Congresso em Foco

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A OAB Nacional quando tive a honra de compartilhar a sua presidência no período compreendido entre 2007 e 2010 escolheu o combate ao passado autoritário como antídoto ao ressurgimento político dos saudosos da ditadura militar. Com essa finalidade histórica a OAB ajuizou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, para que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecesse que os crimes contra a humanidade não poderiam ser objeto de anistia, conforme estabelecido na legislação internacional e no corpo permanente da Constituição Federal (incisos XLIII e XLIV, do art. 5º).

Projeto de reabertura política foi articulado pelo ex-presidente Ernesto Geisel, entre 1975 e 1979

Projeto de reabertura política foi articulado pelo ex-presidente Ernesto Geisel, entre 1975 e 1979Manoel Pires/Folhapress

No mesmo sentido, a OAB ajuizou a ADPF 158, com o objetivo de revogar o regime diferenciado que ainda pune os militares que resistiram ou não concordaram com a ditadura civil-militar. Ajuizou, ainda, ação para que os arquivos da ditadura não permanecessem secretos (ADI 3987). Com idêntico intuito, interpôs medida para que o Superior Tribunal Militar (STM) apurasse denúncias de que arquivos daquela época estavam sendo queimados e destruídos.

Movia a OAB a certeza de que o futuro dos crimes contra a humanidade guardava relação direta com o futuro que se dá aos criminosos que os praticaram. É que o violador do crime contra a humanidade precisava saber que o seu ato covarde jamais poderia ser anistiado ou perdoado pelo transcurso do tempo, tampouco que seria protegido por uma soberania que lhe garantisse a impunidade. A advocacia não confundia a anistia com amnésia.

Mas, infelizmente, para o futuro da democracia, as escolhas exercidas pelo Poder Judiciário corroborada pelas escolhas do Executivo e do Legislativo trilharam caminhos diversos. Todos eles, sem exceção, recusaram-se a enfrentar o tenebroso tempo em que a violência dos porões da ditadura era servida na mesa da cidadania brasileira.

O STF julgou improcedente a ADPF 153, no dia 29 de abril de 2010, vencidos apenas os ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto, mantendo anistiados todos aqueles que cometeram os já citados graves crimes contra a humanidade. Igual destino a ADPF 158, o que implicou a perpetuação da perseguição dos militares que resistiram ao golpe de 1964. Em resumo: os que torturaram foram anistiados; os militares torturados e os que resistiram à tortura, não.

A ADI 3987, ajuizada no 19 de novembro de 2007, que pretendia acabar com o sigilo militar dos documentos e processos produzidos durante o período de chumbo, nunca foi a julgamento, sendo extinta sem julgamento de mérito em 11 de novembro de 2020, por perda do objeto, em razão de lei posterior que disciplinou a questão do sigilo documental no Brasil. Ainda hoje, por exemplo, se luta para que o STM libere os arquivos dos processos que tramitavam sob sua competência jurisdicional.

O Brasil bem sabia o que significava fortalecer os que detêm o poder das armas, os que querem subjugar a imprensa e os que sonham controlar as rédeas de julgamentos. Ainda assim escolheu, não enfrentar a questão militar e os atos criminosos praticados, mantendo impunes os terríveis crimes praticados durante o período que perdurou por longos e tenebrosos anos, sustentado pela força bruta que governava e paralisava toda uma nação, fazendo adormecer os sonhos de uma geração que ansiava reformar a velha e conservadora sociedade brasileira.

A equivocada escolha brasileira logo cobrou a sua fatura. Ao não enfrentarem a questão militar e as violações cometidas durante a nefasta ditadura, criaram-se as condições para o ressurgimento dos discursos anteriores ao golpe de 1964. No dia 31 de agosto de 2015, um golpe parlamentar-empresarial promovido pelo mesmo agrupamento que apoiara o golpe militar de 1964 afastava a Presidenta Dilma Rousseff, acusada do falso e inexistente crime de pedaladas fiscais. Era história que se repetia, tragicamente, nos mesmos moldes que se golpeou o presidente João Goulart.

Mas a eleição do militarista Jair Bolsonaro é, sem dúvida, o maior exemplo do erro cometido ao não enfrentar as violações cometidas durante a nefasta ditadura. Tempos depois, se pretendeu reestabelecer a mentalidade autoritária revogada pela Carta Constitucional de 1988, cedendo-se ao canto de sereia do Estado Policial, dos mitos autoritários, do fascismo, do ódio à classe trabalhadora, do temor às propostas da esquerda e da falaciosa propaganda das armas como fator de segurança. E, mais grave ainda, pela tentativa de assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes.

A escolha da retomada, pelo STF, do tema da anistia aos que praticaram crime de tortura e desaparecimento forçado é um alento de que os erros do passado ainda podem ser corrigidos. O sucesso e aceitação do vitorioso e premiado filme Ainda estou aqui, do genial Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Fernanda Montenegro mostram que o esquecimento não deveria estar presente na memória do país. Trata-se de uma lembrança internacional que previne a humanidade da repetição de crimes contra a humanidade.

O Brasil precisa entender que um povo que não conhece o seu passado está condenado a repeti-lo. Conhecer a História do Brasil, não anistiar quem atentou contra a Democracia, punir quem comete crimes contra a humanidade e proteger quem defende o Estado Democrático de Direito são as únicas escolhas que nos cabem no hoje. É a Democracia quem assim exige. A sobrevivência da humanidade também.

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