Mesmo magistrado que receber o teto de R$ 46.366,19 por mês e mais R$ 600 mil de indenizações durante o ano consegue escapar da norma que Lula criou para cobrar os mais ricos
O projeto de reforma do Imposto de Renda elaborado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem como objetivo principal promover “justiça social”, como disse o ministro Fernando Haddad (Fazenda). Só que a nova regra seguirá permitindo que juízes recebam penduricalhos que, na prática, dobram seus salários e são dos mais variados tipos sem incidência de imposto em quase todos os casos.
Isso porque os magistrados já pagam IR sobre seus salários (o teto constitucional é de R$ 46.366,19 por mês). Por causa disso, mesmo que recebam mais de R$ 600 mil por ano a partir de 2026, já terão pago imposto suficiente para ficarem isentos de tributação sobre as benesses adicionais.
A incidência das novas taxas será feita de forma gradual para quem ganha em média a partir de R$ 50.000 por mês. A alíquota pode chegar a até 10% para ganhos anuais de pelo menos R$ 1,2 milhão. Entenda lendo esta reportagem do Poder360.
Um exemplo: se um juiz recebe de salário bruto R$ 602.760,47 por ano (12 remunerações do teto de R$ 46.366,19 + o 13º), ele terá pago de Imposto de Renda aproximadamente R$ 151 mil, considerando a alíquota máxima mensal, de 27,5%, já com o teto e as deduções na conta sem considerar nenhum dependente.
Se esse magistrado hipotético receber R$ 600 mil adicionais em penduricalhos, sua renda bruta anual subirá para R$ 1,203 milhão. Dessa forma, o imposto mínimo de 10% estabelecido no projeto do governo (que nesse caso seria de R$ 120 mil) já teria sido pago com folga e não haveria mais nenhuma taxa adicional.
É grande o universo de juízes que ganham perto desse valor do exemplo acima. O Poder360 mostrou em fevereiro que, em 2024, os tribunais pagaram 63.816 salários mensais brutos acima de R$ 100 mil.
A exceção pode ser quando juízes têm rendimentos de outras fontes ou recebam, ocasionalmente, valores ainda mais altos do que recebem atualmente. E, mesmo assim, o entendimento da Justiça pode ser favorável aos magistrados por conta de decisões passadas sobre essas indenizações.
“De forma geral, os magistrados defendem que tais acréscimos possuem a natureza de indenização por dano material, que não seria tributada. É o caso, por exemplo, do auxílio-moradia e do auxílio-alimentação, cuja jurisprudência do STJ já entendeu ser isenta do IRPF“, diz Camila Correia de Araújo Barbosa, advogada do escritório Camila Barbosa Advocacia Tributária.
Hoje, esses penduricalhos (que incluem auxílio-moradia e alimentação, por exemplo) são pagos aos magistrados e a maioria não é taxada.
A proposta de reforma do Imposto de Renda enviada ao Congresso propõe isentar do imposto mínimo só as indenizações por “acidente de trabalho, por danos materiais ou morais, ressalvados os lucros cessantes”. Leia a íntegra do projeto de lei (PDF – 483 KB).
No ano passado, os penduricalhos dos juízes somaram R$ 12,9 bilhões, segundo informações de contracheques compilados pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).