Pressão, tabu e cuidado: o que especialistas revelam sobre a saúde mental no futebol

Pressão, tabu e cuidado: o que especialistas revelam sobre a saúde mental no futebol


Análise de especialistas destaca os caminhos para transformar a relação do esporte com o emocional dos profissionais

Em meio ao debate sobre a saúde mental no futebol, reacendido após a decisão do técnico Tite de não assumir o Corinthians, o portal LeoDias conversou com dois especialistas de destaque na psicologia do esporte, para analisar o cenário atual e apontar caminhos para evolução. As reflexões também dialogam diretamente com a recente manifestação do ex-jogador Paulinho, que defendeu mais empatia e diálogo no ambiente esportivo.

Pressão intensa e exposição pública: gatilhos de sofrimento

Segundo o Prof. Dr. João Ricardo Cozac, psicólogo com 32 anos de atuação e experiência em clubes como Corinthians, Palmeiras e Cruzeiro, a realidade emocional no futebol é de altíssimo desgaste.

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“A pressão por resultados e a exposição midiática no futebol profissional podem comprometer gravemente a saúde mental de atletas e treinadores. Estamos falando de um ambiente onde o erro vira manchete, a crítica é constante e a exigência por vitória é diária. No caso do Tite, fica evidente o desgaste de quem carregou a responsabilidade de comandar uma Seleção Brasileira em duas Copas do Mundo — sendo pressionado por um país inteiro, exposto a avaliações públicas incessantes e, ao mesmo tempo, sem espaço legítimo pra processar frustrações profundas, como as eliminações precoces que viveu. O técnico, muitas vezes, é visto como o pilar emocional da equipe, mas ninguém pergunta quem sustenta o emocional dele”, afirma João.

O psicólogo Matheus Vasconcelos, vice-presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte, acrescenta que a violência digital também pesa: “A pressão por resultados e a exposição midiática no futebol profissional, como no caso recente do técnico Tite, impactam diretamente a saúde mental de atletas e treinadores. A FIFPRO que é a entidade internacional que representa atletas de futebol, emitiu após a copa do mundo relatório interessante sobre violência nas redes sociais, mostrando como no futebol as pessoas estão cada vez mais expostas a ofensas, ameaças e discursos de ódio, algo que afeta diretamente o bem-estar e desempenho dos atletas e suas comissões técnicas. Por isso, a entidade alerta há anos para a necessidade de estratégias institucionais de proteção e acolhimento, especialmente diante da alta vulnerabilidade desses profissionais à exposição pública e aos ataques virtuais.”

O papel da prevenção e do acolhimento institucional

Ambos os especialistas ressaltam a necessidade de transformar o suporte psicológico em política estruturada nos clubes. Cozac defende práticas que vão além do discurso.

“Quando o Paulinho fala que a prevenção começa pelo diálogo e pela empatia, ele acerta em cheio. A prática precisa caminhar nessa direção. Os clubes e comissões técnicas podem criar espaços internos de escuta qualificada, rodas de conversa conduzidas por psicólogos do esporte, capacitações para os líderes entenderem o impacto emocional de suas condutas e, principalmente, uma cultura de cuidado que vá além do ‘falar que apoia’. Acolher não é só não julgar — é estar presente, abrir espaço pra vulnerabilidade, e entender que o atleta e o treinador também precisam ser cuidados”, pontua.

Vasconcelos também propõe caminhos práticos e cita exemplos já existentes: “Inicialmente penso que é fundamental que clubes tenham profissionais de psicologia dentro das suas comissões técnicas e preferencialmente como departamentos de psicologia estruturados para pensar a saúde mental na instituição como um todo. Penso que ações estratégicas são: 1. Ter espaço ofertado de forma contínua para acolhimento de atletas e comissões; 2. Promover ações educativas, aqui destaco essa notícia do Fluminense que tem feito isto com frequência; 3. Incluir protocolos de cuidado e monitoramento contínuo de saúde mental, tais como avaliações de risco de burnout e outros fatores de saúde mental.”

Rompendo o tabu: o caminho da educação emocional

Sobre a resistência histórica do futebol em discutir saúde mental, Cozac é direto: “A saúde mental ainda é cercada de tabu no esporte, principalmente pela ideia distorcida de que admitir fragilidade é sinal de fraqueza. A gente precisa romper com esse mito. E isso começa com educação emocional desde a base, formando atletas com repertório pra reconhecer o que sentem e com liberdade pra pedir ajuda. A boa notícia é que esse movimento vem crescendo. Nos últimos anos, clubes vêm incorporando psicólogos à comissão técnica com mais frequência, e atletas de alto rendimento têm se posicionado sobre seus próprios limites. Mas ainda estamos muito longe do ideal. O suporte psicológico precisa deixar de ser algo emergencial e passar a ser estruturante.”

Matheus Vasconcelos também vê avanços, mas alerta para a persistência de barreiras institucionais. “Penso que o tabu hoje é menor do que já foi no passado. Há muitos atletas e treinadores procurando por profissionais de forma particular. De um lado, isso indica que atualmente atletas e treinadores têm buscado com maior segurança estes profissionais da saúde mental. Por outro lado, essa procura apenas fora das instituições ainda indica que os clubes ainda não têm sido locais seguros para falar de saúde mental, logo, indica a existência de um tabu institucional. Temos tido evoluções significativas, mas é preciso reforçar que clubes de futebol insiram esse trabalho psicológico desde a categoria de base, pois o cuidado em saúde mental não é apenas para o campo, mas sim para toda carreira esportiva.”

Suporte psicológico imediato: essencial para prevenir danos

No contexto de crises como a enfrentada por Tite, a intervenção rápida é considerada crucial. “Em situações como a vivida pelo Tite, o suporte imediato é fundamental. Muitas vezes, o treinador ou o atleta nem percebe que está num processo de esgotamento. O trabalho psicológico ajuda não só a reconhecer os sinais, mas também a legitimar a pausa, a reorganizar o olhar para a própria trajetória e a tomar decisões com mais consciência. Isso pode evitar colapsos maiores, prevenir doenças emocionais e, mais do que tudo, preservar a dignidade humana daquele profissional”, esclarece Cozac.

Vasconcelos complementa sobre os benefícios desse suporte emergencial: “Em situações como a vivida por Tite, o suporte psicológico imediato é fundamental para que o profissional possa reconhecer seus próprios limites, nomear o que sente e acessar ferramentas de cuidado antes que o desgaste se transforme em adoecimento. Além disso, esse suporte oferece um espaço protegido para refletir sobre pressões externas, narrativas de fracasso e autocobrança, fatores comuns no esporte de alto rendimento. A psicologia, no meu ponto de vista neste contexto, atua como ponte entre a saúde e uma performance sustentável.”

Programas contínuos: da base ao profissional

Por fim, os especialistas reforçam que o cuidado com a saúde mental precisa ser contínuo, estruturado e integrado ao dia a dia dos clubes. Cozac resume: “Para além de atendimentos pontuais, os clubes precisam estruturar programas contínuos de saúde mental. Isso envolve integrar o psicólogo à rotina da comissão técnica, fazer acompanhamento de elenco ao longo da temporada, construir protocolos de prevenção e, principalmente, tratar a saúde mental como parte da performance. Porque a mente não é um anexo do corpo — é o centro que sustenta tudo. Enquanto isso não for entendido como prioridade, continuaremos adoecendo nossos talentos em nome de uma ideia equivocada de sucesso.”

Vasconcelos detalha modelos possíveis de atuação psicológica nos clubes. Ele explica que as instituições podem adotar diferentes formatos de trabalho, dependendo de sua estrutura e capacidade: “Os clubes podem manter profissionais em diferentes formatos de trabalho: 1. Dentro de comissões técnicas onde eles auxiliam toda a comissão e o elenco composto por dezenas de atletas.”

Em seguida, ele amplia o raciocínio sobre alternativas mais estruturadas para integrar a saúde mental ao dia a dia dos clubes: “Através de departamentos de psicologia ou de saúde, onde junto com outros profissionais de saúde são pensadas ações de forma articulada conforme as necessidades das instituições.  Pode existir uma mescla entre esses formatos, onde você tem um departamento com ações contínuas, mas que conta com profissionais que fazem cobertura de saúde mental em diversas categorias.”

Por fim, ele aponta também a importância de redes de apoio externas como complemento para os clubes. “Além disso, esses três modelos poderiam contar com o complemento de uma rede de suporte externa para auxiliar em casos que demandam atenção particular mais específica. Hoje é o que fazemos, por exemplo, na Rede Naurú, que é uma rede de psicólogos do esporte conectados em diferentes regiões do país e que tem atendimento online e presencial em algumas cidades”, conclui.

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