A estratégia vai além da simples formalidade burocrática: ela reflete uma busca por aceitação social, anonimato e até recomeço
Em uma tentativa de reescrever suas histórias e se libertar do peso de sobrenomes associados a crimes brutais que marcaram o Brasil, diversos criminosos notórios — e até seus familiares — têm recorrido à Justiça para mudar seus nomes. A estratégia vai além da simples formalidade burocrática: ela reflete uma busca por aceitação social, anonimato e até recomeço. Casos recentes, revelados pelo colunista Ulisses Campbell, da True Crime, do O Globo, mostram como essa prática tem se intensificado, especialmente após mudanças na legislação que facilitaram alterações nos registros civis.
Um dos casos mais emblemáticos é o de Elize Matsunaga, condenada por matar e esquartejar o marido, o empresário Marcos Matsunaga, em 2012. Desde que saiu da prisão, Elize tem travado uma batalha judicial com os ex-sogros, Mitsuo e Misako Matsunaga, que têm a guarda da filha do casal e buscam anular sua maternidade. Hoje, a filha do casal tem 14 anos. Ao mesmo tempo em que luta para recuperar o vínculo com a filha, Elize já apagou o próprio sobrenome Matsunaga de seus documentos. Atualmente, ela se apresenta como Elize Araújo Giacomini, numa tentativa de romper com o estigma do crime.
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Jatobá e Nardoni
O mesmo caminho foi seguido por Anna Carolina Trotta Jatobá, condenada pelo assassinato da enteada Isabella Nardoni, em 2008. Ao deixar a prisão, ela abandonou o sobrenome do ex-marido e cúmplice, Alexandre Nardoni, e voltou a usar apenas os nomes de solteira. Os dois filhos do casal também deixaram de lado o “Nardoni”, adotando apenas o sobrenome materno e “Alves”, do avô paterno. Anna Carolina ainda solicitou cidadania italiana para os filhos — um gesto que pode indicar o desejo de começar uma nova vida fora do país.
A advogada Mabel de Souza Pinho explica que a lei permite a mudança de nome como uma forma de dar às pessoas a chance de um novo começo. Desde 2022, maiores de 18 anos podem alterar o prenome sem justificativa e quantas vezes quiserem mudar o sobrenome, contanto que haja base legal como casamento, divórcio ou adoção. No entanto, ela destaca:
“O objetivo da lei é equilibrar o direito ao recomeço com o dever de preservar a memória e proteger terceiros”
A Justiça, contudo, fica atenta a indícios de má-fé ou tentativas de apagar antecedentes criminais. Quando há suspeitas, o cartório pode acionar o juiz para avaliar o pedido.
Suzane von Richthofen
O caso de Suzane von Richthofen, talvez o mais famoso do país, também chama atenção. Em liberdade desde 2023 após cumprir parte da pena de 39 anos pelo assassinato dos pais, ela trocou oficialmente de nome. Passou a se chamar Suzane Louise Magnani Muniz, em registro de união estável com o médico Felipe Zecchini Muniz, com quem teve um filho. O novo sobrenome é uma junção do nome da avó materna e do atual companheiro — uma tentativa de se desvincular completamente do sobrenome que aterrorizou o Brasil no início dos anos 2000.
Cravinhos
Outro protagonista do crime que envolveu Suzane, Daniel Cravinhos, também rebatizou sua identidade. Já alterou seus documentos duas vezes: a primeira, ao se casar com a biomédica Alyne Bento, adotando o sobrenome dela; e a segunda, ao contrair novas núpcias, passando a se chamar Daniel Andrade, sobrenome da atual esposa. Em entrevistas, Daniel relatou episódios de preconceito:
“Cheguei a ser expulso de um restaurante com uma namorada porque o gerente disse que não aceitava pessoas como eu no estabelecimento”
Em contrapartida, seu irmão Cristian Cravinhos — também condenado pelo assassinato dos Richthofen — segue o caminho oposto. Recusou-se a abrir mão do nome que o tornou infame: “Caí com esse nome, vou me levantar com ele”.
No entanto, apesar de não querer mudar seu nome, Cristian teve seu nome retirado dos documentos de seu filho, após o mesmo entrar na Justiça pedindo para retirar totalmente a filiação de paternidade com o criminoso, solicitação está que foi acatada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em fevereiro deste ano.
O filho, atualmente com 26 anos, baseou o pedido na falta de relação com o pai e constrangimento ao longo da vida na escola e no trabalho por conta do crime cometido por Cristian. Na época do crime, em 2002, Rafael tinha 3 anos de idade.
O rapaz e Cristian só tiveram contato em três oportunidades nos últimos 26 anos. Segundo o processo, Cristian deixou de ter vínculo e prestar assistência para o filho mesmo antes de participar do crime.