O paradoxo da proteção: como a lei pode dificultar a contratação feminina

O paradoxo da proteção: como a lei pode dificultar a contratação feminina


Normas criadas sob a justificativa de proteção podem, na prática, restringir oportunidades e impactar negativamente a empregabilidade das mulheres

wavebreakmedia_micro/FreepikGarçonete trabalhanbdo no balcão
Rigidez da legislação pode gerar efeitos contrários ao desejado, reduzindo oportunidades e prejudicando a inclusão feminina

Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a reflexão sobre os avanços e desafios da igualdade de gênero no mercado de trabalho torna-se ainda mais relevante. Embora as conquistas sejam inegáveis, barreiras estruturais ainda dificultam a plena inserção feminina no mundo corporativo. Entre esses desafios, a legislação trabalhista merece atenção: normas criadas sob a justificativa de proteção podem, na prática, restringir oportunidades e impactar negativamente a empregabilidade das mulheres, evidenciando a necessidade de um debate mais aprofundado sobre modernização e equidade no ambiente profissional.

A presença feminina no mercado de trabalho representa uma das maiores transformações sociais e econômicas dos últimos séculos. Sua atuação em diversos setores impulsiona a diversidade, fortalece a competitividade empresarial e contribui para melhores desempenhos operacionais e financeiros. No entanto, interpretações jurídicas baseadas em legislações ultrapassadas podem limitar essas oportunidades, indo na contramão dos princípios de inclusão e igualdade de gênero.

As recentes decisões do STF e TST sobre a obrigatoriedade da folga quinzenal aos domingos para trabalhadoras do comércio exemplificam essa desconexão entre o direito e a realidade econômica. Embora concebida para proteger as mulheres, a aplicação rígida da norma pode dificultar sua inserção no mercado, especialmente em setores como o varejo, que exige funcionamento contínuo e escalas flexíveis. O objetivo não é questionar a proteção às mulheres, mas destacar como a rigidez da legislação pode gerar efeitos contrários ao desejado, reduzindo oportunidades e prejudicando a inclusão feminina.

A Análise Econômica do Direito sugere que normas jurídicas sejam interpretadas considerando seus impactos econômicos e sociais. No caso da folga quinzenal exclusiva para mulheres, os efeitos negativos para o setor varejista são claros. O aumento dos custos operacionais e da complexidade na gestão de escalas pode desencorajar a contratação feminina, tornando-a menos competitiva no mercado de trabalho.

Originada na CLT de 1943, essa regra impõe desafios significativos aos empregadores. Além da alta carga tributária e dos encargos trabalhistas, as empresas precisam reorganizar constantemente suas escalas para cumprir a exigência, afetando a eficiência operacional. Como consequência, regras inflexíveis podem, sem intenção, tornar a contratação de mulheres menos atrativa, reduzindo suas oportunidades de crescimento profissional. Isso não significa que medidas de proteção não sejam necessárias, mas, sim, que precisam ser modernizadas para evitar consequências indesejadas.

Entre os principais reflexos dessa decisão, destacam-se:

  1. Gestão de escalas comprometida: no varejo, onde o funcionamento aos domingos é fundamental, a necessidade constante de reorganizar escalas pode afetar a eficiência operacional e elevar custos com contratações e horas extras.
  2. Desigualdade oculta: embora a norma vise proteger as trabalhadoras, na prática, pode levar empresas a priorizar a contratação de homens para evitar restrições, contrariando o objetivo da política protetiva.
  3. Aumento de custos trabalhistas: a rigidez da legislação pode gerar mais ações judiciais, ampliando os custos jurídicos e tornando o ambiente de negócios menos atrativo.
  4. Menos oportunidades para mulheres: as dificuldades impostas podem levar à redução na contratação feminina no varejo, setor que tradicionalmente demanda grande participação das mulheres.

A modernização da legislação trabalhista deve ser um objetivo constante, garantindo segurança jurídica, mas também permitindo a adaptação das normas à nova realidade do mercado de trabalho. Algumas medidas poderiam ser adotadas para conciliar a proteção das trabalhadoras com a eficiência econômica:

  • Flexibilização via negociação coletiva: a legislação poderia permitir que sindicatos e empresas negociem regras que atendam às necessidades específicas do setor varejista, garantindo equilíbrio entre direitos trabalhistas e viabilidade operacional. 
  • Equidade na aplicação das normas: qualquer norma que regulamente jornadas e folgas deve ser aplicada de maneira isonômica a todos os trabalhadores, independentemente do gênero, evitando distorções no mercado de trabalho. 
  • Incentivos para a contratação feminina: políticas públicas que ofereçam incentivos fiscais para empresas que promovam igualdade de gênero podem mitigar eventuais impactos negativos gerados pela legislação trabalhista.

Além dessas medidas, algumas decisões judiciais recentes demonstram a necessidade de uma interpretação mais alinhada à realidade econômica e à empregabilidade feminina, garantindo que a proteção aos interesses das mulheres não seja utilizada como argumento para restringir sua contratação.

  1. Aplicação do Artigo 386 da CLT pelo Judiciário: o Judiciário tem mantido a obrigatoriedade da folga quinzenal sem avaliar sua viabilidade prática no setor varejista. Embora o princípio da condição mais benéfica seja importante, sua aplicação rígida pode reduzir as oportunidades de emprego para mulheres.
  2. Diferenciação de gênero no julgamento: o “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero” tem sido utilizado para justificar regras diferenciadas. No entanto, essa distinção pode ter o efeito oposto ao pretendido, reduzindo a competitividade da mão de obra feminina e favorecendo a contratação de trabalhadores homens, que não enfrentam as mesmas restrições.
  3. Ônus probatório e risco jurídico: em algumas decisões, impõe-se às empresas o ônus de comprovar a concessão da folga quinzenal, presumindo-se a violação na falta de provas. Isso aumenta a insegurança jurídica e estimula o ajuizamento de ações coletivas.
  4. Impactos financeiros da condenação: a não concessão da folga quinzenal resulta no pagamento em dobro dos domingos trabalhados, com reflexos em férias, 13º salário e FGTS. Esse custo adicional significativo pode desestimular ainda mais a contratação de mulheres no setor.

A defesa dos direitos das mulheres no mercado de trabalho deve ser uma prioridade, mas sem impor barreiras que, em vez de protegê-las, limitem sua inserção e crescimento profissional. As decisões do STF e TST, ao reafirmar uma norma da CLT de 1943, desconsideram as transformações do mercado e os desafios econômicos atuais. Longe de promover a inclusão, sua aplicação rígida pode resultar na exclusão velada das mulheres em setores como o varejo, onde a flexibilidade operacional é essencial.

Diante disso, é fundamental modernizar a legislação trabalhista para garantir que sua aplicação não contrarie os princípios de equidade e inclusão. A verdadeira proteção não está em normas ultrapassadas que impõem restrições, mas em políticas que incentivem a contratação e promovam o desenvolvimento profissional das mulheres. O desafio é garantir direitos sem comprometer a competitividade empresarial, assegurando uma inclusão sustentável e efetiva, equilibrando a proteção ao trabalho feminino com a necessidade de um mercado dinâmico e acessível a todos.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.





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