Ex-presidente da autoridade monetária avalia que o governo Lula adota medidas que aumentam a inflação no longo prazo
O ex-presidente do BC (Banco Central) Roberto Campos Neto disse nesta 3ª feira (8.abr.2025) que o “problema” não está na autoridade monetária. Ele comentava sobre a taxa básica, a Selic, que está em 14,25% ao ano. Afirmou que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adota medidas que aumentam a inflação estrutural no longo prazo, como a ampliação de gastos sociais.
“Eu acho que o Banco Central está indo super bem. Eu acho que o problema não está no Banco Central. Às vezes tem muita mídia em torno do BC. O Banco Central tem uma ferramenta, que é os juros, para atingir uma missão que nem é dada por ele, a missão é dada pelo governo”, disse.
O presidente do BC afirmou que o governo Lula poderia ter escolhido mudar a meta de inflação no passado. O CMN (Conselho Monetário Nacional) votou pela continuidade da meta em 3%, com intervalo de tolerância de até 4,5%.
“O governo poderia mudar tudo, se quisesse, mas, não. O governo escolheu fazer a meta de inflação do jeito que ela é feita e tem uma meta que é escolhida pelo governo. O Banco Central usa os juros para atingir aquela meta”, declarou Campos Neto.
Em março de 2022 o ex-presidente do BC afirmou que mudar a meta de inflação não ganha credibilidade. Em fevereiro de 2023, declarou que alterar o patamar teria um efeito “contrário ao desejado”.
Campos Neto está cumprindo quarentena de 6 meses depois de sair do cargo em dezembro de 2024. Campos Neto participou do programa Pânico, na Rádio Jovem Pan. Adriana, mulher de Campos Neto, disse ser fã do programa. “Fui eu que falei para ele vir”, disse ela durante a transmissão.
O Banco Central diminuiu de 2,1% para 1,9% a projeção para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil em 2025. Na ata da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), o BC disse que a desaceleração da economia é “elemento necessário” para levar a inflação para a meta de 3%.
O intervalo da meta é de 1,5% a 4,5%. A taxa do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) foi de 5,06% em fevereiro. Segundo o BC, deverá subir para 5,6% em março e ficar próxima de 5,5% nos próximos meses.
Na última reunião do Copom, os diretores do BC subiram a taxa básica, a Selic, para 14,25% ao ano. Sinalizaram que o juro base vai subir no próximo encontro, de maio, mas em “menor magnitude”.
GASTOS PÚBLICOS
Campos Neto disse que o governo tem adotado medidas que parecem boas no curto prazo, mas impactam negativamente no longo. Citou a necessidade de gasto social.
O ex-presidente do BC afirmou que despesas nesta área são ótimas, mas precisam ter “porta de saída”. E completou: “Quando você estimula a demanda, dando dinheiro para as pessoas que precisam e vão consumir, a gente precisa saber a implicação disso no longo prazo”.
O ex-chefe da autoridade monetária declarou que o governo não dá conta de pagar os estímulos e precisa aumentar a carga tributária do estoque de Poupança e das empresas, na formação de capital.
“Se está sempre estimulando a demanda de curto prazo e o dinheiro para pagar isso vem de investimento, no final das contas eu vou ter mais consumo e menos investimento. Se pegarmos isso em uma trajetória mais longa, mais consumo e menos investimento é mais inflação”, defendeu Campos Neto.
Para ele, o Brasil está em uma trajetória de fazer programas sociais e justiça social, mas que o lado do capital e investimento “sempre” paga a conta.
“A única alternativa a isso seria se o governo investisse muito, mas o governo não faz isso. Gasta muito”, disse. “Estamos numa armadilha que gera uma inflação estrutural à frente e um problema para a gente ser produtivo”, declarou Campos Neto.
O ex-presidente do BC afirmou que, com exceção do setor do agronegócio, a produtividade caiu nos últimos anos.
Para Campos Neto, o governo precisa adotar medidas para estimular a oferta e os investimentos. O ex-presidente do BC disse que, ao fazer isso, há ampliação da produção e de empregos. Esse cenário cria um aumento da renda e um equilíbrio macroeconômico mais sustentável para crescimento de longo prazo sem inflação.
“Grande parte das políticas do governo nos últimos tempos são mais ligadas a uma visão política eleitoreira de curto prazo. Vão estimular a demanda e, como não tem como pagar, tem que tirar de algum lugar e acaba tirando da parte produtiva”, declarou.
A DBGG (Dívida Bruta do Governo Geral) subiu para 76,2% do PIB (Produto Interno Bruto) em fevereiro. Aumentou 0,5 ponto percentual em relação a janeiro. Campos Neto declarou que a dívida nominal vai crescer 9% ao ano.
TARIFAS DE TRUMP
Campos Neto comentou sobre as tarifas anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra países. Afirmou esperar um acordo de reciprocidade das tarifas comerciais entre os países e os EUA.
Segundo ele, o processo de reindustrialização norte-americano depende da aptidão, eficiência, mão de obra e da tecnologia no país. O ex-presidente do BC afirmou que ir contra a tendência natural “encarece” a cadeia produtiva e torna a economia menos eficiente. Por isso, o processo de reindustrialização não tem relação com reciprocidade tarifária.
“Eu sou um economista liberal. O que a gente acredita é que cada país tem estar na sua fronteira de eficiência. Ou seja, eu vou fazer aquilo que eu sou mais eficiente e vou trocar com algum outro país, ou comerciar, com aquilo que ele é mais eficiente do que eu”, disse.
Campos Neto afirmou que o país norte-americano aceitou propositalmente, desde o Plano Marshall (1948-1951) condições de tarifas não recíprocas em troca de ter o dólar como moeda dominante no mundo.
O dólar se tornou a principal moeda global. “E agora tem esse questionamento se essa não reciprocidade é razoável ou não”, disse Campos Neto.
Ele disse que, nos acordos dos EUA com o mundo, existia uma ideia de que o país ia pagar mais pela defasa. Esse foi um dos motivos para a dominância do dólar.
Campos Neto disse que os pesos das tarifas dos EUA contra outras nações foram feitos com base saldo da balança comercial. “Aquilo me pareceu muito confuso, difícil de explicar, parecia uma conta que não era muito elaborada e gerou muita incerteza”, disse.
O ex-presidente do BC declarou que há um tratamento assimétrico nas tarifas dos EUA, apesar de o país ter concordado com isso durante muitos anos. “Agora está tentando rever esse tipo de acordo. Eu acho que vamos ter um momento de incerteza que vai ser mais prolongado”, declarou.
Campos Neto disse que, se a tabela publicada por Trump, de fato, valer, os Estados Unidos vão provocar mudanças na cadeia de produção de empresas. Afirmou que a China é um grande mercado de exportação.
“Hoje, a China tem alguns mercados que precisam para poder alimentar os seus produtos, e os Estados Unidos é um grande mercado. Se você fecha os Estados Unidos, hoje vão sobrar […] Indonésia, Malásia, Brasil, Índia”, declarou.
FUTURO DIGITAL
Para o economista, o futuro do mundo será uma economia digital.
“Eu acho que, no final das contas, nós vamos para o digital. Não vamos nem para o dólar nem para o yuan. Tem alguns artigos sendo publicados. Temos soluções que conseguem ligar sistemas de pagamentos instantâneos em tempo real”, disse Campos Neto.
Segundo ele, o risco das moedas deixará de ser algo relevante neste novo cenário. O ex-presidente do BC espera que haja uma conectividade de entre as nações, como uma espécie de Pix global.
Questionado sobre quem foi o pai do Pix, Campos Neto afirmou que o sistema de pagamentos instantâneos foi criado pelos funcionários da autoridade monetária.