Seleção acumula turbulências, troca de técnico, má fase, vexames e clima de desânimo, mas retrospecto mostra: é exatamente assim que o Brasil costuma ganhar Copas do Mundo
O torcedor brasileiro que olha para a Seleção em março de 2025 tem mais dúvidas do que certezas. E, surpreendentemente, isso pode ser uma ótima notícia. Se a história servir de guia, quanto maior o caos antes da Copa do Mundo, maior a chance de a taça parar em terras brasileiras. O filme já passou várias vezes.
O Brasil chega ao ciclo final para o Mundial de 2026 vivendo uma sequência negativa que não se via há décadas. A Seleção ocupa hoje a quarta colocação nas Eliminatórias, estando a 7 pontos da repescagem, restando apenas 4 jogos pro término do torneio. Sofreu 5 derrotas derrotas e 3 empates nesta edição, e até foi superada pela Argentina no Maracanã — algo inédito na história — e amarga uma seca de títulos desde a Copa América de 2019. O último fiasco foi a eliminação nas quartas de final da Copa América de 2024, perdendo para o Uruguai.
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A crise institucional é outro ingrediente do caldeirão: Ednaldo Rodrigues chegou a ser afastado da presidência da CBF pela Justiça e retornou meses depois. A troca no comando técnico também se tornou novela. Carlo Ancelotti foi anunciado, depois desistiu. Dorival Júnior foi contratado às pressas e, em seu início, soma mais tropeços do que triunfos, sendo muito criticado, com razão, principalmente após a falta de liderança na Copa América onde ficou de fora da rodinha antes do pênaltis, e pelo time todo mal montado no fatídico vexame contra a Argentina, que goleou a Canarinho por 4×1.
Mas se o torcedor for supersticioso ou historiador, verá um padrão reconfortante. Em quase todas as vezes que o Brasil conquistou a Copa, o pré-torneio foi conturbado, e em todas as quedas traumáticas, o ambiente era de euforia. Confira a seguir os fatos.
1958 — Pelé no banco e crise de identidade
O Brasil chegou à Suécia em 1958 sem nunca ter vencido uma Copa e com Pelé e Garrincha fora do time titular nas primeiras partidas. A equipe havia trocado de técnico pouco antes e sofria com questionamentos internos sobre o estilo de jogo. O Brasil demitiu o técnico Oswaldo Brandão poucos meses antes da Copa. Vicente Feola assumiu e levou o time ao título. Visto como favorito em 1950, o time chegou com o peso de superar o trauma do Maracanazo. Chegou à Suécia sob suspeitas internas e externas. Zagallo relatou em sua autobiografia que havia desorganização e improviso na preparação. Resultado? Primeira estrela.
1962 — Pelé fora, Garrincha gênio
No Chile, a Seleção sofreu um baque logo na segunda partida: Pelé lesionado e fora do torneio. A esperança ruiu? Nada disso. Amarildo entrou no lugar de craque e foi decisivo, contrariando o clima de pessimismo. Garrincha também assumiu a responsabilidade e protagonismo e tomou conta da Copa, garantindo o bicampeonato, e brilhando na artilharia junto de Vavá.
1970 — Ditadura, troca de técnico e desconfiança
João Saldanha foi demitido a dois meses da Copa após divergências políticas e desentendimentos com a CBD (atual CBF). Zagallo assumiu sob muita pressão, foi muito criticado antes do torneio, e parte da imprensa não acreditava no sucesso da equipe . Pelé, principal jogador da equipe, era acusado de estar em declínio. O Brasil? Campeão invicto e jogando o futebol mais admirado de todos os tempos.
1994 — 24 anos de jejum e pragmatismo
O Brasil chegou aos EUA há 24 anos sem vencer uma Copa, a mesma situação atual. Era considerado “feio”, defensivo, sem brilho, e Parreira era contestado. Parreira sofreu forte rejeição pública pelo estilo de jogo pragmático. Ricardo Gomes, zagueiro titular, se lesionou e ficou fora. Na preparação, o time empatou jogos fracos e teve atuações irregulares. Chegou-se a dizer que a seleção era a pior em décadas. Mas lá estava Romário, e o Tetra veio. Ah, detalhe: 2026 também será nos Estados Unidos, e a Seleção vai ter completado 24 anos sem vencer uma Copa do Mundo. Os supersticiosos que se segurem.
2002 — Classificação no sufoco e Ronaldo desacreditado
Brasil perdeu seis jogos, usou quatro técnicos (Luxemburgo, Candinho interino, Leão e finalmente Felipão) e só se classificou na penúltima rodada. Brigas de bastidores e incerteza sobre a convocação marcaram os meses anteriores à Copa. Ronaldo voltava após dois anos praticamente sem jogar, e foi criticado pela condição física. Felipão chegou a ser xingado por não convocar Romário, Fenômeno era chamado de ex-jogador, e Rivaldo era criticado por não estar jogando bem. O resultado? Penta com os dois sendo artilheiros e protagonistas da conquista.
A maldição da boa fase
Nos últimos ciclos, o roteiro foi o inverso. O Brasil chegou à Copa de 2006 campeão da Copa América e da Copa das Confederações, com Ronaldo, Ronaldinho, Kaká e Adriano em alta, sendo até apelidados de “O Quadrado Mágico”. Caiu para a França nas quartas. Em 2010, outra boa campanha nas Eliminatórias e mais um título da Copa América e Copa das Confederações. Nova eliminação nas quartas.
Em 2014, campeão da Copa das Confederações goleando a Espanha, cheio de moral, parou na histórica goleada alemã. Em 2018, sob o comando de Tite, venceu as Eliminatórias com folga e caiu para a Bélgica. Em 2022, mais uma campanha sólida e queda nas quartas para a Croácia.
O sinal está no ar?
De volta a 2026: o Brasil está há exatos 24 anos sem vencer a Copa, vai jogar novamente nos Estados Unidos, enfrenta uma crise técnica e institucional e está desacreditado pela imprensa e pelo próprio torcedor.
Diante de tudo isso, talvez, pela lógica (ou superstição) histórica, o torcedor brasileiro tenha motivos de sobra para acreditar: nunca estivemos tão “no caminho certo” para levantar a taça.