A gradual morte do secularismo turco

A gradual morte do secularismo turco


Por séculos o Império Turco Otomano, foi uma das maiores forças coloniais da Eurásia, estendendo seus domínios por uma vasta área e subjugando povos de diferentes etnias e religiões às vontades dos turcos muçulmanos sunitas. A derrota na Primeira Guerra Mundial, ocasionou também a dissolução do antigo império e a perda considerável de território, obrigando os turcos a encontrar um novo modelo de sociedade. Neste contexto, Mustafa Kemal Atatürk, depois de uma campanha militar vitoriosa na década de 1920, fundou a república e foi aclamado o pai dos turcos. O regime secularista e voltado à divisão dos poderes como uma nação ocidental deu à Turquia uma roupagem extremamente vanguardista perante as diferentes nações islâmicas cercando seu território. Apesar do culto à personalidade e restrição à oposição, Atatürk, conseguiu pavimentar um bom caminho para um ideal de nação de cultura muçulmana, mas com uma postura moderna.

A história política da Turquia após a morte de Mustafa Kemal não foi fácil. Foram turbulentos os períodos de insurgência étnica curda, pelo menos quatro golpes de Estado com participação do exército e muita repressão política. A ascensão ao poder de Recep Tayyip Erdogan parecia trazer ao país maior estabilidade, afastando o golpismo militar e buscando o diálogo com todo o mundo. Inicialmente, as reformas infraestruturais e políticas, foram extremamente bem recebidas, mas o tempo mostrou aos turcos que o poder enebria até mesmo os políticos com boas intenções. 

A escalada autoritária de Erdogan se intensifica com a tentativa de golpe de 2016, quando uma facção dentro das Forças Armadas tentou depô-lo, alegando corrupção e arbitrariedades. O golpe não aconteceu de fato, já que a resistência popular e a lealdade de parte das forças de segurança reprimiu os dissidentes e aprisionou milhares de pessoas supostamente envolvidas no caso. Esse período marcou também uma forte centralização do poder, com a abolição do cargo de primeiro-ministro em 2018 e consolidando a chefia de governo e chefia de estado nas mãos de um só homem, Recep Tayyip Erdogan.

As mudanças não ocorreram apenas no campo político, mas no campo comportamental e religioso, em um movimento chamado por muitos analistas europeus de “a arabização da Turquia”, no qual a religião islâmica começa a ganhar muito mais destaque na vida pública e política do que deveria em um estado secular. A aproximação de Erdogan às ditaduras do Golfo, e o antagonismo criado em relação ao Estado de Israel, apenas reforçam a tese. Na política externa, Erdogan, busca recuperar a influência transnacional do finado Império Otomano, fazendo sua presença ser sentida em todo o Cáucaso, Levante, Norte da África e Balcãs, em uma política definida como “neo-otomana”. 

Todas essas mudanças estruturais não aconteceriam sem a oposição da população e dos demais partidos políticos, por isso, o aparato estatal controlado por Erdogan, começou a se tornar muito mais repressivo para alcançar suas metas. A imprensa nacional passou e passa por diversos filtros que limitam seu conteúdo, seu alcance, e punindo jornalistas críticos ao governo. O sistema judiciário se tornou cada vez mais conivente com a perseguição promovida pelo Executivo e os parlamentares de oposição passam por processos de desmoralização pública e prisões arbitrárias.

Em mais um passo decisivo rumo a uma autocracia, a Turquia de Erdogan deteve o prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu. Figura carismática e ativo no partido Kemalista desde 2008, Imamoglu estava prestes a oficializar sua campanha para a presidência da Turquia, aquela que seria a maior voz de oposição a Erdogan em muitas décadas. As acusações da polícia partem desde corrupção até auxílio a grupos terroristas, argumentos até agora frágeis perante os documentos apresentados. O fato de Imamoglu ser o candidato mais forte na oposição, e com chances reais de derrotar Erdogan, talvez fale mais alto. Mediante ação claramente arbitrária, milhares de pessoas se manifestaram pelas ruas de Istanbul e Izmir demandando explicações sobre a prisão. Ao invés de responder aos anseios de uma população empobrecida, a polícia entrou em confronto com os manifestantes e prendeu dezenas de pessoas.

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A tragédia econômica promovida por Erdogan durante os últimos cinco anos somada à sua guinada autoritária colocam a Turquia em um patamar catastrófico para se tornar uma nação com profundos problemas. Em países democráticos, a voz das ruas e o voto popular muitas vezes recupera o espírito de um povo, ajudando-o a reencontrar o seu caminho rumo ao desenvolvimento. Infelizmente, em uma democracia na UTI, como é o atual caso turco, as esperanças da população seguem mais uma vez aprisionadas arbitrariamente por um déspota.



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