No mês dedicado à conscientização sobre o autismo, o programa “Fantástico” lançou um novo e ousado quadro chamado “Pode Perguntar”, no qual todas as entrevistas são conduzidas por profissionais que estão dentro do espectro autista. O projeto, já adaptado em mais de dez países, desembarca no Brasil com a promessa de apresentar conversas autênticas, inesperadas e profundamente humanas.
Vera Fischer brilhou com Kéfera?
A proposta brasileira se inspira em um formato internacional consagrado, nascido a partir de uma popular revista francesa que revolucionou a maneira de conduzir entrevistas com celebridades. Os encontros revelam detalhes jamais compartilhados em outras ocasiões, promovendo reflexões que vão muito além do convencional.
“A gente fala que quem conheceu um autista conheceu um autismo. São vários autismos dentro do mesmo nome”, destacou a psiquiatra Daniela Bordini, especializada no tema. “Cada um tem o seu jeito de ser, a sua espontaneidade, a sua sinceridade. Tem alguns que têm mais dificuldade para se comunicar.”
A estreia ficou por conta de uma figura emblemática da televisão brasileira: a atriz Vera Fischer. Em uma conversa franca, sem roteiros rígidos ou filtros, Vera compartilhou momentos intensos de sua trajetória pessoal e profissional. A entrevista foi conduzida por dois entrevistadores dentro do espectro autista: a atriz Amanda Nascimento e o doutorando em literatura Marcelo Abreu.
Famoso em outros países, o formato já teve entre seus entrevistados nomes de peso como o presidente francês Emmanuel Macron e o astro espanhol Antonio Banderas. No Brasil, a iniciativa ganha ainda mais força ao colocar celebridades nacionais frente a frente com entrevistadores que oferecem um olhar único e uma escuta diferenciada.
A trajetória intensa de Vera Fischer
Logo no início da conversa, um pergunta trouxe à tona uma parte sensível da história de Vera: a relação com o pai, um alemão que imigrou para o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial.
A atriz foi direta ao responder sobre a influência paterna. “Você teve uma relação muito forte com seu pai, que tinha uma rigidez alemã, e também com livros e pensamentos alemães. Você pode falar sobre isso?”
“Meu pai acreditava nos discursos de Hitler, ele achava que a Alemanha seria grandiosa novamente,” relatou a atriz, sem rodeios. Ela revelou que o pai chegou a lhe entregar um exemplar de “Mein Kampf”, de Adolf Hitler, na tentativa de fazê-la ler.
“Falei: ‘não, pai, não quero ler isso.’ Depois ele me deu uma coleção de Dostoiévski”, completou, com um leve sorriso ao lembrar da recusa.
A entrevista, conduzida com sensibilidade, avançou para outros capítulos importantes de sua vida. Marcelo Abreu, responsável por uma das perguntas mais densas, relembrou o tempo em que Vera Fischer integrou o cinema brasileiro na era da pornochanchada.
“Estamos na Pinacoteca, perto da antiga Boca do Lixo, um dos grandes polos de cinema dos anos 70 e 80. Você fez parte disso. Quais as diferenças entre fazer cinema naquela época e hoje?”
A atriz fez questão de contextualizar sua atuação durante o regime militar, um período marcado por censura. “A gente queria fazer uma coisa mais leve e ao mesmo tempo transgredir”, afirmou. Para ela, os filmes daquela época funcionavam como uma válvula de escape artística, mesmo com as limitações impostas pela política da época.
Os altos e baixos de uma estrela
Em outra parte marcante da conversa, Vera Fischer comentou sobre a fama de símbolo sexual que a acompanhou ao longo da carreira. “Nunca me fez bem o endeusamento. Eu era chamada de ‘deusa’ por causa da novela Jocasta. Mas, para mim, tudo isso era um pouco excessivo”, revelou.
Aos 73 anos, ela contou que hoje encara o espelho com outros olhos, mais tolerantes e principalmente realistas. A atriz acredita que a maturidade trouxe uma nova relação com a autoestima.
Um momento de vulnerabilidade surgiu quando o assunto mudou para sua vida pessoal. Ao relembrar o relacionamento com o ator Felipe Camargo, Vera descreveu o casamento como intenso, mas breve.
“Foi um casamento bacana enquanto durou. Tivemos o Gabriel, meu filho, que é a coisa mais doce do mundo”, compartilhou.
Felipe Camargo comenta relação com Vera Fischer
Com sinceridade rara, Vera também falou sobre seu envolvimento com drogas. “Eu me envolvi com drogas, mas não foi algo tão grave, porque, quando decidi parar, parei sozinha, sem ninguém saber.” A fala surpreendeu até os entrevistadores, que reconheceram a coragem ao abordar um tema ainda cercado de estigmas.
Apesar das turbulências, Vera Fischer continua ativa artisticamente. “Fizemos um filme para homenagear os 60 anos da Globo. Agora, eu gosto muito de ficar em casa, ler meus livros”, contou, por fim, mostrando que, mesmo com uma carreira consolidada, ainda encontra prazer nas coisas simples da vida.
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O novo quadro do “Fantástico” mostra como a diversidade de perspectivas pode resultar em conversas mais ricas e humanas. Isso porque, ao dar protagonismo a entrevistadores autistas, o programa abre espaço para uma escuta mais atenta, fugindo do lugar-comum das entrevistas tradicionais. E Vera Fischer, com sua franqueza e disposição para revisitar capítulos dolorosos e felizes, mostrou por que ainda é uma das figuras mais fascinantes do entretenimento nacional.