Advogados falam em “colaboração premiada viciada” e “marcada pelas mentiras, omissões e contradições”
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) na 5ª feira (6.mar.2025) a anulação da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. O pedido foi feito em uma resposta prévia dos advogados à denúncia da PGR (Procuradoria Geral da República) contra o ex-chefe do Executivo.
No documento, a defesa do ex-presidente caracterizou a colaboração de Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, como “viciada pela absoluta falta de voluntariedade” e afirmou que seu conteúdo é marcado por “mentiras, omissões e contradições”. Leia a íntegra da defesa preliminar entregue ao STF (129 páginas, PDF – 8 MB).
A defesa, liderada pelo advogado Celso Vilardi, disse ser “bastante significativo, para dizer o menos” que, apesar de a PF (Polícia Federal) ter apontado contradições entre os resultados de suas investigações e a delação de Cid, o acordo de colaboração não tivesse sido rescindido.
Áudios de Mauro Cid
Para sustentar o argumento da falta de voluntariedade por parte de Cid, a defesa de Bolsonaro descreveu as duas audiências em que o ex-ajudante de ordens foi chamado para prestar esclarecimentos.
A 1ª, em 22 de março de 2024, foi realizada por causa de vazamento de áudios nos quais o tenente-coronel afirma que teria sido coagido a delatar Bolsonaro. Leia aqui a íntegra da transcrição dos áudios.
Segundo a defesa de Bolsonaro, “os áudios foram prontamente reconhecidos pelo colaborador que, desculpando-se, classificou suas falas como um desabafo e esclareceu que não pretendia que viesse a público”.
Para os advogados do ex-presidente, o reconhecimento de Cid de que havia enviado os áudios configuraria descumprimento do dever de sigilo previsto no acordo. Porém, apesar disso, a colaboração premiada foi mantida.
“Ora, o colaborador afirmou [nos áudios] que não havia voluntariedade, mas depois desculpou-se. Em qual versão devemos acreditar? Na ausência de voluntariedade ou no suposto desabafo? Como confiar num delator que desacredita sua própria delação?”, questionou a defesa.
Os advogados de Bolsonaro falam que, quando questionado sobre quem era o interlocutor das mensagens, Cid respondeu que “não sabia ao certo”, mas que acreditava tratar-se de um familiar ou amigo.
“A estória de que o interlocutor era um familiar ou amigo próximo beira o ridículo, como também soa patética a afirmação de que não se lembra com quem teria mantido o diálogo”, lê-se no documento. Os advogados acrescentam haver razões para se perguntar por que Cid mentiria para um familiar ou amigo próximo.
“Mentiras, contradições e omissões”
A defesa de Bolsonaro afirmou que um relatório da PF, encaminhado ao ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do caso, apontava “mentiras, contradições e omissões nas declarações de Mauro Cid”.
Segundo os advogados, tanto o MP (Ministério Público) quanto a PGR, diante de tais contradições, pediram a prisão preventiva de Cid e afirmaram o descumprimento do acordo.
A defesa argumentou que, em vez de a prisão ser executada e o acordo rescindido, houve nova audiência para que o tenente-coronel tivesse uma chance para esclarecer os fatos.
“O ponto central é exatamente esse: pode o Poder Judiciário oferecer uma oportunidade de o colaborador se corrigir?”, declarou a defesa.
“Nem a Lei, nem o contrato de colaboração aventam a hipótese de não rescindir o acordo; não há previsão de conferir ao colaborador uma oportunidade para salvar seu acordo. Cabia apenas decidir pela decretação da prisão preventiva ou não”, disseram os advogados.
Para a defesa, em vez de se concentrar na validade ou não do acordo, a audiência de novembro, presidida por Alexandre de Moraes, serviu para “esmiuçar as declarações” de Cid, o que configuraria uma irregularidade, pois prejudica, segundo a defesa, a imparcialidade do ministro.
Os advogados reforçam que o juiz não pode participar da produção e coleta de provas durante a investigação. “A Constituição Federal dispõe que as funções de investigador e inquisidor são atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (…) observando que o envolvimento do magistrado nas investigações prejudica sua imparcialidade”, escreveu a defesa.
Defesa preliminar
Além do pedido de anulação da delação premiada de Cid, os advogados, no documento, negaram a participação de Bolsonaro em uma articulação de golpe e pediram que o processo fosse julgado no plenário do Supremo, em vez de na 1ª Turma.
Os advogados citaram a figura do juiz de garantias como tentativa de afastar Moraes do caso. O juiz de garantias serve para separar o juiz da investigação do juiz que julga. Porém, a figura não é válida para ações com origem no Supremo.
Também argumentaram que o direito à ampla defesa foi prejudicado pela falta de acesso dos advogados às provas integrais e pelo excesso de material juntado pela acusação, bem como a desorganização do mesmo.
Bolsonaro é acusado de comandar uma organização criminosa e participar da tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de um golpe de Estado. Também foi denunciado pelos crimes de dano qualificado com violência e deterioração contra o patrimônio tombado.
Em fevereiro, 34 pessoas foram denunciadas pelos mesmos crimes, incluindo o ex-ministro e ex-vice na chapa de Bolsonaro, o general Braga Netto, no inquérito que apura uma tentativa de golpe de Estado para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Outros denunciados também apresentaram suas defesas. Eis o que cada um respondeu:
- Mauro Cid – negou que tenha sido coagido pelo ministro Alexandre de Moraes, pediu a manutenção de todos os termos firmados no seu acordo de colaboração premiada e também a sua absolvição;
- Augusto Heleno (general do Exército e ex-ministro do GSI – Gabinete de Segurança Internacional) – disse que a PGR não demonstrou sua participação no plano de golpe e pediu que o julgamento seja transferido para a 1ª Instância;
- Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) – negou que tenha atuado para efetivar um golpe de Estado; e
- Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin e deputado federal pelo PL-RJ) – pediu a rejeição da denúncia, argumentando que não há indícios concretos da sua participação.
O general Braga Netto e o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier têm até esta 6ª feira (7.mar.2025) às 23h59 para apresentarem as suas defesas. O prazo dos 2 é diferente porque eles foram intimados 1 dia depois dos outros denunciados.