Não basta mais atuar com excelência técnica, é necessário demonstrar, por meio de números, projeções e relatórios, como essa atuação preserva valor, evita prejuízos e, em muitos casos, viabiliza negócios

Nos conselhos e comitês executivos, é cada vez mais comum ouvir perguntas sobre os custos jurídicos. O que raramente se pergunta, porém, é quanto vale o departamento jurídico da empresa. A resposta, em muitos casos, continua imprecisa. E não por falta de relevância do setor, mas pela ausência de critérios objetivos que mensurem esse valor com a mesma naturalidade com que se avalia o desempenho financeiro ou comercial. O desafio não é novo. Mas a urgência de enfrentá-lo, sim.
Como o jurídico pode medir e demonstrar seu valuation
Em um ambiente corporativo orientado por indicadores e performance, é preciso adotar métricas que consigam traduzir o impacto estratégico do jurídico em dados tangíveis. Não basta mais atuar com excelência técnica. É necessário demonstrar, por meio de números, projeções e relatórios, como essa atuação preserva valor, evita prejuízos e, em muitos casos, viabiliza negócios que poderiam esbarrar em riscos intransponíveis.
Para além da discussão teórica, é possível e necessário estruturar formas práticas de mensurar o valor agregado pela área jurídica à organização. Isso passa pela definição de indicadores próprios, construídos com base nas entregas efetivas do departamento. Abaixo, alguns exemplos que podem ser utilizados para fundamentar esse valuation:
1. Mapeamento de contingências evitadas
Registrar, por meio de pareceres e orientações consultivas, os casos em que a atuação do jurídico impediu a geração de litígios, multas ou autuações. Isso mostra como a prevenção jurídica reduz passivos antes mesmo que eles se materializem.
2. Economia gerada em negociações
Mensurar, por exemplo, os valores reduzidos em acordos judiciais ou extrajudiciais, renegociações contratuais, disputas arbitrais encerradas com vantagem para a empresa e decisões que afastaram penalidades significativas.
3. Tempo médio de resposta e impacto no ciclo dos negócios
Indicadores de agilidade jurídica, como o tempo médio de análise de contratos, pareceres ou aprovações, ajudam a demonstrar o quanto o jurídico contribui para a fluidez das operações comerciais.
4. Participação em iniciativas de inovação ou estruturação de novos produtos
Documentar a atuação jurídica no suporte à inovação, inclusive em frentes regulatórias complexas, pode evidenciar o papel estratégico do departamento como viabilizador de crescimento e não apenas como redutor de riscos.
5. Índice de judicialização evitada por orientação prévia
Monitorar quantas demandas ou conflitos potenciais foram resolvidos sem judicialização graças à atuação preventiva do jurídico, especialmente nos temas de alta recorrência ou com risco reputacional relevante. Essas métricas, se bem estruturadas, permitem que o jurídico não apenas preste contas, mas revele à alta liderança o real impacto de sua atuação. E quando esse valor é visível, ele passa a ser reconhecido, protegido e priorizado.
O erro de centralizar o custo e descentralizar o problema
Outra distorção frequente é a concentração dos custos jurídicos exclusivamente no centro de custo do próprio departamento, mesmo quando a origem do passivo está em falhas operacionais, comerciais ou comportamentais de outras áreas da empresa.
Um exemplo comum: uma campanha publicitária é lançada com omissão de informações relevantes. O problema gera uma onda de reclamações em órgãos de defesa do consumidor, além de ações judiciais. Embora a falha tenha ocorrido no marketing, todo o custo relacionado aos litígios é registrado como despesa do jurídico. O resultado é uma distorção orçamentária que mascara a real origem do problema e penaliza o jurídico por consequências que ele apenas gerencia, mas não causou.
Essa má alocação interfere diretamente na percepção de eficiência, tanto do departamento jurídico quanto das demais áreas. Enquanto os responsáveis pela origem do passivo seguem sem ajustes efetivos em suas metas e processos, o jurídico aparece como centro de custo crescente, comprometendo sua imagem e sua capacidade de argumentação em fóruns internos de decisão.
Separar corretamente é parte da solução
A solução passa pela separação estruturada dos centros de custo. Quando se atribui corretamente a origem das demandas jurídicas, é possível identificar com precisão:
- Quais áreas mais geram passivos;
- Quanto essas áreas representam no orçamento jurídico;
- Como a atuação preventiva pode reduzir esses impactos;
- Quais unidades demandam mais atenção consultiva ou revisão de processos.
Esse redesenho contábil e gerencial permite ao jurídico atuar com mais estratégia, apoiar outras áreas na mitigação de riscos e participar de forma ativa da tomada de decisão. O resultado é uma atuação jurídica mais alinhada à realidade da empresa, capaz de gerar diagnósticos mais precisos, reduzir litígios e fortalecer a governança corporativa.
Da despesa ao valor estratégico
A virada começa pela mudança de narrativa. É preciso que o jurídico deixe de se apresentar apenas como defensor técnico e assuma o protagonismo na construção de indicadores, diagnósticos e argumentos de valor.
Mais do que responder por ações judiciais, o jurídico assegura a integridade da operação, garante conformidade regulatória, estrutura contratos, evita autuações, gerencia riscos reputacionais e viabiliza inovação com segurança. E tudo isso custa muito menos do que se imagina, especialmente quando se considera que boa parte das despesas decorre de falhas externas ao departamento.
Os riscos de não medir o valor jurídico
Sem valuation jurídico, o departamento pode ser subdimensionado. Sem centros de custo separados, corre o risco de ser responsabilizado por problemas que não causou. E sem dados que traduzam sua entrega, pode ser tratado como área meramente operacional, mesmo sendo peça-chave para a sustentabilidade e o crescimento do negócio.
O jurídico que se posiciona como guardião de valor precisa, antes de tudo, saber demonstrar esse valor com método, precisão e visão de futuro. Porque o que não se mede, não se valoriza. E o que não se valoriza, não se preserva. Seu jurídico já mede valor ou ainda carrega custos que não são seus?
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.