Congresso em Foco

Congresso em Foco


As redes sociais representam um risco crescente para crianças e adolescentes, ampliando o alcance de crimes graves e afetando diretamente a segurança e o bem-estar dessa população. Aliciamento em redes sociais, cooptação para a prática de crimes, discursos de misoginia, perfis que reúnem alunos de escolas para praticar fofocas, exploração sexual e produção de conteúdo ilegal são alguns dos problemas enfrentados.

O aliciamento de crianças é tipificado como crime pelo artigo 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), abarcando as seguintes condutas: aliciar, assediar, instigar ou constranger, através de: qualquer meio de comunicação, com fim de: com ela praticar ato libidinoso. Também é crime previsto no ECA Divulgação e posse de pornografia infantil (Art. 241 ECA), qual seja: produzir, vender, divulgar ou armazenar imagens de abuso infantil. A pena é de 4 a 8 anos de reclusão e multa.

As redes sociais se tornaram espaços para aliciamento de crianças e adolescentes, que são atraídos para grupos criminosos sem supervisão adequada. A falta de regulamentação e fiscalização permite que tais ações ocorram de maneira preocupante, ampliando os riscos para essa população vulnerável.

Redes sociais

Redes sociaisPixabay

Também há o crime de estelionato e fraude digitais, previsto no art. 171 do Código Penal (Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940), que consiste em fraudar ou enganar alguém para obter vantagem ilícita por meio digital, além, é claro, dos crimes contra a honra, como difamação (art. 139 do Código Penal), injúria (140) e calúnia (art. 138 do Código Penal).

Muitas dessas ocorrências não chegam ao conhecimento da imprensa, pois frequentemente não são denunciadas à polícia ou às autoridades judiciais. O que conhecemos é apenas a ponta do iceberg. O cenário é muito mais preocupante do que imaginamos. A experiência da juíza Vanessa Cavalieri na Vara Penal do Rio de Janeiro aponta para o envolvimento cada vez mais precoce de menores em crimes graves, tanto como vítimas quanto como agentes, incluindo estupro e até mesmo homicídio.

A juíza destaca que esses crimes estão diretamente ligados à violência percebida nas redes sociais, onde adolescentes entram em contato com grupos criminosos por meio de chats e comunidades online.

“Isso tem partido de um aliciamento, da cooptação que acontece no ambiente digital, em comunidades que hospedam redes sociais. Hoje, as mais perigosas são o Discord, o Twitter, o Instagram e o Telegram, que é um aplicativo sem nenhuma regra no ambiente criminoso. Essa cooptação é feita no ambiente digital, como nos casos de ataques violentos”.

Outro fator alarmante é o aumento da produção e compartilhamento de material de abuso sexual infantil, agravado pela facilidade de acesso a conteúdos pornográficos. A juíza Vanessa Cavalieri afirma que muitos jovens que nem iniciaram sua vida sexual estão sendo expostos à pornografia e se envolvendo em comunidades de exploração. Jovens de 12, 13, 14 anos, sem experiência na vida real, já estão inseridos em grupos de pedofilia.

E como essa exposição precoce impacta o desenvolvimento emocional e psicológico dos adolescentes?

As redes sociais não apenas amplificam a violência como no caso de uma briga de escola que ganha escala em grupos de WhatsApp mas também criam novas formas de exploração e abuso. O cyberbullying e as páginas de fofocas, conhecidas como exposer ou explana, expõem alunos e professores à humilhação e ao ridículo, causando danos emocionais severos. Muitos jovens, ao serem vítimas dessas práticas, desenvolvem transtornos psicológicos graves e, em casos extremos, tiram a própria vida, como relata a juíza Vanessa Cavalieri:

“Desde 2011, quando os smartphones se popularizaram nas escolas e redes como Instagram mudaram a forma de interação, aumentaram a sensação de solidão nas escolas, o bullying e o cyberbullying, além da distração em sala de aula. Com a falta de conexão real, não há mais relações olho no olho e desenvolvimento de habilidades sociais. Isso gera uma solidão muito grande, levando ao aumento dos casos de ansiedade, depressão, automutilação e até suicídio entre adolescentes”.

Além do aumento do cyberbullying e dos conflitos escolares, que outros crimes acontecem na rede?

Os grupos de WhatsApp, por exemplo, têm sido palco para crimes como misoginia, racismo, homofobia, capacitismo e ameaças. Além disso, páginas de exposição criadas por alunos atacam colegas e até professores, muitas vezes com a participação coletiva de diversos jovens. O mais preocupante é que, em alguns casos, esses crimes podem configurar a formação de uma organização criminosa, levando os envolvidos a responderem legalmente por isso.

As soluções passam por políticas públicas, mas também por conscientização e ação conjunta entre famílias, escolas e o poder público. Algumas medidas já estão sendo adotadas, como a proibição do uso de celulares em escolas e a capacitação de profissionais para lidar com esses desafios.

Para Vanessa, o governo tem um papel essencial na regulação das redes sociais, garantindo a moderação de conteúdos criminosos e proibindo o acesso de menores de idade por meio de mecanismos eficazes de verificação etária. No Rio de Janeiro, foi criado o protocolo Eu Te Vejo, que orienta como proceder no apoio às vítimas de crimes nas escolas, mas é preciso avançar numa política pública nacional, explica a juíza Vanessa Cavalieiri.

“Eu acho que o governo fez a sua parte, uma parte importante, que foi a proibição dos celulares nas escolas. A gente precisa da regulação das redes sociais, as plataformas e as redes precisam se responsabilizar pelo conteúdo criminoso que é postado, que elas não filtram. Precisamos de uma moderação ativa de conteúdo criminoso que seja eficaz. A que temos hoje não impede o acesso de crianças e adolescentes. Também precisamos de uma verificação etária eficiente, pois o sistema atual se baseia apenas na autodeclaração”.

Como os pais podem ajudar na solução do problema?

Os pais são parte da solução do problema, que é bem mais amplo. Algumas das medidas recomendadas por especialistas incluem: implementação de protocolos de segurança digital nas escolas; reforço da conscientização sobre o uso responsável da internet; regulação eficaz das redes sociais, com mecanismos de verificação etária mais rigorosos; maior responsabilização das plataformas pelo conteúdo criminoso veiculado e fortalecimento do apoio psicológico e emocional para crianças e adolescentes expostos a riscos digitais.

O mais importante, no entanto, é retirar o celular dos filhos até, no mínimo, os 14 anos de idade, e manter os filhos afastados das redes sociais, pelo menos, até os 16 anos de idade, como defende o Movimento Desconecta, como defende Vanessa Cavalieiri:

“A gente precisa que as famílias se percebam como parte da solução do problema. eu recomendo que as famílias que estão nessa angústia de quer diminuir, ou estão inseguras, que ficam a adesão ao movimento desconecta, que é um movimento coletivo de mães e pais que assumem o compromisso de adiar a entrega do celular para os 14 anos e só ter rede social após os 16 anos, e se este pacto coletivo funciona, a gente consegue estender a infância livre de celular e deixar para ter acesso ao mundo tenebroso das redes socais e do jogo online para quando a pessoa estiver mais velho e pode entender os perigos e se proteger desses perigos”.

Para mais informações e suporte, a juíza Vanessa Cavalieri disponibiliza o contato [email protected], além de programas de capacitação e palestras voltadas para a proteção infantil no ambiente digital. Já o movimento Desconecta pode ser encontrado no instagram ou em outras redes sociais.

O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].



Source link