Em 2024, a TV Globo realizou aquela que chamou internamente de sua maior pesquisa de comportamento e consumo já feita. Batizada de “Brasil no Espelho”, a iniciativa tinha como objetivo entender o que o público gosta, rejeita e espera da programação. O estudo foi compartilhado com diversas áreas, especialmente com os criadores de conteúdo.
A proposta era usar os dados como bússola para aproximar ainda mais a emissora do público. Mas, segundo profissionais ouvidos por esta coluna, o efeito tem sido o oposto: em vez de abrir caminhos, a pesquisa virou um freio criativo.
Autores relatam que o estudo passou a ser usado como justificativa para decisões conservadoras — com vetos a temas considerados sensíveis, como sexualidade, política e pautas sociais que possam soar como “militância”. O receio de desagradar o público tem levado à limitação de ideias logo no nascedouro. O resultado é um cardápio de tramas cada vez mais padronizado.
Nos bastidores, comenta-se que a emissora tem caminhado para um modelo de novela “à la Rosane” (em referência a Rosane Svartman, um case de sucesso dentro da Globo) com novelas protagonizadas por mulheres fortes, com mensagens sociais diluídas e histórias seguras que evitam qualquer risco de rejeição. Tudo entregue no formato mais tradicional possível.
O resultado, apontam roteiristas, é uma padronização crescente das tramas. Internamente, comenta-se que a emissora está se inclinando cada vez mais para um modelo já testado: as chamadas “novelas da Rosane” — histórias centradas em mulheres resilientes, enfrentando injustiças com uma dose de crítica social medida no limite do aceitável, mas sem ousar na forma ou no conteúdo.
Na prática, a Globo parece estar apostando no seguro. Em vez de arriscar, prefere reforçar fórmulas conhecidas e bem aceitas. E, nesse movimento, a tão falada conexão com o público pode estar sendo conquistada às custas da liberdade criativa de quem escreve para ele.
Talvez por isso a Globo esteja apostando tanto em remakes. Em um ambiente onde a alta cúpula frequentemente corta tramas e sequências inteiras, deixando autores de cabelo em pé, é mais confortável (e menos arriscado) reciclar histórias que já funcionaram do que investir em narrativas inéditas que podem desagradar parte da audiência. Inovação, por enquanto, parece não estar no cardápio.