Não se fala de outra coisa. Donald Trump é o assunto diário do momento. Nada mais gratificante para um líder famoso dos engenheiros do caos. Não importam verdade e mentira, consequências e danos, resistências e críticas. Desde que a imagem que se deseja construir seja fortalecida e a voracidade da bolha de seus seguidores devidamente abastecida e mobilizada, tudo se justifica. Valem bravatas estapafúrdias de péssimo gosto como a de transformar a Faixa de Gaza em resort ou ameaçar tomar a Groelândia e o Canal do Panamá. As tarifas de importação viraram ferramenta de chantagem.
O presidente Donald Trump, dos Estados Unidos: fim do liberalismo?Gage Skidmore (via Flickr/licença CC BY-SA 2.0)
A ideia de democracia é substituída por um governo movido a decretos, o que parece não incomodar a maioria republicana na Câmara dos Representantes e no Senado. E pela criação da imagem de um presidente plenipotenciário, onipresente e superpoderoso. Um verdadeiro xerife do mundo contemporâneo. Na mesa só duas opções: aderir ou receber a ira do neoimperialismo americano.
É ainda uma fase de acomodações. Na análise de líderes populistas iliberais que abusam de factoides exóticos e até de fake news, a atenção tem que estar concentrada nas ações concretas e não na retórica. Afinal, tarifas foram impostas e canceladas em 24 horas. Medidas sabidamente (inclusive por Trump) inconstitucionais foram revertidas na Justiça ou contraditadas por iniciativa de governadores de estados americanos.
Por outro lado, os EUA, apesar de serem a maior economia do mundo, não têm mais hegemonia absoluta e capacidade unilateral de dar as cartas. E ainda, determinadas medidas podem transformar-se em tremendo tiro no pé com a volta do cipó da aroeira da inflação, dos juros altos, da perda de competitividade e da queda do valor dos ativos americanos no lombo de quem mandou dar.
Ao final do século XX, encaramos uma realidade configurada pelo desmoronamento do socialismo real e pelo estrangulamento fiscal do Estado do Bem-Estar socialdemocrata. A globalização avançava, a hegemonia do liberalismo econômico e político parecia definitiva e a história teria encontrado o seu fim. O multilateralismo e a necessidade de uma governança global pareciam imperativos. Se bem que, no mundo da globalização avançada, o trânsito era livre para mercadorias e capitais, não para a força de trabalho.
A imigração em massa de populações pobres africanas, asiáticas e latino-americanas geraram resistências enormes, caldo de cultura propício para o surgimento de uma extrema-direita selvagem. A sociedade assiste à fragmentação de interesses e a polarização ideológica crescentes. Os partidos políticos perdem força e enfrentam a substituição parcial de seu papel pela participação direta individual ou em grupos nas crescentemente poderosas redes sociais.
Donald Trump, nestes dois meses, acionou sua metralhadora giratória contra tudo e todos. Não escaparam Canadá, México, Colômbia, Ucrânia, Brasil, China, Irã, Palestina. Tudo em nome do América First. As instituições multilaterais simbólicas do mundo pós-guerra foram confrontadas: OMS, OMC, Acordo de Paris, OTAN etc. Aonde chegaremos? Será o fim do liberalismo?
Muitos que apoiaram Trump já revelam seus temores e puseram as barbas de molho. Só o tempo poderá dizer até onde irão as estripulias e ousadia trumpistas. Só o tempo revelará completamente suas consequências.
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