC, que estaria em uma missão de US$ 2 bilhões (R$ 11,22 bilhões) para entrar no noticiário local. Trata-se, sim, de um projeto chamado The Local, fundado por Todd Landfried e Hitesh Patel, da N2 Media.
Landfried, que idealizou o conceito do Local, tem experiência nas áreas de tecnologia, política e mídia e mora na Califórnia; Patel foi um dos primeiros executivos da Current TV e vive no Reino Unido.
A empresa planeja, eventualmente, uma rede de redações em todos os Estados, com um modelo de negócios totalmente novo. O Local quer se afastar do formato e das convenções tradicionais do noticiário local. Os fundadores acreditam ter uma solução para o financiamento que não depende exclusivamente de publicidade, mas de contratos de conteúdo com plataformas de streaming.
O objetivo não é se tornar outra rede de TV ou canal de notícias 24 horas.
“Não estamos tentando adaptar o modelo antigo a uma nova fonte de financiamento”, disse Landfried. “Estamos construindo tudo do zero”, afirmou.
O projeto é um exemplo de como alguns profissionais da área jornalística estão repensando a TV local em um momento de transformação. Apesar de a TV local ainda ser um meio confiável, há sinais de queda de audiência e as emissoras enfrentam pressões financeiras. Durante o governo Trump, também não seria exagero esperar ondas de desregulamentação que podem levar à consolidação de empresas e ainda mais demissões. Enquanto isso, os olhos dos norte-americanos estão cada vez mais voltados aos serviços de streaming, inclusive para conteúdos ao vivo e esportivos.
“O noticiário local está em séria crise neste momento e precisa ser completamente reinventado”, disse Landfried em entrevista. “Então, o que temos feito nos últimos anos é desenvolver um modelo que faça exatamente isso. Reinventamos a forma como o noticiário local será produzido, financiado e distribuído”, declarou.
Os fundadores imaginam um noticiário noturno em cada Estado, com duração de até uma hora, focado em jornalismo de interesse público, com diversas reportagens aprofundadas. Eles planejam lançar primeiramente no Colorado e, em seguida, expandir para Califórnia, Geórgia e Kansas dentro de um ano –ou antes.
Sem intervalos comerciais ou restrição de tempo no topo da hora, os segmentos do Local podem durar vários minutos, oferecendo mais nuances e contexto. As matérias regionais viriam em seguida, depois segmentos locais e hiperlocais personalizados de acordo com o CEP do espectador.
O que torna o produto mais singular é que o público encontraria oLocal em plataformas como Netflix, Amazon Prime, Roku ou Max. Ou seja, onde os telespectadores estão há anos e onde os compradores de programação investem grandes quantias em conteúdo.
“Precisamos de mais abordagens”
Em materiais promocionais voltados a investidores, a N2 Media –holding baseada em Delaware– destaca o desaparecimento dos jornais locais. O encolhimento do setor criou desertos de notícia e veículos-fantasma em diversas comunidades.
“Ao mesmo tempo, plataformas de streaming estão gastando bilhões com conteúdo, mas não têm uma fonte escalável de jornalismo local original e de qualidade”, afirma uma apresentação da N2 Media.
Para contornar isso, o Local propõe algo que —até agora— ninguém tentou ou conseguiu fazer: colocar o noticiário local nas telas de serviços de streaming pagos por assinatura, com produção financiada pela própria plataforma. Se isso acontecer, os espectadores poderiam encontrar as últimas notícias do governo estadual ou da câmara municipal ao lado de episódios de “Black Mirror” ou “Ruptura”.
A empresa acredita que o dinheiro de um único contrato de produção com uma plataforma já seria suficiente para financiar uma rede de 50 Estados com noticiários diários —e ainda custaria menos que uma minissérie de 10 episódios sobre crimes ou história. Como é conteúdo local, a plataforma poderia vender publicidade local— receita que, atualmente, provavelmente é desperdiçada.
As plataformas de streaming estão gastando quantias gigantescas em conteúdo, afirmou Landfried. Segundo ele, apesar de as estimativas variarem, “elas devem gastar cerca de US$ 250 bilhões [R$ 1,4 trilhão] este ano com aquisição de conteúdo. E nada disso será com notícias.”
Pode haver um motivo para isso.
Embora os serviços de streaming —também chamados de OTT (over the top) ou SVOD (subscription video on demand)— estejam investindo mais em programação no mesmo dia, essas plataformas são tradicionalmente usadas para ver conteúdo sob demanda, não ao vivo. Os mais jovens, que abandonaram a TV a cabo, costumam se informar on-line e não têm qualquer vínculo com noticiário local na TV.
“Todo mundo está produzindo conteúdo para OTT, mas a questão é: quanto disso as pessoas realmente querem?”, disse Al Tompkins, veterano da indústria e professor do Poynter Institute. “Esse conteúdo tende a ser atemporal, enquanto o noticiário local trata do que está acontecendo agora.”
Há, de fato, muito conteúdo jornalístico —inclusive local— disponível no streaming, mas isso se deve, em grande parte, aos acordos feitos por emissoras tradicionais para estarem nessas plataformas. Quem quiser saber o que acontece no próprio estado ou cidade consegue encontrar, mas precisa procurar.
“O mercado está saturado de noticiários disponíveis de todos os lugares”, disse Michael Depp, editor do site TVNewsCheck. “Se você realmente se importa com determinada região —ou várias, se for um viciado em notícias— pode montar seu próprio cardápio, gratuitamente, com o que já existe por aí”, afirmou.
Tim Hanlon, que vive em Chicago, disse que ficou cético quando alguém da N2 Media o procurou dpois de ele publicar uma coluna em dezembro na TVREV intitulada “O caminho para a reinvenção: por que o noticiário local precisa de uma ruptura para avançar.” O executivo, especialista na convergência entre TV e vídeo digital, já viu muitos projetos para “salvar o noticiário local” fracassarem.
Hoje, ele é conselheiro do Local.
“Acho que precisamos de mais abordagens, mais reavaliações —mais tentativas, por assim dizer— sobre como repensar, reinventar e revitalizar o noticiário local”, afirmou. “Para mim, esse projeto pareceu uma confluência de boas ideias.”
Hanlon reconhece que o conceito é desafiador, especialmente num momento em que o jornalismo enfrenta fortes obstáculos políticos e culturais.
“Isso já seria difícil há 6 meses ou 10 anos”, disse ele, mas agora é ainda mais complicado devido ao que chamou de “besteiras regulatórias e políticas performáticas” que desestimulam o jornalismo em vez de incentivá-lo.
O que o encoraja, porém, é pensar no que pode ser feito pelo jornalismo local, em vez de simplesmente “gerenciar o declínio”, como ele descreve a estratégia atual da TV local.
Além disso, segundo ele, só será preciso “um ‘sim’” para que o Local se concretize.
“O que a história precisar”
Tudo isso, embora ambicioso, ainda é aspiracional.
Um grupo de 10 conselheiros voluntários está em busca de investidores para financiar episódios-piloto em 4 Estados iniciais, escolhidos por critérios geográficos e demográficos.
Depois disso, “temos capacidade de escalar para os 50 Estados rapidamente”, disse Patel, cofundador e diretor financeiro da N2 Media.
“Não precisamos de âncoras famosos, nem de redações tradicionais”, acrescentou. “Quero algo que tenha um custo viável.”
Formar uma equipe de jornalismo de excelência tem seus desafios, claro, embora haja muitos profissionais locais em busca de emprego hoje.
Carol Wood, responsável pela operação de notícias da N2 Media, está montando uma Redação com cerca de 15 pessoas para o projeto-piloto no Colorado. Ela procura um editor-chefe e criou uma planilha com nomes de jornalistas locais que pode recrutar.
“Você não precisa ter experiência em TV”, disse Wood, que vive no Colorado e atua com sustentabilidade no jornalismo local. “A maioria das pessoas na lista não tem experiência com TV. Vejo uma oportunidade de montar um verdadeiro time dos sonhos local e nacional.”
Oferecer noticiário local em uma plataforma de streaming também elevaria a qualidade do conteúdo, afirmou Wood. As reportagens mais longas se afastariam do formato tradicional, em que matérias rápidas são “espremidas” entre clima, esportes e comerciais.
“A ideia é que, se uma história merece 4 ou 6 minutos para profundidade e contexto em um ambiente visual —o tempo que o repórter ou o editor acharem necessário—, nós podemos fazer isso”, afirmou Wood. “Não haverá exigência de que seja um vídeo de 15 ou 30 segundos que precise caber num espaço pré-definido. É o tempo que a história precisar.”
Segundo os responsáveis, o Local não terá âncoras, estúdios de TV, caminhões de satélite ou jornalismo opinativo —apenas reportagem factual local, sem cobertura nacional ou internacional. Para oferecer conteúdo hiperlocal, o projeto quer contratar redações comunitárias em todo o Estado, inclusive em áreas rurais, e pagar até US$ 1.500 (R$ 8.415) por reportagem.
Nesse sentido, o raciocínio é que uma plataforma de streaming com recursos poderia devolver algo às redações locais, que têm sido prejudicadas pelas gigantes de tecnologia.
Bronagh Hanley, ex-diretora de comunicação da Netflix nos anos 2000, se envolveu com a N2 Media e o Local por acreditar que as plataformas de streaming e redes sociais têm responsabilidade de oferecer notícias, já que é por elas que as pessoas cada vez mais se informam.
Embora os responsáveis evitem revelar quais financiadores e streamings estão em negociação, um dos obstáculos enfrentados é a pergunta: “Quem é o nome famoso de vocês?”
“Essa pergunta perde completamente o foco”, disse Hanley. “A questão é que existem desertos de notícia, agora mesmo, que precisam ser enfrentados neste país, e estamos sob ameaça como democracia — ainda é possível ganhar dinheiro fazendo isso.”
Matthew Keys, que comanda o Desk no norte da Califórnia, onde cobre de perto as indústrias de radiodifusão e streaming, disse que a estratégia da N2 Media parecia uma ideia inovadora, se eles conseguirem colocá-la em prática.
Como alguém que tem acompanhado demissões recentes em emissoras locais de TV e os esforços de algumas redações para se consolidar, retirar programas ou até mesmo fechar, ele está muito ciente do estado atual da indústria.
“Se você vai reinventá-la, precisa lançar no mercado um produto que vai impressionar as pessoas. E isso vai ser algo realmente, realmente, realmente difícil de fazer”, disse ele. “Não sou cético quanto à capacidade deles de conseguir —na verdade, estou muito esperançoso— porque, se conseguirem, vão estabelecer um exemplo que outros poderão seguir, e isso vai fortalecer nossa indústria”.
*Corey Hutchins é gerente do Instituto de Jornalismo da Universidade do Colorado.
Texto traduzido por Victor Boscato. Leia o original em inglês.
O Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos que o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports e publicar esse material no Poder360. Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.