Congresso em Foco

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O jurista canadense Bernard Duhaime, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a promoção da verdade e da justiça, cobrou do Estado brasileiro o fim da anistia a agentes da ditadura militar. Em declaração pública nesta segunda-feira (7), no Rio de Janeiro, ele alega que a interpretação atual da Lei de Anistia impede a responsabilização por crimes como tortura e desaparecimento forçado, e estimula a impunidade.

Duhaime apontou que o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal em 2010 ao considerar anistiáveis os crimes praticados por agentes do regime viola tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. “Essa interpretação cria dois grupos opostos sujeitos ao perdão, tornou-se um dos obstáculos mais significativos à justiça de transição e à não repetição”, afirmou o relator.

Declaração foi feita no Rio, ao fim de missão oficial sobre justiça de transição no Brasil.

Declaração foi feita no Rio, ao fim de missão oficial sobre justiça de transição no Brasil.UN Photo/Rick Bajornas

Violações e consequências

Segundo ele, a ausência de punição por violações cometidas entre 1964 e 1985 enfraquece a confiança da sociedade nas instituições e favorece a repetição de abusos. Duhaime mencionou os ataques às sedes dos três poderes em 8 de janeiro de 2023 como reflexo direto da falta de responsabilização por crimes do passado, “demonstrando os efeitos perigosos de um modelo incompleto de justiça de transição”.

O relator destacou que mais de 50 denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal contra ex-agentes da repressão foram barradas com base na Lei de Anistia. Para ele, a anulação da possibilidade de julgamento desses crimes contradiz as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que já condenou o Brasil em casos como o da repressão à Guerrilha do Araguaia e o assassinato do jornalista Vladimir Herzog.

Recomendações à Justiça brasileira

Duhaime pediu que o Brasil promova mudanças legais para garantir a punição de crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura. Ele defendeu que o desaparecimento forçado seja tratado como crime permanente e que não haja prescrição para esse tipo de violação.

Também recomendou que a Justiça brasileira desconsidere alegações de ordens superiores como justificativa para absolvições e aplique o princípio da responsabilidade de comando nos casos envolvendo chefias militares ou civis.

“As sanções judiciais para crimes internacionais cometidos durante a ditadura devem ser proporcionais à sua gravidade e nunca devem ser objeto de indultos ou semelhantes procedimentos discricionários”, destacou.

Missão e relatório final

O relator realizou uma série de reuniões com representantes dos Três Poderes, vítimas, entidades civis e organismos internacionais. A visita faz parte de um processo de avaliação das políticas de justiça de transição adotadas pelo Brasil desde o fim do regime militar.

As conclusões de Duhaime serão reunidas em um relatório oficial, que será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em setembro. O documento trará um conjunto de recomendações aos governos federal, estaduais e municipais, com foco na responsabilização por crimes da ditadura, no fortalecimento da democracia e na prevenção de novas violações.

“Enquanto o direito à verdade e à justiça não for assegurado a todas as vítimas da ditadura, essa divisa pode persistir e a história tende a se repetir”, alertou.



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