Tancredo ao lado de sua esposa, Risoleta Neves, e integrantes da equipe médica que o atendiaGervásio Baptista
Há exatos 40 anos, o Brasil amanhecia sob o impacto de uma certeza, após semanas de especulações e silêncio oficial: o presidente eleito Tancredo Neves estava morto. “Lamento informar que o excelentíssimo senhor presidente da República, Tancredo de Almeida Neves, faleceu esta noite, no Instituto do Coração, às 10 horas e 23 minutos.”
A morte, anunciada na noite de 21 de abril de 1985 pelo porta-voz da Presidência da República, Antonio Brito, aprofundava o cenário de incertezas em um país que buscava consolidar sua transição democrática.
Em edições históricas de 22 de abril, os cinco principais jornais do país à época noticiavam não apenas a morte de Tancredo Neves o primeiro presidente eleito indiretamente após uma ditadura militar de 21 anos como também revelavam um Brasil atônito, entristecido e preocupado com seu futuro. Vice de Tancredo, José Sarney assumiria em definitivo um mandato que duraria cinco anos.
O Congresso em Foco reproduz, mais abaixo, como os cinco maiores jornais do país à época Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil e Correio Braziliense noticiaram a morte de Tancredo.
Havia dúvidas sobre a legitimidade de Sarney um vice que havia integrado a base do regime militar, alçado à presidência sem o respaldo popular e o simbolismo de Tancredo. Temia-se que setores conservadores das Forças Armadas resistissem à consolidação do poder civil, que o pacto costurado pela Aliança Democrática se rompesse, e que a abertura política ainda frágil fosse revertida.
Além disso, o país enfrentava uma crise econômica severa, com inflação alta e instabilidade social, o que alimentava receios sobre a capacidade do novo governo de garantir governabilidade e avançar com as reformas prometidas por Tancredo.
Sarney havia sido empossado de forma interina em 15 de março, devido aos problemas de saúde apresentados no dia anterior pelo presidente eleito. Havia o temor de que os militares relutassem em deixar o poder. Tancredo passou 38 dias internado, entre Brasília e São Paulo, e foi submetido a sete cirurgias. As circunstâncias em torno de sua morte até hoje são objeto de controvérsia.
Veja como os cinco maiores jornais do país à época noticiaram a morte de Tancredo em 22 de abril de 1985:
Folha de S.Paulo
Manchete: Tancredo Neves está morto; corpo é velado no Planalto; Sarney reafirma mudanças
Reprodução da capa da Folha em 22 de abril de 1985Reprodução
O jornal deu à notícia da morte de Tancredo uma cobertura extensa e factual, com foco no impacto institucional e político do falecimento do presidente eleito. A manchete da edição de 22 de abril de 1985 condensava o essencial: a confirmação da morte, o início do velório no Palácio do Planalto e a sinalização, por parte de Sarney, de que as reformas propostas por Tancredo seriam mantidas.
“O presidente José Sarney chorou ao receber a notícia, às 22h25, no Palácio Jaburu, em Brasília. Em seguida, foi para o Palácio do Planalto, de onde falou ao País em rede nacional de rádio e televisão, à 0h35. Em seu pronunciamento de seis minutos, Sarney afirmou que as mudanças reclamadas pela Nação serão feitas. ‘Nosso programa é o de Tancredo Neves.'”
O jornal fez um resgate da trajetória política do mineiro, enaltecendo sua atuação como articulador da Aliança Democrática e símbolo da transição pacífica. Em um tom cauteloso, a Folha destacou os desafios imediatos que se impunham ao novo presidente: conter a inflação, acalmar os militares e consolidar a abertura política.
A edição também enfatizava o caráter inédito da situação: pela primeira vez desde a proclamação da República, um presidente eleito morria antes da posse. A publicação cobriu com detalhes o clima em Brasília, o luto popular e as reações no Congresso e entre os ministros. Havia um esforço evidente da Folha em retratar a gravidade do momento sem abandonar a objetividade jornalística.
O Estado de S. Paulo
Manchete: A morte do homem do Brasil: Tancredo Neves
Capa da edição de 22 de abril de 1985 do EstadãoReprodução
Com um título carregado de simbolismo e emoção, O Estado de S. Paulo adotou uma abordagem editorial que misturava lamento, reverência e esperança. Tancredo era retratado como herói civil, condutor de um projeto democrático que, mesmo com sua ausência, deveria prosseguir.
O Estadão publicou um editorial que alertava para o risco de retrocessos e afirmava que o futuro da democracia dependeria da maturidade das instituições e da condução política de José Sarney. A confiança no pacto democrático era reafirmada, mas havia sinais de vigilância sobre os rumos do novo governo.
A cobertura trouxe análises sobre a crise de representatividade gerada pela posse de um vice vinculado à base do regime militar, além de críticas à falta de transparência da equipe médica que cuidou de Tancredo. O jornal também reportou bastidores do Planalto, sugerindo que havia divergências internas sobre como lidar com a delicada situação institucional nas semanas que antecederam a morte.
Destaque também para a presença de Ulysses Guimarães como figura de equilíbrio, atuando para conter tensões e legitimar a continuidade do projeto democrático sem rupturas.
Uma reportagem – E a mulher implorava: ‘Cura ele, meu Pai, cura ele’ – destacava como os brasileiros recorriam à fé para a recuperação do presidente: “Por todo o País, transformado em imensa e angustiada sala de espera, as pessoas ocuparam as igrejas, uniram-se nas praças, rádio de pilha colado ao ouvido. Médiuns, videntes, milagreiros, exorcistas, gente anônima e simples cada um, a seu modo, procurou fortalecer a corrente de solidariedade. Uma mulher apareceu com besouros e amendoins é bom para o presidente”, explicava , homeopatas prontificaram-se a atender Tancredo Neves.
O Globo
Manchete: Morreu Tancredo
Capa do jornal O Globo em 22 de abril de 1985Reprodução
O jornal deu à morte de Tancredo um tratamento profundamente simbólico, associando o fato histórico à data de Tiradentes, outro mártir da história brasileira. A narrativa construída ao longo da edição colocava o presidente eleito em um pedestal de herói nacional, alguém que havia conseguido unir forças díspares civis, militares, esquerda, centro e direita em torno de um projeto de reconciliação nacional. Na capa, Tancredo era chamado de “O mártir da Nova República”.
O jornal publicou reportagens que abordavam desde a trajetória política de Tancredo até as reações populares, com ênfase especial na emoção coletiva e no surgimento de um culto à memória do presidente não-empossado. Fotos de filas silenciosas, autoridades chorando e cidadãos emocionados compunham um mosaico visual da dor coletiva.
Ao mesmo tempo, O Globo reforçava a narrativa de que Sarney, embora vindo do regime anterior, tinha agora o dever histórico de preservar e implementar o programa político de Tancredo. O editorial apontava que o Brasil não poderia mais adiar sua caminhada democrática e que a morte do líder mineiro precisava ser vista como um ponto de partida, não como um fim.
Correio Braziliense
Manchete: Adeus, Tancredo
Por sediar-se em Brasília, o Correio Braziliense teve uma cobertura particularmente focada nos bastidores do poder e na movimentação institucional nos dias que se seguiram à morte de Tancredo. O jornal deu destaque ao velório no Planalto, ao cerimonial oficial e às homenagens populares, mas também abordou de maneira minuciosa as reuniões emergenciais que ocorriam entre os três poderes.
A edição refletia um sentimento ambíguo: de um lado, a dor pela perda de um presidente que simbolizava a transição democrática; de outro, a preocupação com o futuro imediato, diante da ausência de um líder com o capital simbólico necessário para sustentar o processo de abertura.
O Correio também trouxe entrevistas com lideranças políticas e especialistas que alertavam para o risco de retrocessos institucionais, mas destacavam que o momento deveria ser de união em torno da Constituição, da estabilidade e da continuidade das reformas. A publicação sublinhava que a morte de Tancredo exigiria maturidade da jovem democracia brasileira.
Jornal do Brasil
Manchete: Morre Tancredo
Um dos principais veículos impressos do país na época, o Jornal do Brasil adotou um tom mais investigativo e analítico. Embora a manchete fosse direta, a cobertura mergulhou nas ambiguidades da transição política e nos bastidores médicos e institucionais. Foi um dos primeiros veículos a questionar, com base em fontes reservadas, a falta de clareza sobre o real estado de saúde de Tancredo durante o período pré-posse.
A publicação apontava que havia, entre alguns setores do governo e do Congresso, conhecimento prévio sobre a gravidade do quadro clínico do presidente eleito. E sugeria que a resistência à posse de Sarney teria sido mais intensa do que se havia admitido publicamente.
O JB também refletiu sobre o futuro institucional do país. Ainda que reconhecesse a legitimidade constitucional de Sarney, alertava que ele assumia com autoridade herdada, mas não conquistada. Havia expectativa sobre como o novo presidente lidaria com a pressão por reformas, a hiperinflação e a convocação de uma Constituinte.
Além disso, o jornal dedicou espaço significativo à construção do mito Tancredo. Sua morte no 21 de abril foi tratada como um marco histórico, ligando-o simbolicamente a outros mártires da república. A figura de Tancredo era mostrada como elo entre o passado autoritário e o futuro democrático.
Tancredo, conciliador e moderado
Tancredo Neves foi uma das figuras mais emblemáticas da política brasileira do século 20. O mineiro de São João del-Rei construiu sua trajetória ao longo de décadas como advogado, parlamentar e ministro, destacando-se por sua habilidade conciliadora e perfil moderado.
Foi ministro da Justiça de Getúlio Vargas, deputado federal por diversos mandatos e primeiro-ministro no curto período parlamentarista do governo João Goulart. Durante a ditadura, tornou-se uma voz respeitada da oposição.
Em 1984, articulou a Aliança Democrática coalizão entre MDB e dissidentes do PDS que o levou à eleição indireta após o fracasso das Diretas Já. Sua figura simbolizava o pacto político que encerrou a ditadura sem rupturas institucionais.
Seu estilo conciliador foi decisivo para costurar apoios e conter resistências nos bastidores. Sua morte, às vésperas da posse, o impediu de governar, mas eternizou sua imagem como símbolo da redemocratização brasileira.