Congresso em Foco

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No dia 21 de abril de 2025, Brasília completa 65 anos. A cidade, projetada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, e construída sob o comando de Juscelino Kubitschek, foi inaugurada oficialmente em 1960, concretizando um ideal republicano muito antigo: levar a capital Federal do Brasil ao interior do país como estratégia de integração nacional e ocupação territorial.

O que poucos sabem, no entanto, é que essa transferência já estava prevista na Constituição de 1891, a primeira da República. E ainda menos conhecida é a verdadeira autoria da emenda que tornou essa ideia constitucional. Ao contrário do que se costuma afirmar, não foi o então deputado Lauro Müller o autor da proposta. Entenda a seguir.

O que dizia a Constituição

A Constituição de 1891 estabelecia no artigo 3º:

“Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a futura Capital Federal.”

A cláusula acima expressava o desejo de construir uma nova capital no centro do país, embora sem prazo definido, deixando aberta a possibilidade para planejamento posterior.

Apenas apresentou

No dia 15 de dezembro de 1890, durante os debates da Assembleia Constituinte, o deputado Lauro Müller declarou que encaminharia à mesa uma emenda relacionada à futura mudança da capital. Disse considerar desnecessário justificá-la, pois estava assinada por 88 deputados e senadores:

“Vou mandar uma emenda à mesa para, no caso de mudança da capital da União, indicar a zona em que ela deve ser estabelecida”, afirmou.

A redação apresentada foi a seguinte:

“Fica pertencendo à União uma zona de 400 léguas quadradas situada no planalto central da República, a qual será oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a futura Capital Federal.”

O Paiz, 21 de dezembro de 1890.

O Paiz, 21 de dezembro de 1890.Reprodução

A emenda foi aprovada

O artigo 3º foi aprovado na sessão de 22 de dezembro de 1890 e incorporado quase literalmente à Constituição promulgada em fevereiro de 1891.

Registro dos Annaes da Câmara dos Deputados.

Registro dos Annaes da Câmara dos Deputados.Reprodução

O matutino Jornal do Commercio publicou a redação final da emenda já aprovada, destacando que o texto aprovado era um aditivo dos “Srs. Mursa e outros”, deixando claro que o conteúdo não era criação individual de Müller.

Jornal do Commercio, 23 de dezembro de 1890.

Jornal do Commercio, 23 de dezembro de 1890.Reprodução

Mas quem escreveu a emenda?

De acordo com o sociólogo e historiador Barbosa Lima Sobrinho, responsável por importante estudo histórico sobre o tema, o autor da proposta foi o tenente-coronel Joaquim de Souza Mursa, representante de São Paulo. Müller teria sido apenas apenas o porta-voz no plenário.

“Não foi Lauro Müller o autor da emenda apresentada. […] Pelo menos, entre os 88 constituintes que subscreveram a emenda, Lauro Müller figura em quinto lugar.”

Texto da revista Brasília, com análise de Barbosa Lima Sobrinho.

Texto da revista Brasília, com análise de Barbosa Lima Sobrinho.Reprodução

Essa informação é corroborada pelo próprio documento original dos Annaes da Câmara, o qual traz a lista completa dos signatários da emenda. O nome de Mursa aparece como o primeiro da relação, evidenciando seu protagonismo.

Neste sentido, muito embora o catarinense de Itajaí Lauro Müller tenha também assinado a emenda, ao que parece a autoria é do gaúcho de Pelotas Joaquim Mursa, que no caso era representante de SP na Assembleia Constituinte. 

Página dos Annaes da Câmara.

Página dos Annaes da Câmara.Reprodução

Continuidade constitucional

A previsão de mudança da capital permaneceu na Constituição de 1946 e foi finalmente concretizada no governo de Juscelino Kubitschek, com a construção de Brasília a partir de 1956 e sua inauguração a 21 de abril de 1960. A Constituição de 1988 consolidou a decisão:

“Art. 18, parágrafo 1º – Brasília é a Capital Federal.”

Um projeto coletivo

A transferência da capital para o interior foi, desde o início, um projeto de nação, com respaldo constitucional desde a origem da República. Fazer justiça histórica à autoria da emenda reconhecendo o papel central de Mursa e dos demais parlamentares que a subscreveram é também valorizar a construção coletiva desse ideal de país. Veja quem foram os subscritores da emenda:

  • Mursa, F. Schmidt, Rodolpho Miranda, Lacerda Coutinho, L. Müller, Caetano de Albuquerque, José Mariano, Pedro Americo, Sá Andrade, Aquilino do Amaral, Pinheiro Guedes, Alfredo Ellis, Moraes Barros, R. Campos, Moreira da Silva, Adolpho Gordo, Paulino Carlos, Dr. Thomaz Carvalhal, Domingos de Moraes, Rodrigues Alves, Angelo Pinheiro, Martinho Prado Junior, Falcão da Frota, Pinheiro Machado, Victorino Monteiro, Abreu, R. Osorio, Dionysio Cerqueira, M. Valladão, Silva Canedo, Domingos Rocha, Laper, Silva Paranhos, Guimarães Natal, P. Souza, S. Fleury Curado, A. Stockler, Francisco Veiga, Leonel Filho, J. Catunda, Cassiano do Nascimento, Paula Guimarães, Carlos Justiniano das Chagas, João Luís, Chagas Lobato, Pacífico Mascarenhas, Julio de Castilhos, Aristides Maia, Ferreira Rabello, Costa Machado, Domingos Porto, José Bevilacqua, Bezerril, Urbano Marcondes, Baptista da Motta, Carlos Campos, Athayde Junior, Belfort Vieira, Uchôa Rodrigues, Leite Oticica, Raulino Horn, Gonçalo de Lagos, Antonio Justiniano Esteves Junior, João Avellar, Polycarpo Viotti, Alcides Lima, B. Mendonça, Marciano de Magalhães, Generoso Marques, Espirito Santo, M. J. J. Serpa, João Vieira, J. Retumba, Prisco Paraiso, Coronel Pires Ferreira, Dr. Elyseu Martins, Dr. J. Nogueira Paranaguá, Anfrísio Fialho, Theodoro Alves Pacheco, Bellarmino Carneiro, Garcia Pires, Ramiro Barcellos, Menna Barreto, Fernando Lobo, Moniz Freire, Pereira da Costa, Leopoldo de Bulhões, Bueno de Paiva e Astolpho Pio.

Quem foi?

Joaquim de Sousa Mursa nasceu em 1828, em Pelotas (RS). Ingressou ainda jovem na Escola Militar, no Rio de Janeiro, e formou-se engenheiro e matemático em 1858. Pouco depois, foi enviado à Alemanha, onde se especializou em mineração e metalurgia na tradicional Escola de Freiberg.

De volta ao Brasil, assumiu a direção da Fábrica de Ferro de São João do Ipanema, em São Paulo, cargo que ocupou por 25 anos, modernizando a indústria siderúrgica nacional. Republicano convicto, foi escolhido em 1889 para compor a Junta Governativa de São Paulo após a proclamação da República, ao lado de Prudente de Morais e Rangel Pestana.

Em 1890, foi eleito deputado constituinte e ajudou a elaborar a primeira Constituição republicana, promulgada em 1891. Tornou-se então deputado federal, e é de sua autoria a emenda constitucional que insere na Carta Republicana a previsão da mudança da capital Federal para o Planalto Central. Mursa enfrenta com firmeza o golpe de Deodoro da Fonseca, que tentou fechar o Congresso, participando da resistência legalista – com a ajuda decisiva de sua esposa, que agiu como emissária secreta entre parlamentares e o marechal Floriano Peixoto.

Faleceu em 21 de outubro de 1893, no exercício do mandato, deixando sua marca como militar, engenheiro e um dos articuladores da transição do Brasil para a República.



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