A morte da menina Sarah Raissa Pereira de Castro, de apenas oito anos, após participar do chamado desafio do desodorante, intensificou a pressão por uma regulamentação das redes sociais no Brasil. O episódio, ocorrido em Ceilândia (DF), levou autoridades e especialistas a renovarem o alerta sobre os riscos a que crianças e adolescentes estão expostos em ambientes digitais sem supervisão.
Protesto com mochilas em frente ao Congresso Nacional, organizado em 2023 pela Avazz, para pressionar pela regulamentação das plataformas digitaisPedro Ladeira/Folhapress
Sarah inalou o conteúdo de um desodorante aerossol na última quinta-feira, o que causou uma parada cardiorrespiratória. Ela chegou a ser reanimada no Hospital Regional de Ceilândia, mas teve a morte cerebral confirmada ainda na unidade de saúde. O caso foi registrado oficialmente no domingo, quando a família procurou a 15ª Delegacia de Polícia.
A primeira-dama Janja da Silva cobrou, em vídeo publicado nas redes sociais, uma resposta urgente do Congresso diante do caso. “É urgente regulamentação dos espaços digitais. Quantas crianças precisaremos perder? Quantas pessoas ainda precisaram sofrer violências para que consigamos um espaço saudável na internet?”
Janja voltou a defender a aprovação de regras claras para as plataformas digitais: “Temos uma série de temas importantes que precisam de votação no Congresso Nacional, mas tem essa que é urgente, urgentíssima: a regulamentação das redes sociais. As redes sociais precisam de regulamentação. Não podem ser terra de ninguém”.
56 mortes em 11 anos
De acordo com o Instituto DimiCuida, entre 2014 e 2025, ao menos 56 crianças e adolescentes brasileiros, entre 7 e 18 anos, morreram após participarem de desafios nas redes sociais. Os dados são baseados em registros da imprensa e relatos de familiares.
A Polícia Civil do DF apura como Sarah teve acesso ao conteúdo, e quem são os responsáveis por sua disseminação. O delegado João Ataliba afirmou que, se comprovado dolo ou grave negligência, os envolvidos podem responder por homicídio duplamente qualificado, com pena de até 30 anos de prisão.
Movimento pela regulação
O governo federal já havia se comprometido, na semana passada, a retomar as negociações com o Congresso para votar a regulação das plataformas digitais. O tema voltou à agenda com força após embates entre empresas como X (antigo Twitter) e o Supremo Tribunal Federal.
“O governo está terminando de definir sua posição de mérito e de estratégia. Nossa compreensão é que essa regulação precisa equilibrar três coisas: primeiro, a responsabilidade civil das plataformas; segundo, o que a gente chama de dever de prevenção e precaução, que significa a necessidade de atuar preventivamente para que não haja disseminação de conteúdos ilegais e danosos a indivíduos ou a coletividades; e terceiro, que elas atuem na mitigação dos riscos sistêmicos da sua atividade”, defendeu João Brant, secretário de Políticas Digitais da Presidência, em palestra na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Na gaveta da Câmara
O principal texto em discussão é o PL 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News. Já aprovado pelo Senado, o projeto está parado na Câmara desde 2023 por falta de acordo. A proposta está pronta para votação em plenário, mas deve passar ainda por mudanças. O texto original é de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE)..
Hoje, as plataformas operam sob o Marco Civil da Internet, de 2014, cujo Artigo 19 limita a responsabilidade das empresas ao não cumprimento de ordens judiciais salvo em casos excepcionais.
“Quando você vai discutir regulação ambiental, por exemplo, o tempo inteiro você olha para os riscos sistêmicos, aqueles riscos que são inerentes à atividade, que afetam direitos fundamentais ou outros marcos legais relevantes. E é preciso mitigar esses efeitos, impor responsabilidades e custos. E o que a gente tem é uma distorção do ambiente digital, sem que as plataformas assumam qualquer responsabilidade”, argumentou Brant.